Emissões nacionais de gases de efeito estufa subiram 8,9%
em 2016 em comparação com 2015.
Da Rede de Especialistas de
Conservação da Natureza
Dados do SEEG mostram que país lançou
mais gases de efeito estufa no ar mesmo em meio a pior recessão de sua
história; desmatamento puxou elevação, a maior em 13 anos.
As emissões nacionais de gases de efeito estufa subiram 8,9% em
2016 em comparação com o ano anterior. É o nível mais alto desde 2008 e a maior
elevação vista desde 2004.
O país emitiu no ano passado 2,278 bilhões de toneladas brutas de
gás carbônico equivalente (CO2e), contra 2,091 bilhões em 2015.
Trata-se de 3,4% do total mundial, o que mantém o Brasil como sétimo maior
poluidor do planeta.
Os dados são da nova edição do SEEG (Sistema de Estimativas de
Emissões de Gases de Efeito Estufa) lançada dia 26/10/17em São Paulo pelo
Observatório do Clima.
O crescimento é o segundo consecutivo, e ocorre em meio à pior
recessão da história do Brasil. Em 2015 e 2016, a elevação acumulada das
emissões foi de 12,3%, contra um tombo acumulado de 7,4 pontos no PIB (Produto
Interno Bruto), que recuou 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016. O Brasil se torna, assim,
a única grande economia do mundo a aumentar a poluição sem gerar riqueza para
sua sociedade.
Em 2016, o desmatamento na Amazônia teve alta de
27%, impactando as emissões de gases de efeito estufa brasileiras,
que subiram 9%.
A elevação nas emissões no ano passado se deveu à alta de 27% no
desmatamento na Amazônia. As emissões por mudança de uso da terra cresceram 23%
no ano passado, respondendo por 51% de todos os gases de efeito estufa que o
Brasil lançou no ar.
Por outro lado, quase todos os outros setores da economia tiveram
queda nas emissões. A mais expressiva foi no setor de energia, que viu um recuo
de 7,3% – a maior baixa em um ano desde o início da série histórica, em 1970. O
setor de processos industriais teve redução de 5,9%, e o de resíduos, 0,7%. As
emissões da agropecuária subiram 1,7%.
Hoje a atividade agropecuária é, de longe, a principal responsável
pelas emissões de gases de efeito estufa no país: ela respondeu por 74% das
emissões nacionais em 2016, somando as emissões diretas da agropecuária (22%) e
as emissões por mudança de uso da terra (51%). Se fosse um país, o agronegócio
brasileiro seria o oitavo maior poluidor do planeta, com emissões brutas de 1,6
bilhão de toneladas (acima do Japão, com 1,3 bilhão). Entre 1990 e 2016, o
setor de uso da terra no Brasil emitiu mais de 50 bilhões de toneladas de CO2
e, o equivalente a um ano de emissões mundiais.
Agropecuária aumentou suas emissões em 1,7%
“O descontrole do desmatamento, em especial na Amazônia, nos levou
a emitir 218 milhões de toneladas de CO2 a mais em 2016 do que em
2015. É mais do que duas vezes o que a Bélgica emite por ano”, disse Ane
Alencar, pesquisadora do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e
responsável pelos cálculos de emissões por mudança de uso da terra no SEEG.
“Isso é dramático, porque o desmatamento é em sua maior parte ilegal e não se
reflete no PIB do país.”
Com efeito, a chamada intensidade de carbono da economia brasileira,
ou seja, o total emitido por unidade de PIB gerada, cresceu 13% – na contramão
da maior parte das grandes economias, em que a intensidade de carbono vem
declinando. Em 2016 o Brasil emitiu 1,1 tCO2 e para cada milhão de
dólares de PIB (MUSD) enquanto a média global é de 0,7 tCO2e/MUSD.
Para uma economia de baixo carbono em meados do século estima-se que este valor
deveria ser inferior a 0,1.
No setor de energia, que antes da crise vinha crescendo
rapidamente em emissões, a queda de 7,3% foi puxada pela retração da economia e
pelo crescimento da participação das energias renováveis na matriz elétrica.
As emissões associadas à geração de eletricidade caíram 30% no ano
passado. Isso se deveu à redução da participação das usinas termelétricas
fósseis, cuja geração caiu 28% devido à recuperação parcial dos reservatórios
das hidrelétricas – que aumentaram sua geração em 6% graças às chuvas no
Centro-Sul em 2016 – e à desaceleração da economia. “Além disso, a geração por
fontes renováveis não hídricas, principalmente eólica e biomassa, cresceu 19%”,
afirmou Marcelo Cremer, pesquisador do Iema (Instituto de Energia e Meio
Ambiente).
A maior parte das emissões do setor de energia – 48% – segue
atrelada ao setor de transportes. Nos últimos três anos o consumo de
combustível em veículos leves se manteve constante, mas em 2016 a gasolina
aumentou 4% e o etanol caiu 10%. “A troca de etanol por gasolina tende a
aumentar emissões, mas por outro lado, a redução no consumo de óleo diesel,
querosene de aviação e óleo combustível, na esteira da crise, fez com que as
emissões de transportes se mantivessem praticamente idênticas às de 2015”,
concluiu Cremer.
No setor de resíduos, o que teve maior crescimento percentual
desde 1970 (mais de 500%), a oscilação para baixo se deveu também à recessão.
“Apesar do crescimento das emissões provenientes do tratamento de efluentes, o
setor teve queda, relacionada à redução da geração de resíduos sólidos urbanos
e à diminuição do envio do material coletado para aterros sanitários”, disse
Igor Albuquerque Reis, do ICLEI-Governos Locais pela Sustentabilidade.
Segundo ele, a recessão que atingiu as prefeituras Brasil afora
afetou as políticas municipais de eliminação dos lixões proposta pela Política
Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010. Isso paradoxalmente reduz as emissões,
já que os aterros sanitários, embora sejam a melhor destinação para o lixo,
emitem mais metano (que, no entanto, pode ser usado para gerar energia e
reduzir emissões).
A crise também é uma explicação, embora igualmente paradoxal, para
o aumento das emissões no setor de agropecuária: os abates de bovinos recuaram
pelo segundo ano consecutivo, devido principalmente a uma queda na demanda por
carne em função da crise e competitividade das demais carnes, como a de porco
(que tem tido abates recordes). “Atingimos uma população de bovinos de corte
jamais vista”, diz Ciniro Costa Júnior, analista de Clima e Cadeias
Agropecuárias do Imaflora. Só de gado de corte o Brasil tinha em 2016 mais de
198 milhões de cabeças, segundo dados do IBGE. Como bois e vacas emitem metano
(o gás de efeito estufa mais importante depois do CO2) durante a
digestão e pela degradação do esterco, menos gado sendo abatido significa mais
bois no pasto e nos currais e mais emissões.
Além do aumento do rebanho, também contribuiu para o crescimento
das emissões do setor – que foi o maior desde 2011 – um salto inédito no
consumo de fertilizantes nitrogenados, que emitem óxido nitroso (N2O)
um gás 265 vezes mais potente que o CO2 no aquecimento global.
Depois de uma queda de entre 2014 e 2015 ele cresceu 23% em 2016, algo nunca
visto antes, o que levou a um aumento proporcional de aumento nas emissões
dessa fonte.
O SEEG fez, ainda, pelo segundo ano consecutivo, uma estimativa
das emissões e remoções pelo manejo dos solos agrícolas, que não são computadas
no inventário nacional divulgado pelo governo. Solos degradados emitem CO2
e solos bem manejados, pelo contrário, removem CO2 da atmosfera.
Entender e estimar essas emissões e remoções é fundamental para o cumprimento
das metas do Brasil no Acordo de Paris, já que elas envolvem restaurar 15
milhões de hectares de pastagens degradadas.
Se fossem contabilizadas, as variações de carbono no solo
resultariam num aumento de 5% na emissão total do setor agropecuário, devido à
grande quantidade de pastagens degradadas no país. “Nós temos mostrado que dá
para fazer essa estimativa, e isso deveria estimular o governo a fazer também”,
afirmou Costa Júnior.
Desmatamento faz emissão de gás do efeito estufa subir
8,9% no Brasil.
A visão do OC:
Agropecuária ameaça metas mas pode ser salvação do
clima
O cenário atual acende uma luz amarela para o cumprimento da
Política Nacional de Mudanças Climáticas. A lei estabelece que o Brasil precisa
chegar a 2020 com emissões não superiores a 2,2 bilhões de toneladas de CO2
equivalente – exatamente o que foi emitido em 2016. Se não reverter o
desmatamento, o país pode não cumprir a meta caso as emissões dos outros
setores retomem o ritmo de alta de antes da recessão, em especial o de energia.
“Nos últimos anos nós temos
caminhado no sentido contrário à meta. Patinamos ao redor de 2 bilhões de
toneladas por ano e agora saltamos para 2,2 bilhões”, disse André Ferretti,
gerente de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário, membro da
Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e coordenador-geral do Observatório
do Clima.
“Temos hoje a pior manchete
climática do planeta: aumento de emissões em razão de desenfreada destruição
florestal e totalmente dissociado da economia. Não vai adiantar o governo e os
ruralistas dizerem lá fora que o agro é pop; não vão convencer a comunidade
internacional e os mercados de que está tudo bem por aqui”, afirmou Carlos
Rittl, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e
secretário-executivo do OC. “O Brasil que chegará no mês que vem à COP23 já é
um problema para os objetivos do Acordo de Paris.”
Se por um lado a atividade agropecuária lidera as emissões do
Brasil, por outro lado pode estar aí a chave para a salvação da lavoura – e do
clima.
“As emissões ligadas à atividade
agropecuária quase sempre representaram 70% ou mais das emissões totais do
Brasil. Mas elas podem chegar a zero com decisões nossas”, afirmou Tasso
Azevedo, coordenador técnico do SEEG. Segundo ele, o país pode zerar o
desmatamento e expandir a agricultura de baixo carbono a toda a agropecuária.
Isso implica em um melhor ambiente para o agronegócio, mais renda para o
produtor e menos risco de secas e queimadas. “O nosso maior desafio no combate
à mudança climática é também a nossa maior oportunidade. Temos a felicidade de
ser um país onde essas coisas coincidem.”
Quadro 1
Bruto ou líquido?
Há duas maneiras de reportar os dados de emissão do país: pode-se
falar em emissões brutas (ou seja, o total que efetivamente vai para a
atmosfera como produto de ações humanas) ou líquidas, em que se subtrai dessa
conta o carbono retirado da atmosfera por ações humanas como a restauração de
florestas.
O IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, autoriza os países a
descontar de sua contabilidade as chamadas remoções antropogênicas. O Brasil
faz isso, considerando “antropogênicas” as remoções de CO2 por
unidades de conservação e terras indígenas. Estima-se um fator de remoção e
multiplica-se esse fator pela área florestal em TIs e UCs. O resultado é uma
“deflação” que pode chegar a centenas de milhões de toneladas de CO2
equivalente nos inventários nacionais de emissão.
Os técnicos do SEEG consideram essa contabilidade problemática, já
que não há nenhuma garantia de que as florestas nessas áreas protegidas, em sua
maioria florestas tropicais maduras, estejam de fato removendo carbono nessa
quantidade. Por exemplo, o fator de remoção usado no Terceiro Inventário
Nacional, de 2016, difere do segundo, de 2010, o que torna as remoções do
Segundo Inventário quase três vezes maiores.
Por essa razão, o OC prefere apresentar os dados do SEEG em
remoções brutas, embora, por transparência e comparabilidade, sempre publique
também as emissões líquidas.
A
tabela mostra as emissões brutas e líquidas entre 2011 e 2016.
Quadro 2
Por que os dados do Seeg mudaram?
Em 2017, toda a série histórica do SEEE foi ajustada, por isso os
números de 2015 e dos anos anteriores não são os mesmos que divulgamos no ano
passado. Mas calma, a gente explica: o que aconteceu foi que o SEEG usou uma
metodologia mais atual para fazer as contas.
Contabilidades nacionais de emissão são baseadas nas diretrizes do
IPCC. De tempos em tempos, sempre que publica um relatório de avaliação novo, o
IPCC aprimora essas diretrizes, para refletir melhor o conhecimento científico.
Por exemplo, os fatores usados para calcular quanto uma determinada atividade
(a queima de cimento, por exemplo) emite mudam, assim como os potenciais de
aquecimento global dos vários gases de efeito estufa.
O Terceiro Inventário Nacional de emissões de gases de efeito estufa
usa as diretrizes publicadas pelo IPCC em seu Segundo Relatório de Avaliação
(SAR, ou AR2), de 1995. A União Europeia também usa o AR2.
No
entanto, a NDC, a meta brasileira no Acordo de Paris, foi desenhada usando os
fatores de emissão do relatório mais recente do IPCC, o AR5, de 2013. Para
permitir o melhor acompanhamento da política pública, o SEEG converteu toda a
série de dados para AR5. Mas na plataforma também é possível acessar os dados
na “linguagem” antiga.
Sobre o SEEG
O Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa foi
criado em 2012 para atender a uma determinação da PNMC (Política Nacional de
Mudanças Climáticas). O Decreto 7.390/2010, que regulamenta a PNMC, estabeleceu que o país deveria produzir
estimativas anuais de emissão, de forma a acompanhar a execução da política. O
governo, porém, nunca produziu essas estimativas. Os inventários nacionais,
instrumentos fundamentais para conhecer em detalhe o perfil de emissões do
país, são publicados apenas de cinco em cinco anos, portanto não conseguem
captar as dinâmicas de curto prazo da economia, o que é necessário para a
implementação de políticas públicas.
O SEEG foi a primeira iniciativa nacional de produção de
estimativas anuais para toda a economia. Ele foi lançado em 2012 e incorporado
ao Observatório do Clima em 2013. Hoje em sua quinta coleção, é uma das maiores
bases de dados nacionais sobre emissões de gases-estufa do mundo, compreendendo
as emissões brasileiras de cinco setores (Agropecuária, Energia, Mudança de Uso
da Terra, Processos Industriais e Resíduos) de 1970 a 2016 – exceto o setor de
Mudaça de Uso da Terra, que não tem dados anteriores a 1990.
As estimativas são geradas segundo as diretrizes do IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), com base nos Inventários
Brasileiros de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, do
MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).
Todos os dados do SEEG são disponibilizados em plataforma digital,
onde pode-se consultar os dados diretamente, assim como também obter por download a base de dados completa, com mais de 3,3 milhões de
registros, já preparada para consultas com tabelas dinâmicas. Os principais de
dados de atividade utilizado nos cálculos também são disponibilizados através
da plataforma onde também é possível acessar infográficos sobre as emissões de cada setor, notas metodológicas que explicam detalhadamente como o levantamento e produção
de dados são realizados e uma avaliação da qualidade dos dados.
A partir de 2014 o SEEG passou a ser adotado por coletivos de
outros países. O primeiro SEEG implementado fora do Brasil foi o Peru e o
segundo na Índia. O SEEG Global pode ser acessado pelo endereço: http://seeg.world.
Atuaram no SEEG 5 pesquisadores das ONGs Ipam e Imazon (Mudança de
Uso da Terra), Imaflora (Agropecuária), Iema (Energia e Processos Industriais)
e Resíduos (ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade).
FIGURA 1: Emissões brutas
de GEE do Brasil, 1990-2016 (em tCO2e)
FIGURA 2: Evolução das emissões brutas e líquidas de GEE, 1990-2016
(mtCO2e) (ecodebate)
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