sábado, 31 de outubro de 2020

Amazônia próxima do ponto de inflexão ecológica catastrófica

A Amazônia está mais perto de um ponto de inflexão ecológica catastrófica do que em qualquer outro momento nos últimos 100.000 anos, e a atividade humana é a causa.

Em um novo artigo publicado nos Annals of the Missouri Botanical Garden, o professor de biologia da Florida Tech, Mark Bush, descreve como a vasta floresta amazônica poderia ser substituída por savana, que é uma pastagem com poucas árvores, durante nossa vida.

As florestas tropicais dependem de alta umidade e não têm adaptação para resistir ao fogo. Bush usa pólen fóssil e carvão recuperado de sedimentos de lagos que datam de milhares de anos para rastrear mudanças na vegetação e na freqüência de incêndios ao longo do tempo. Ele descobriu que os incêndios eram quase desconhecidos na Amazônia antes da chegada dos humanos.

Perturbações relativamente de pequena escala causadas pelos primeiros habitantes da Amazônia nos últimos 10.000 anos não trouxeram o sistema a um ponto de inflexão porque ele poderia se recuperar desses eventos menores. Mas os efeitos modernos do aquecimento do clima e elevado risco de seca – ambos produtos da mudança climática antropogênica – estão se combinando com o desmatamento em escala muito maior e as queimadas na Amazônia para criar as condições em que vastas áreas de floresta tropical podem fazer a transição para savana em questão de décadas.

“A imensa biodiversidade da floresta tropical está em risco de incêndio”, disse Bush.

Um dos pontos-chave do artigo, “Novos e recorrentes pontos de inflexão: a interação do fogo, mudança climática e desmatamento nos ecossistemas neotropicais”, é que embora nenhum governo individual possa controlar a mudança climática, o fogo pode ser regulado por meio de políticas. Quase todos os incêndios na Amazônia são provocados deliberadamente por pessoas e tornaram-se muito mais frequentes nos últimos dois anos, devido a alterações na política, do que na década anterior.

Os dados de Bush mostram que o ponto de inflexão provavelmente será alcançado se as temperaturas subirem mais 2 a 3 graus Fahrenheit. O aquecimento antropogênico traria essas temperaturas até o final deste século, mas o aumento das queimadas cria paisagens mais quentes, mais secas e menos sombreadas que poderiam acelerar essa transição.

“O aquecimento por si só pode induzir o ponto de inflexão em meados do século, mas se as políticas atuais que fecham os olhos para a destruição da floresta não forem interrompidas, podemos chegar ao ponto de inflexão muito mais cedo”, disse Bush.

Ele acrescentou: “Além da perda da vida selvagem, os efeitos em cascata da perda da floresta tropical amazônica alterariam as chuvas em todo o hemisfério. Este não é um problema remoto, mas de importância global e significado crítico para a segurança alimentar que deve preocupar a todos nós”. (ecodebate)

Coalizão de 17 gigantes de bens de consumo quer o fim do desmatamento

Dezessete gigantes mundiais de bens de consumo, como a Danone, Nestlé e Walmart, lançaram em 22/09/20 a Forest Positive Coalition of Action. O principal objetivo é usar a força da voz coletiva para acelerar os esforços sistêmicos para acabar com o desmatamento e a degradação florestal.

Figuram no grupo o Carrefour, Colgate-Palmolive, Essity, General Mills, Grupo Bimbo, Jerónimo Martins, Mars, METRO AG, Mondelēz International e P&G.

Gigantes como Nestlé e Carrefour apertam cerco a fornecedores e lançam aliança contra desmatamento.

Grupo de 17 multinacionais soma US$ 1,8 trilhão em valor de mercado. Ideia é cobrar ações que inibam degradação florestal nas cadeias de suprimentos.

Completam o grupo a PepsiCo, Sainsbury’s, Tesco e Unilever. Além do combate ao desmatamento, as empresas querem contribuir para a conversão das principais cadeias de abastecimento de commodities de óleo de palma, soja e papel, celulose e embalagens à base de fibra.

Os esforços serão direcionados para impulsionar mudanças transformadoras em toda a cadeia dessas mercadorias. A coalização foi apresentada durante a Cúpula do Impacto do Desenvolvimento Sustentável do Fórum Econômico Mundial.

Empresas gigantes de bens de consumo querem o fim do desmatamento.

Por nota, Grant Reid, presidente e CEO da Mars, destacou que o grupo acredita que a proteção florestal é um “impulsionador do crescimento econômico, não um sacrifício ao crescimento”. (biodieselbr)

Entenda causas e consequências dos incêndios no bioma

Pantanal: entenda as causas e consequências dos incêndios no bioma.

Especialistas da The Nature Conservancy Brasil explicam por que o atual volume de queimadas não pode ser considerado "normal" e apontam prejuízos à biodiversidade.
Cinco perícias realizadas pelo Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional (Ciman/MT) apontaram ação humana como causa da origem das queimadas na região do Pantanal.

Todo ano nos deparamos com queimadas e incêndios que ocorrem principalmente nos biomas Cerrado e Amazônia. A cada estação seca que chega, vemos as imagens fortes de áreas em chamas, bichos morrendo, pessoas sendo afetadas. Neste ano, a esses dois biomas adiciona-se o Pantanal, com quase um quinto de seu território de 15 milhões de hectares afetado pelo fogo.

O Pantanal é uma extensa planície de inundação cuja maior parte está localizada no Brasil, mas também compreende terras na Bolívia e no Paraguai. Longe de ser uma unidade homogênea, cada região do Pantanal tem suas próprias características de vegetação e ritmo de inundações, como Nabileque, Rio Negro, Nhecolândia, Paraguai, Miranda, Melgaço, entre outras. De forma geral, existem um ou mais pulsos de inundação durante o ano que fazem com que os rios extravasem suas calhas e inundem extensas regiões.

Área queimada no Pantanal no primeiro semestre de 2016 a 2020. Elaborado pela TNC a partir de dados do INPE (área queimada) e IBGE (limite do bioma).

Entre janeiro e junho deste ano, de acordo com dados do Centro de Arquivo Ativo e Distribuído de Processos Terrestres (LP DAAC) da Nasa, 330 mil hectares do Pantanal foram queimados, quase o dobro da área afetada pelo fogo no primeiro semestre de 2019 e 30% mais que a soma de toda área queimada no mesmo período entre 2016 e 2019 (como pode ser visto no gráfico acima).

E o cenário entre julho e setembro parece ser muito pior, com uma área queimada estimada em mais de dois milhões de hectares, já que, nesse período, a seca, os ventos e a ação humana tendem a ser mais acentuados. De fato, o número de focos de calor desde o início de julho (conferir gráfico abaixo) já é três vezes maior que o observado em 2019 e cinco vezes maior que a média de focos de 2016 a 2019, segundo dados coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) até 20/09/20.

Mas por que isso ocorre? Quais são as consequências? Todo fogo é igual? As respostas a essas perguntas são fundamentais para entender esse problema complexo e de grande impacto que tem se exacerbado não apenas no Brasil, mas em muitas partes do mundo.

Por que o fogo ocorre?

Número de focos de calor no Pantanal entre julho e setembro de 2016 a 2020. Elaborado pela TNC a partir de dados do INPE (área queimada) e IBGE (limite do bioma).

Sempre que houver acúmulo de combustível e condições meteorológicas favoráveis há o risco de ocorrência de fogo. O combustível geralmente é composto por restos vegetais secos, incluindo tanto folhas mortas quanto capim vivo, e material lenhoso fino, como galhos e gravetos. Já as condições meteorológicas estão relacionadas a longos períodos de estiagem, com queda da umidade relativa, altas temperaturas e, para piorar, ventos fortes ou constantes. Mas o fogo só vai ocorrer se houver uma fonte de ignição. Fogo de origem natural é pouco provável e pode estar associado à combustão espontânea, um evento extremamente raro, ou a descargas elétricas (raios), nas transições de estações ou nos “veranicos”, períodos curtos de seca que ocorrem no meio de estações chuvosas. Portanto, de longe a mais importante causa de ignição de fogo é o homem, seja por ação intencional ou acidental.

Todo fogo é igual?

Não, os efeitos do fogo variam segundo suas características – como intensidade e persistência –, assim como em função de sua recorrência e, acima de tudo, com o tipo de ambiente impactado. Existem diferentes resistências e resiliências em relação ao fogo. Lembrando que a resistência ao fogo é o conjunto de características microclimáticas e da vegetação que impedem ou reduzem em muito sua ignição e propagação. Já a resiliência ao fogo é a capacidade do ambiente queimado retornar ao mesmo estágio de organização após a ocorrência de uma queimada.

Assim, uma floresta úmida, como a que encontramos em grande parte da Amazônia e Mata Atlântica, em condições normais, dificilmente queimaria. Nesses ambientes os organismos não possuem adaptações de proteção ao fogo e, caso isto ocorra, os danos são extensos e a recuperação pode levar dezenas de anos para acontecer. Essas áreas são consideradas como sensíveis ao fogo (veja mapa abaixo). O Cerrado e o Pantanal possuem vegetações mais resilientes e, consequentemente, menos sensíveis. No entanto, de acordo com a severidade, o fogo pode alterar a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas nesses biomas.

A segunda distinção dos efeitos de fogo diz respeito à época de ocorrência. Quanto mais seco, quente e ventoso o momento da queima, mais intenso e danoso é o fogo. E é justamente na época seca que o fogo associado à limpeza de pastos, preparo de plantios e desmatamentos é mais frequente, e quanto mais tempo uma área recém-queimada fica exposta ao tempo seco, piores as consequências para a rebrota da vegetação e para a fauna.
Classificação de resposta ao fogo da vegetação brasileira baseada na sensibilidade e capacidade de resiliência da vegetação predominante. Adaptado a partir de Hardesty et al. (2005).

O fogo natural, por sua vez, ocorre em períodos de clima mais ameno e com grande possibilidade de chuva logo após o evento de queima; por essa razão tende a ser mais brando e menos extenso, possibilitando a recuperação rápida da vegetação, sem afetar profundamente os habitats nem a oferta de alimento para a fauna.

O terceiro fato a se observar em relação aos efeitos do fogo é a sua recorrência, pois pode haver efeitos cumulativos relacionados à frequência ou ao intervalo de tempo entre as queimadas. Queimadas frequentes tendem a selecionar as espécies mais resistentes e eliminar as mais sensíveis. Intervalos curtos de queima podem interferir nos processos de floração, frutificação e estabelecimento de plântulas, alterando a estrutura da vegetação, eliminando, por exemplo, as árvores e tornando a fisionomia mais campestre.

Quais as consequências do fogo?

Os primeiros efeitos do fogo são os mais evidentes: a elevação da temperatura e a queima do combustível. Os efeitos imediatos do aumento de temperatura podem ser fatais para a própria vegetação e para animais que não conseguem fugir ou não apresentam proteções especiais. Já a queima do combustível transforma a biomassa em fumaça e cinza.

No curto prazo, até pode haver uma fertilização, principalmente pela mudança do pH, mas em incêndios mais severos, além da produção intensa de dióxido de carbono (CO2) e monóxido de carbono (CO), os nutrientes voláteis — principalmente nitrogênio, fósforo e enxofre — literalmente vão embora na fumaça. Nas cinzas ficam parte da celulose queimada parcialmente e alguns nutrientes não voláteis, como o potássio. Esses nutrientes perdidos tendem a voltar com o tempo, seja pela atividade biológica (nitrificação) ou pela água das chuvas, que carrega pequenas porções dos nutrientes exportados pela queima.
Detalhe do solo do Pantanal com brasa na luva de um bombeiro do Mato Grosso do Sul durante combate a focos de incêndios no Pantanal em julho.

Após um fogo severo, a perda de parte ou totalidade da vegetação superficial muda de forma significativa o balanço de energia da área. As cinzas escuras ajudam a absorver o calor do sol e as temperaturas do solo podem se elevar de forma significativa, aumentando a evaporação de qualquer água que ainda reste no solo. Em ambientes florestais, após o fogo, a entrada de luz também altera o microclima, facilitando a propagação de espécies invasoras e alterando a composição da flora. As transformações na vegetação do pós-fogo afetam diretamente a fauna que conseguiu sobreviver às chamas.

Esse entendimento da dinâmica do fogo e das respostas dos diferentes sistemas naturais é fundamental para o estabelecimento de linhas de ação de comando e controle bem estruturadas para evitar incêndios criminosos, assim como de ações de prevenção. O bom manejo das terras agrícolas, seja de pasto plantado, ou seja, de agricultura, evita o uso do fogo, como indicam estudos sobre alternativas a queimadas. Além disso, as áreas de vegetação natural no Cerrado e Pantanal podem ser manejadas para evitar o acúmulo de combustível e incêndios devastadores.

Não é porque o fogo ocorre todos os anos que ele deve ser visto num contexto de normalidade. Ao contrário, o aumento na frequência de incêndios severos atingindo áreas cada vez maiores deve soar um alarme, sobretudo porque esse cenário é resultado da ação humana. Esses incêndios tendem a se tornar cada vez piores devido ao aumento da temperatura e dos períodos de seca em boa parte do território brasileiro como resultado das mudanças climáticas que estão sendo aceleradas por estes mesmos incêndios. (globo)

Brasil alimenta 1 bilhão e ultrapassa 10 milhões de famintos 'dentro de casa'

Como o mesmo Brasil que alimenta 1 bilhão ultrapassou 10 milhões de famintos 'dentro de casa'?

Apesar de 'Brasil contribuir para que mundo continuasse alimentado', como disse Bolsonaro na ONU, IBGE diz que fome atinge níveis alarmantes no país, especialistas explicam a contradição.
BBC: Apesar do ‘Brasil contribuir para que mundo continuasse alimentado’, como disse Bolsonaro na ONU, IBGE diz que fome atinge níveis alarmantes no país - especialmente no campo.

Um dos pontos mais importantes — e menos comentados — do discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, em 22/09/20, se referia à produção de alimentos.

"No Brasil, apesar da crise mundial, a produção rural não parou. O homem do campo trabalhou como nunca, produziu, como sempre, alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas. O Brasil contribuiu para que o mundo continuasse alimentado", afirmou o presidente. "Garantimos a segurança alimentar a 1/6 da população mundial. O Brasil desponta como o maior produtor mundial de alimentos."

A fala se choca com dados divulgados pelo IBGE menos de uma semana antes da fala do presidente.

Mais de 10 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar grave, segundo o órgão. Em outras palavras, essa multidão — que inclui crianças — literalmente passa fome no Brasil.

A pesquisa, que se refere aos anos de 2017 e 2018, também aponta que o total de pessoas com alimentação em quantidade suficiente e satisfatória no Brasil é o mais baixo dos últimos 15 anos. O total de brasileiros que passam fome cresceu, segundo o órgão, em 3 milhões de pessoas em cinco anos.

Os dados chamam ainda mais atenção quando postos em perspectiva: em 2014, quatro anos antes da coleta dos dados agora divulgados, o Brasil oficialmente saiu do Mapa da Fome das Nações Unidas, em uma conquista aplaudida pelo mundo inteiro.

A BBC News Brasil conversou com alguns dos principais especialistas do país em temas como acesso  à alimentação adequada e fome para responder a seguinte pergunta:

Como, afinal, o mesmo país que alimenta boa parte do planeta tem ao mesmo tempo tantos milhões de famintos?

Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, divulgada em 17/09/20, 10,3 milhões de brasileiros passavam fome durante o levantamento — um aumento de 3 milhões de pessoas sem acesso normal a refeições em 5 anos.
3 milhões de pessoas se somaram aos que passam fome no Brasil em 5 anos.

A conta não inclui pessoas em situação de rua.

Segundo o estudo, a insegurança alimentar grave no Brasil é registrada principalmente em áreas rurais: 23,3% da população urbana passam fome, enquanto  40,1% da população rural atravessam a mesma situação.

Ainda segundo o IBGE, quanto mais moradores viverem em um domicílio, maior será a chance de haver fome ali. Do total de brasileiros que passavam fome no período da pesquisa, a maioria vivia na região Nordeste, seguida pelo Sudeste e pelo Norte.

O IBGE divide o conceito de insegurança alimentar em 3 categorias.

A insegurança leve acontece quando a família não tem certeza se terá acesso a alimentos no futuro, e quando a qualidade da comida já é ruim. Diz o IBGE: "Nesse contexto, os moradores já assumem estratégias para manter uma quantidade mínima de alimentos disponíveis. Trocar um alimento por outro que esteja mais barato, por exemplo".

Já a insegurança moderada surge quando os moradores já têm uma quantidade restrita de alimentos — menos comida na despensa do que o satisfatório.

Por fim, a insegurança grave aparece, nas palavras o IBGE, "quando os moradores passaram por privação severa no consumo de alimentos". É nesta categoria que se encaixa a definição tradicional de fome.

Considerando os três tipos de insegurança, o estudo mostra que o problema do acesso a alimentação de qualidade também é grave. Segundo o IBGE, "pelo menos metade das crianças menores de cinco anos viviam em lares com algum grau de insegurança alimentar".

Isso equivale a 6,5 milhões de crianças. Quando a referência é insegurança grave — ou fome — 5,1% das crianças com menos de 5 anos e 7,3% das pessoas com idade entre 5 e 17 anos vivem nessa condição.

Pesquisa do IBGE mostra que a fome voltou a crescer no Brasil.

Raio-x da produção de alimentos no Brasil

Diferentemente do que o presidente Jair Bolsonaro afirmou, o Brasil não é o primeiro, mas o terceiro maior produtor de alimentos do planeta — com mais de 240 milhões de toneladas no ano passado, ficando atrás apenas da China e dos EUA.

Segundo a ABIA, Associação Brasileira da Indústria de Alimentos, o Brasil exportou comida para mais de 180 países, movimentando 34,1 bilhões de dólares no ano passado.

A maior parte, 36,8%, foi para a Ásia, principalmente para a China. Em seguida vinham União Europeia (18,8% das exportações) e Oriente Médio (14,3%).

Segundo a associação, o Brasil é o segundo exportador mundial de alimentos industrializados em volume e o quinto em valor.

É também o primeiro produtor e exportador mundial de suco de laranja; o segundo produtor e primeiro exportador mundial de açúcar; o segundo produtor e primeiro exportador mundial de carne bovina e de carne de aves.

Mas é importante diferenciar a origem dos alimentos que vão para a mesa do brasileiro e para as prateleiras no exterior.

Segundo o último censo agropecuário do IBGE, 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros vêm da agricultura familiar. Eles são produzidos em terras pequenas, com geralmente entre 1 e 2 hectares, administradas por pessoas da mesma família que costumam produzir para consumo próprio e vender o excedente.

Diferentemente das grandes monoculturas de soja ou café, ou dos grandes pastos da pecuária do agronegócio, a agricultura familiar é marcada pela diversidade de alimentos: de mandioca e hortaliças a milho, leite e frutas.

É graças a ela que o prato do brasileiro pode ser farto e colorido, como recomendam nutricionistas.

Já o agronegócio, de outro lado, abarca os maiores produtores do país e contribui com mais de 60% da balança comercial do país.

Com representantes em todos os níveis da política nacional, o agronegócio tem produção principalmente destinada à exportação.

Agronegócio x agricultura familiar

Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos da ONU no Brasil, diz que o nome do agronegócio, não à toa, é "negócio".

"O agronegócio vai aonde pagam mais, aonde ele tem mais lucro. O dólar a R$ 5,50, um dólar supervalorizado, fez com que o produto brasileiro ficasse muito barato para exportação, principalmente a China, que compra muito, fora outros mercados como Rússia. Fica muito barato para eles comprarem e o retorno é bom para o exportador", afirma.

Já o Kiko Afonso, Diretor Executivo da Ação da Cidadania, fundada pelo sociólogo Betinho (Herbert de Souza) em 1993 para combater a fome e a miséria no país, diz que a política de agricultura brasileira se orienta para as exportações.

Nas palavras de Afonso, isso pode ser "bom para a balança econômica, mas é péssimo para o consumo local, principalmente para as populações mais vulneráveis".

"Você soma dois grandes fatores: uma política de governo que olha para o agronegócio e a exportação em detrimento do pequeno produtor, o que encarece o alimento, e uma segunda vertente de desigualdade social absurda, onde grande maioria da população vive com um salário abaixo de uma média aceitável para se sobreviver", diz.

"Os dois elementos em conjunto geram uma diminuição do poder de compra das famílias e obviamente dificuldade para a aquisição de alimentos".
Quando a referência é insegurança grave — ou fome — 5,1% das crianças com menos de 5 anos e 7,3% das pessoas com idade entre 5 e 17 anos vivem nessa condição no Brasil.

Atenção ao pequeno produtor

Os especialistas destacaram à BBC News Brasil que a atenção destinada por governos à agricultura familiar, que põe comida na mesa do brasileiro, vem diminuindo no Brasil.

"A ONU acompanha há muito tempo todos os países e o Brasil é um deles", diz Balaban. "Com a diminuição das políticas de fomento aos agricultores familiares, é intrínseco o aumento do número de pessoas passando fome."

Ele cita o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que no passado chegou a ter orçamento superior a 1 bilhão de reais e foi duramente cortado até que, no governo de Michel Temer, encolheu de R$ 478 milhões para R$ 294 milhões.

Pelo programa, o governo compra alimentos de pequenos produtores e os distribui para pessoas de baixa renda. Em meio à pandemia, o governo Bolsonaro anunciou R$ 500 milhões para uma retomada do PAA.

"O Pronaf, Programa de Apoio ao Agricultor Familiar, diminuiu bastante o número de empréstimos com juros subsidiados para eles comprarem a sua produção, fertilizantes, sementes. E outros programas, por exemplo, de captação de água da chuva com cisternas, também caíram drasticamente", diz o especialista da ONU.

"Essa população do campo é muito vulnerável, então ela precisa que esteja sempre sendo incentivada e apoiada por políticas públicas do governo."

Afonso, da Ação da Cidadania, concorda.

"É sempre importante lembrar que esse governo extinguiu o Conselho de Segurança Alimentar (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Consea), justamente o órgão que dialogava com a sociedade civil na construção de políticas de segurança alimentar no Brasil", afirma.

Por medida provisória em janeiro do ano passado, Bolsonaro extinguiu o conselho, criado em 1993 como parte da criação de um marco legal para o combate a fome.

O órgão era formado por 60 voluntários — 40 representantes de ONGs e movimentos sociais e 20 do governo.

"A situação é muito grave, e estamos falando de muita gente que pode morrer de fome no Brasil", diz Afonso. "Isso é inaceitável. Nosso fundador, o Betinho, sempre dizia que a fome é uma das piores, se não a pior, indignidade que o ser humano pode ter; E a gente luta justamente para que isso não aconteça".

Segundo o último censo agropecuário do IBGE, 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros vêm da agricultura familiar.

Por que há mais fome no campo?

A fome, segundo o IBGE, se concentra justamente nas regiões rurais — aquelas onde se produz a comida.

Marcelo Neri, professor da FGV, ex-presidente do IPEA e ex-ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2013/2015, diz que ‘o morador do campo é mais pobre, produz alimentos, mas não ganha o suficiente para comprá-los’.

"Em 2019, 53% dos 20% mais pobres e 10% dos 20% mais ricos brasileiros declaravam que faltava dinheiro para alimentação. Já no resto do mundo, os números eram 48% nos 20% mais pobres e 21% nos 20% mais ricos", diz o professor.

"Ou seja, nossos mais pobres têm hoje mais insegurança alimentar que no mundo, enquanto nossos mais ricos têm menos. É a famosa desigualdade tupiniquim."

Os demais especialistas também apontam a precariedade vivida no campo.

"O Brasil teve muitas políticas de ajuda aos pequenos agricultores familiares no passado. E essas políticas perderam força nos últimos governos: já no final do governo da Dilma, Temer e agora. Praticamente estão, vamos dizer muito pequenas as políticas de apoio aos pequenos. Isso faz com que, além deles diminuírem a produção ou não comerem, acaba trazendo fome ao campo", avalia Balaban, da ONU. "Se o trabalho já é precarizado nas regiões urbanas e vem se precarizando cada vez mais, especialmente num governo que nos últimos anos tem lutado, por exemplo, contra as fiscalizações de trabalho análogo à escravidão no campo, você imagina o grau de desigualdade social vista no campo no Brasil", pondera Kiko Afonso. "Elas acabam tendo que migrar ou para centros urbanos, para morarem em favelas e regiões super pobres, porque são pessoas que vieram do campo e têm enorme dificuldade de adaptação nas grandes cidades, ou elas têm que se adequar e trabalhar para o grande agronegócio, que obviamente tem foco em lucrar o máximo possível. Vemos a manutenção de uma visão escravocrata do país onde o trabalhador do campo é super desvalorizado".

"A situação é muito grave e estamos falando de muita gente que pode morrer de fome no Brasil".

Fome no contexto da pandemia

Como o avanço da pandemia do novo coronavírus afeta o cenário da fome no Brasil?

Uma pesquisa da FGV divulgada em julho mostrou que a faixa da população que vive em extrema pobreza caiu de 4,2% para 3,3% da população, a menor taxa dos últimos 40 anos no Brasil.

"É triste dizer isso, mas o Brasil tem uma renda média de R$ 480. De repente, quando 65 milhões de pessoas receberam R$ 600 na sua conta, o Brasil diminuiu incrivelmente, durante este período dos recursos emergenciais, o número de pessoas abaixo da linha da pobreza", diz Daniel Balaban, do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos da ONU.

A extrema pobreza se refere a quem vive com menos de US$ 1,90 por dia, ou R$ 154 mensais.

O resultado, no entanto, não é razão para comemoração.

"Se a gente já tinha antes mais de 80 milhões de brasileiros em algum grau de insegurança alimentar, seja leve, moderado ou grave, esse número certamente vai aumentar, e a gente estima que supere a casa dos 100 milhões, o que seria o maior número da História do Brasil", estima o representante da Ação da Cidadania.

"A recessão e a crise não vão ser resolvidas no curto prazo nem no Brasil nem em qualquer lugar do mundo, o desemprego já é quase recorde, e a gente vê que o auxílio emergencial é insustentável no modelo atual criado pelo governo dos últimos anos que praticamente amarrou qualquer investimento", ele afirma.

Balaban completa: "O problema todo é que quando os recursos emergenciais acabarem, volta-se ao problema anterior, porque o problema anterior era estrutural, e esse recurso é emergencial. Foi extremamente importante, só que acaba".

Marcelo Neri, da FGV, vai além.

"Segundo nosso último levantamento apesar da queda de renda do trabalho recorde de 20,5% na pandemia, cerca de 13,1 milhões de pessoas saíram da pobreza em plena pandemia, O que explica este paradoxo é a "generosa" concessão do auxílio emergencial que chegou a 67 milhões de brasileiros ao custo de 322 bilhões de reais durante 2020", afirma.

"O problema é que o auxílio termina em 31 de dezembro e aí não só os ex-probres vão voltar a condição inicial como terão a companhia de outros novos pobres deslocados pela pandemia."

O avanço da fome surpreende?

A resposta unânime é "não".

"Os números da POF, infelizmente para a Ação da Cidadania, não surpreendem. A gente sabia da dimensão das famílias que estavam nos pedindo alimento em vez de educação, saúde, etc. Quando a pessoa abre mão desses outros direitos para pedir comida, é porque a situação realmente está muito grave", diz Kiko Afonso.

"Infelizmente, especialmente no Brasil, esses problemas que são dramas, não são tragédias, têm pouca visibilidade."

Já Marcelo Neri pondera que os resultados da pesquisa do IBGE "desafiam aqueles que acreditam que fome é coisa do passado no Brasil" e que outros estudos corroboram o resultado.

"Antes que ataquem o mensageiro, observamos o mesmo drama em evidências internacionais sobre o Brasil citados. A proporção daqueles que não têm dinheiro para comprar alimentos cai de 20% até 18% e depois sobe para 30% em 2017-18, o que é consistente em termos de período e prazos com a última POF-IBGE", diz.

Plantação de soja em área do município de Alto Paraíso mostra o avanço da fronteira agrícola na região da Chapada dos Veadeiros.

"Este mesmo patamar de 30% é mantido em 2019. O Brasil, que estava em número 30  em 2014, passou em 2019 a posição 82 em 150 países. Ou seja, os movimentos identificados nas pesquisas ibgeanas são robustos, e o aumento observado até 2017-18, se manteve em 2019". (globo)

Chuvas dão respiro e reduzem poluição do ar em cidades em Mato Grosso

As chuvas que começaram a cair esta semana reduziram os incêndios e ajudaram a minimizar a poluição do ar em cidades do Mato Grosso, aponta nova medição de CO (monóxido de carbono) feita pelo Lapis (Laboratório de Análise e Processamentos de Imagens de Satélite), ligado à UFAL (Universidade Federal de Alagoas), com dados de satélite da NASA (agência espacial norte-americana).

Na semana passada, o UOL revelou como as queimadas causaram uma intensa poluição na região, alcançando índices superiores a 3.300% acima do máximo tolerável em algumas cidades do estado e de Rondônia e Acre.

"As condições meteorológicas melhoraram e acredito que até o fim do mês melhore um pouco mais. O problema é outubro, que está com cara parecida com setembro. Ainda existe perigo meteorológico, com as altas temperaturas e o vento; a vegetação seca propícia para incêndios florestais", alerta Humberto Barbosa, coordenador do Lapis.

Segundo o novo mapa de poluição do ar, em 22/09/20 a cidade de Guatá (MT) registrou uma redução de CO de 1.730 ppm (partes por milhão) para 562 ppm. O máximo aceitável de CO na atmosfera é de 50 partes por milhão.

Sinop (MT) também passou a respirar um ar menos poluído, com queda de índice de 1.335 ppm para 302 ppm. Já Cuiabá que em setembro/20 foi coberta por fumaça teve queda no índice de mais de 50%: de 738 ppm para 315 ppm.

Estados do Norte, como Rondônia e Acre, porém, seguem com taxas elevadas de poluição. Em Porto Velho, por exemplo, na terça-feira a poluição alcançou 549 ppm.

2020 detém recorde de queimadas e Pantanal tem maior seca em 60 anos.

Taxas acima de 50 ppm, a depender do tempo de exposição e problemas de saúde pré-existentes em uma pessoa, podem acarretar problemas respiratórios graves e até a morte.

O Mato Grosso é o único estado do país que tem três biomas em seu território: Cerrado, Amazônia e Pantanal. Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) até o dia 19 mostram que 15.756 focos de calor foram registrados no Pantanal, neste ano. Em 2005, ano que detinha o recorde até então, foram 12.536 focos.

O climatologista e meteorologista José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento, do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), explica que o Pantanal passa pela maior seca dos últimos 60 anos, o que agrava o problema das queimadas.

Ele afirma que as chuvas que caíram nesses últimos dias não são suficiente para dar fim ao problema da seca, nem como eleva o baixo nível dos rios. "Teria de haver uma chuva muito intensa. O problema é que, se não chove no verão anterior, como foi esse ano, o nível dos rios fica mais baixo, e somado a uma temperatura do ar mais alta, a condição de estiagem passa a ter características de seca".

Assista ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=elJz_IHsFFE&feature=emb_logo

Evolução dos focos de incêndio nas últimas semanas na região de Mato Grosso e Rondônia.

Com queimadas, poluição do ar fica até 3.360% além do tolerável nas cidades. (uol)

Florestas secundárias são importantes na captura de carbono

Floresta degradada – As árvores de babaçu sobrevivem na paisagem devastada.

Florestas secundárias compensaram 12% das emissões de carbono por desmatamento na Amazônia, diz estudo.

As florestas secundárias desempenham papel importante na captura de carbono, pois tendem a assimilar uma quantidade maior desse elemento em comparação ao que perdem para a atmosfera. Entretanto, a extensão e a idade média dessas matas que crescem por abandono de área no Brasil ainda eram desconhecidas. Não são mais. Em estudo recente publicado na Scientific Data, revista do grupo Nature, uma equipe liderada por dois cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) quantificou esses dados e descobriu que, em uma série histórica de 33 anos, o aumento de florestas secundárias compensou 12% das emissões por desmatamento da Amazônia.

O estudo teve apoio da FAPESP por meio de dois projetos. O primeiro projeto, coordenado por Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão, teve início em 2019, e o segundo, que tem como coordenadora Luciana Vanni Gatti, começou em 2017.

“A capacidade de absorção de carbono da floresta secundária é conhecida por estudos de monitoramento de parcelas no campo. A taxa média de absorção líquida de carbono em regiões neotropicais é 11 vezes maior que a observada em florestas antigas. Mas há ainda muita falta de conhecimento acerca da dinâmica de longo prazo das florestas secundárias no Brasil e no mundo”, afirma Aragão, um dos autores do estudo, conduzido no INPE durante o doutorado de Celso H. L Silva Júnior.

Esse conhecimento é fundamental para auxiliar o país a atingir suas metas de Contribuição Nacional (NDCs) previstas na Convenção-Quadro da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, já que o Brasil se comprometeu a reflorestar, até 2030,12 milhões de hectares desmatados, ele sublinha.

Cálculo por biomas

O estudo quantificou a extensão de florestas secundárias de crescimento passivo no Brasil (as que se regeneram após abandono da área) e suas idades, por biomas. Segundo Aragão, o crescimento da floresta secundária não é linear e se dá em função da idade – daí a importância de estabelecer a idade das florestas para poder estimar seu potencial de captura de carbono.

Os dados apontam um total de 262.791 km2 de florestas secundárias recuperadas no Brasil entre 1986 e 2018, o que corresponde a 59% da área de florestas antigas desmatadas na Amazônia brasileira entre 1988 e 2019.

“Elas estão distribuídas pelo território, com menor proporção no Pantanal, bioma que contribuiu com 0,43% [1.120 km2] da área total mapeada. A maior proporção de florestas recuperadas, 56,61% [148.764 km2], foi observada na Amazônia. A Caatinga representa 2,32% [6.106 km2] da área de florestas secundárias no Brasil e tem as matas mais jovens: mais de 50% têm entre um e seis anos.”

A Mata Atlântica aparece em segundo lugar no ranking de extensão de áreas recuperadas, com 70,218 km2 (ou 26,72% do total) e tem as florestas secundárias mais antigas: acima da metade tem entre um e 12 anos de idade.
Florestas regeneradas compensaram 12% das emissões por desmatamento na Amazônia.

Com os novos dados, o país ganha capacidade de subsidiar decisões sobre a diversidade e o planejamento de uso e proteção de tais florestas.

Quatro passos

O grupo implementou o método utilizado na plataforma Google Earth Engine (GEE) e partiu de uma série temporal de mapas do Projeto Brasileiro Anual de Mapeamento de Uso da Terra e Cobertura Terrestre (MapBiomas), que provê uma série com dados desde 1986. A equipe criou um conjunto de 131 mapas de referência para 33 anos de florestas secundárias no país divididos por bioma. O material está disponível nos links https://doi.org/10.5281/zenodo.3928660 e https://github.com/celsohlsj/gee_brazil_sv.

Primeiro, os cientistas excluíram as áreas alagadas. Depois, dividiram a metodologia em quatro passos. No primeiro, todas as bases do MapBiomas utilizadas (34 mapas) foram reclassificadas em mapas binários, nos quais os pixels identificados como “1” indicavam área florestada. O valor “0” foi atribuído a pixels correspondentes a outros usos e outros tipos de cobertura. Manguezais e florestas plantadas foram deixados de fora. Cada pixel corresponde a uma área de 30×30 metros.

No segundo passo, foi mensurado o aumento das florestas secundárias usando os mapas produzidos na etapa anterior, pixel a pixel. “Estabelecemos que as florestas secundárias ocorrem quando um pixel classificado como cobertura antrópica em um dado ano é substituído por um pixel que corresponde à cobertura florestal no ano seguinte”, resume Aragão.

Na terceira etapa, os cientistas geraram mais 33 mapas, desta vez da extensão anual das florestas secundárias. “Para produzir o mapa da extensão florestal secundária em 1987, somamos o mapa do incremento florestal secundário em 1986, obtido na etapa 2, com o mapa de incremento de 1987, resultando em um mapa contendo todos os pixels da floresta secundária de 1986 e 1987. Sabendo que a soma sequencial desses mapas resulta em pixels com valores superiores a ‘1’, para criar mapas binários anuais de extensão florestal secundária reclassificamos o mapa produzido para cada ano, atribuindo o peso de ‘1’ a pixels com valores entre 2 e 33 – o que corresponde à extensão florestal propriamente dita, ano a ano. Os pixels com valor ‘0’ não foram alterados.”

Por fim, restava calcular a idade das florestas secundárias. A equipe somou o mapa da extensão anual da floresta secundária de 1986 (obtido na etapa anterior) com o mapa de 1987 para obter a idade das florestas secundárias em 1987. “Continuamos essa soma ano a ano até obtermos o mapa de idade florestal secundária de 2018”, explica Aragão. Segundo ele, o próximo passo é estabelecer o crescimento dessas florestas secundárias como função da idade. “Já submetemos um artigo em que fazemos essa quantificação”.

O sequestro de carbono por florestas secundárias.

A regeneração de florestas tropicais promove uma grande absorção de carbono da atmosfera e uma recuperação da biodiversidade, apontou estudo de um time internacional de cientistas. No entanto, após 40 anos de recuperação, as florestas regeneradas não conseguem retornar ao estado original de florestas primárias não perturbadas pela ação humana.

Emissões

O cálculo do potencial líquido de captação de carbono por florestas secundárias em cada bioma brasileiro entre 1986 e 2018 foi feito por meio de uma abordagem pixel a pixel. Para isso, os cientistas estabeleceram que cada hectare de floresta secundária mapeada capta em média 3.05 MgCha?1 yr?1 (megagramas de carbono por hectare por ano), independentemente da idade, com exceção de florestas com mais de 20 anos, que foram consideradas com taxa nula de absorção de carbono.

O Pantanal teve a menor contribuição para a captação de carbono do Brasil, respondendo por 0,42% entre 1986 e 2018. O bioma Amazônia teve a maior contribuição, respondendo por 52,21% da captação florestal secundária brasileira. O estudo conclui que, no período entre 1988 e 2018, a absorção estimada por florestas secundárias no Brasil compensa 12% das emissões provenientes do desmatamento na Amazônia brasileira.

Para Aragão, entretanto, ainda é preciso modificar o modo de uso da terra, sobretudo na Amazônia. “Ao longo do tempo, percebe-se que a área de floresta secundária proporcionalmente à área desmatada não aumenta muito. Isso está relacionado à maneira pela qual as pessoas usam a terra, principalmente na Amazônia. Temos de modificá-la. Quando se desmata, perdem-se os outros benefícios das florestas naturais, que têm um papel indispensável no ciclo hidrológico e na manutenção da biodiversidade, muito maior que as secundárias. E também têm maior resiliência às mudanças climáticas”.

Com os novos dados, ele afirma, o país ganha capacidade de subsidiar decisões do Estado brasileiro sobre a diversidade e o planejamento de uso e proteção das florestas secundárias. “Elas não são protegidas e prestam um grande serviço. Geralmente, inclusive, são as que sofrem mais conversão no ciclo do uso da terra na Amazônia. Agora podemos identificar até que ponto elas deveriam ser protegidas”.

Estudo demonstra a importância das florestas secundárias para a conservação, mas ainda assim adverte que proteger as florestas primárias deve ser uma prioridade.

Florestas secundárias não suprem a função das que não foram desmatadas.

Mesmo levando 40 anos para se recuperarem, as florestas secundárias, aquelas que crescem novamente em áreas antes desmatadas, continuam a ser espécies pobres em carbono, em comparação com as florestas primárias não perturbadas. Mas a vegetação recuperada ainda é de vital importância para a conservação da biodiversidade e armazenamento de carbono na Amazônia.

Mecanismo de Sequestro de Carbono. (ecodebate)

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Pastagens degradadas geram R$ 9,5 bi em prejuízos anuais

Pastagem degradada.

Pastagens degradadas geram R$ 9,5 bi em prejuízos anuais.

Pastagens degradadas: Custo de recuperação é baixo e acrescenta R$ 3,4 bi à economia ao evitar abertura de novas áreas.

O Instituto ClimaInfo, com o apoio do Observatório do Clima e GT Infraestrutura, propõe uma “Retomada Verde Inclusiva”, com soluções de curto prazo em investimentos verdes para o resgate da economia em diferentes setores. No agro, a recuperação de 6,5 milhões de hectares de pastagens degradadas no Cerrado acresce R 3,4 bilhões à economia local até 2030 e reduz a pressão para a abertura de novas áreas para o agronegócio.

A degradação em todo o país representa prejuízos anuais em torno de R$ 9,5 bilhões aos produtores, segundo estimativa do Rally da Pecuária. O preço por hectare de uma propriedade com pastagens de baixa capacidade de produção é cerca de metade do de uma com pastagens de alta capacidade. A degradação biológica das pastagens também provoca erosão e compactação dos solos, levando ao assoreamento dos corpos d’água e ao rebaixamento dos lençóis freáticos.

A área proposta para recuperação é apenas uma fração dos 72 milhões de hectares de pastagens em estado agudo de degradação ou que precisarão de medidas de recuperação nos próximos três anos. Essa extensão equivale a algo em torno de 40% dos 160-180 milhões de hectares ocupados por pastagens no país. Do total degradado, 25 milhões encontram-se no Cerrado, onde as pastagens ocupam 63 milhões de hectares (ou 30% da área do bioma).

Reverter esse cenário não é caro. Cálculos feitos por membros do GT Infraestrutura, que participaram da elaboração do relatório de retomada verde inclusiva, junto com o ClimaInfo, calculam que o investimento necessário para essa ação é de R$ 9,5 bilhões até 2030, divididos entre R$ 5,4 bilhões para áreas de cerrado no Centro-Oeste e R$ 4,1 bilhões para áreas de cerrado no Nordeste (MATOPIBA). Para se ter uma ideia do que isso significa, o valor corresponde a apenas 4% do total destinado ao financiamento da safra 2020/2021.

Esse montante é para aplicação apenas em recuperação e manejo de pastagens, os quais representam aproximadamente 40% do custo de intensificar pecuária, não incluindo compra de gado. Opcionalmente, parte desta área estaria apta para lavouras.

Já existe financiamento para recuperação de pastagens

Para investir na recuperação de pastagens não é preciso começar do zero: é possível contar com o Plano de Agricultura de Baixo Carbono – ABC, que organiza e planeja as ações com o objetivo de responder aos compromissos de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) no setor agropecuário assumidos pelo país. Além da Recuperação de Pastagens Degradadas, o Plano ABC inclui os seguintes programas: Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF) e Sistemas Agroflorestais (SAFs); Sistema Plantio Direto (SPD); Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN); Florestas Plantadas; Tratamento de Dejetos Animais; e Adaptação às Mudanças Climáticas no setor.

Para que o Plano ABC cumpra efetivamente seu papel, no entanto, é necessário divulgá-lo amplamente entre produtores rurais, profissionais de assistência técnica e agentes bancários, bem como incentivar estes últimos, sejam eles de instituições financeiras públicas ou privadas, a ofertarem o Plano ABC. O monitoramento dos resultados ambientais proporcionados pelo plano, por sua vez, serviria para dar transparência, aprimorar a governança, melhorar a imagem do país.

Outra fonte de recursos é o Programa ABC – linha de financiamento do BNDES a investimentos que contribuam com a redução de impactos ambientais causados por atividades agropecuárias por meio de adequação das propriedades rurais frente à legislação ambiental. O crédito pode ser usado para recuperação de Reservas Legais (RL), Áreas de Preservação Permanente (APP), pastagens degradadas e implantação e melhoramento de planos de manejo florestal sustentável (ABC Ambiental).

Este programa poderia ser melhorado mediante aumento da participação do crédito subsidiado para investimentos, especialmente voltados para sistemas produtivos resilientes e para recuperação de áreas degradadas. Incorporar os programas Moderagro e Inovagro do Plano Safra, incentivar os agentes bancários públicos e privados a ofertar o Programa ABC, aumentar sua divulgação entre produtores rurais e profissionais de assistência técnica também podem elevar sua eficácia e alcance. Também é importante separar o custo administrativo e tributário do agente do Programa ABC, assegurar a competitividade das taxas de juros do Programa ABC e monitorar seus resultados ambientais.

Há, ainda, potencial para captação de recursos através da emissão de Green Bonds (Título Verdes).

Metas climáticas

A proposta de recuperação de pastagens degradadas está em linha com as metas Nacionalmente Determinadas do Brasil (NDCs, do inglês, Nationally Determined Contributions) dentro do Acordo de Paris, que previam recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030. As discussões sobre a estratégia de implementação da NDC indicaram que com a recuperação de pastagem e a migração tecnológica de 15 milhões de hectares haverá diminuição na demanda por terras de, aproximadamente, 23 milhões de hectares (considerando também a expansão de lavouras sobre pastagens).

O que ainda é preciso fazer

Alinhar o crédito rural (Plano Safra) com o código florestal;

Reforçar estados para elaboração dos Programas de Regularização Ambiental;

Colocar condicionantes socioambientais atrelados ao crédito;

Regularização fundiária das propriedades;

Fortalecer os instrumentos de gestão de risco voltados para produtores que adotam sistemas produtivos resilientes e tecnologias de baixo carbono;

Priorizar a alocação de recursos dos fundos constitucionais em produtividade, renda e resiliência da propriedade rural;

Reforçar Embrapa para pesquisa e desenvolvimento;

Aumentar a capacitação da assistência técnica. (ecodebate)

Mineração em terras indígenas pode afetar 863 mil Km2 de floresta

Política de Bolsonaro de mineração em terras indígenas pode ser um tiro pela culatra de bilhões de dólares.

A pesquisa descobriu que uma proposta para regulamentar a mineração de terras indígenas na floresta amazônica do Brasil pode afetar mais de 863.000 km2 de floresta e prejudicar a economia do país.

Liderada pela Universidade de Queensland em visita à estudante de doutorado Juliana Siqueira-Gay, uma colaboração internacional avisou que o projeto de lei de 2020 do presidente Jair Bolsonaro para minerar em Terras Indígenas reconhecidas teria um custo.

“As Terras Indígenas do Brasil são incrivelmente valiosas – social, ecológica e economicamente”, disse Siqueira-Gay.

“Eles são uma categoria única de área protegida, cobrindo 1,2 milhão km2, ou 23% do que é legalmente reconhecido como Amazônia”.

“O governo brasileiro quer capitalizar esse valor, impulsionando a economia com a expansão da mineração”.

“Mas calculamos que essa política proposta – introduzida em fevereiro deste ano – poderia levar a milhões, senão bilhões, de dólares em perdas a cada ano”.

“A perda seria principalmente devido aos efeitos na produção de borracha, madeira e castanha do Brasil, aumento dos danos aos serviços ecossistêmicos de mitigação de gases de efeito estufa e outros serviços ecossistêmicos vitais”.

“É um portfólio de ativos ecológicos que atualmente fornece ao Brasil cerca de US $ 7 bilhões de AUD – simplesmente não faz sentido financeiro destruir algo tão valioso.”

Os pesquisadores, baseados no Brasil e na Austrália, analisaram os dados existentes e revisaram os locais de mineração em potencial, quantificando as ameaças da mineração às florestas e seus ecossistemas.
“Os números foram surpreendentes – está claro que grande parte da Amazônia está ameaçada por esta política proposta, incluindo a conservação de ecossistemas extremamente raros e grupos indígenas incrivelmente diversos e sua cultura”, disse Siqueira-Gay.

“Se os 4.600 depósitos minerais conhecidos existentes fora das áreas atualmente protegidas fossem desenvolvidos, você estaria olhando para 698 mil km2 de florestas a serem potencialmente afetados”.

“Mas, com a aprovação desta proposta de política, essa área afetada poderia aumentar em 20%, até 863 mil km2”.

“Este aumento por si só é quase do mesmo tamanho que a Bélgica, Holanda, Suíça, Dinamarca e Israel combinados.”

A colaboradora do estudo, Dra. Laura Sonter, disse que tem preocupações reais com essas florestas e suas comunidades apoiadas, e espera que a pesquisa seja levada em consideração pela comunidade internacional.

“Se o projeto do presidente Bolsonaro for aprovado pelo congresso brasileiro, haverá uma cascata de efeitos negativos, tanto internamente no Brasil como internacionalmente”, disse Sonter.

“Essas terras abrigam 222 grupos indígenas, com mais de 644 mil famílias vivendo em comunidades tradicionais e falando 160 idiomas”.

“Assim, além dos custos econômicos para a nação, a vida das comunidades indígenas será permanentemente alterada, e haverá impactos ambientais significativos”.

“Esperamos que esses dados possam ajudar o governo brasileiro e as pessoas a tomar decisões inteligentes e proteger essas terras preciosas”.

Terras indígenas em Roraima têm sofrido impacto do garimpo ilegal.

Estudo aponta que mineração em terras indígenas pode provocar impactos negativos de até US$ 5 bi.

Universidades do Brasil e da Austrália calculam em mais de 20% o potencial de aumento do impacto da atividade na Amazônia brasileira. (ecodebate)

Mudanças Climáticas: o que podemos fazer?

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