Brasil reduz 50% o número de pessoas que passam fome, mas
ainda tem 3,4 milhões em insegurança alimentar
A Organização da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO) estimou, que
mais de 805 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar no
mundo. O Brasil, no entanto, caminha na contramão dessa estatística graças aos
seus programas, ações e estratégias que levaram o país ao posto de referência
mundial no combate à fome.
“O Brasil é um grande exemplo nesse aspecto porque estabeleceu essa
causa como uma prioridade nacional. Ele provou que um país grande pode reduzir
a insegurança alimentar e ainda influenciar toda uma região e o mundo”, disse a
representante adjunta da FAO para América Latina e Caribe, Eve Crowley,
destacando que a América Latina e o Caribe tiveram juntos o melhor desempenho
no combate à insegurança alimentar dos últimos anos. A região concentra
atualmente 6,1% das pessoas com insegurança alimentar, percentual bem abaixo
dos 15,3% registrados em 1992.
Peça central no estudo realizado pela FAO, o Brasil aparece como modelo
para promoção de experiências exitosas como transferência de renda, compras
diretas para aquisição de alimentos e capacitação técnica de pequenos
produtores. Com isso, o Brasil conseguiu diminuir em 50% o número de pessoas
que passam fome.
O diretor do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de
Alimentos (PMA), Daniel Balaban, destacou que uma maneira de definir a
expressão “insegurança alimentar” é quando existe restrição do acesso aos
alimentos. Isso porque as pessoas que estão na situação de insegurança
alimentar consomem alimentos de forma difusa, sem saber quando será a próxima
refeição.
Uma iniciativa que contribuiu diretamente para a redução da insegurança
alimentar no cenário brasileiro foi o Programa de Aquisição de Alimentos da
Agricultura Familiar (PAA). Balaban ressalta que, com o programa, os
agricultores tiveram a garantia da venda de seus produtos para o governo e
instituições como escolas e hospitais.
“No Brasil, os pequenos produtores sofriam de insegurança alimentar.
Eles largavam suas terras rumo aos grandes centros urbanos em busca de emprego.
O grande mérito do programa foi incentivar todo esse grupo a permanecer no
campo, estimulando a produção e oferecendo demanda para ele. Cerca de 70% do
nosso consumo interno é abastecido pela agricultura familiar”, disse o diretor.
O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil
Divulgado durante a coletiva de imprensa em Brasília, o relatório O
Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil – Um Retrato
Multidimensional – é um dos sete casos de países específicos estudados pela
FAO, lançado paralelamente ao relatório anual da Organização, O Estado da
Insegurança Alimentar no Mundo 2014.
O documento sobre o caso brasileiro aborda as estratégias de governança
adotadas pelo país com o objetivo de garantir o acesso de todos à alimentação,
além de uma análise sobre a produção e disponibilidade de alimentos e outros
aspectos como saúde. Para ilustrar o sucesso das medidas brasileiras, a FAO
reuniu diversos indicadores da segurança alimentar, entre eles, o Indicador de
Prevalência de Subalimentação, uma medida empregada pela FAO há 50 anos para
dimensionar e acompanhar a fome em nível internacional. Hoje, o país tem 3,4
milhões de brasileiros que passam por insegurança alimentar, o que representa
1,7% da população brasileira. A porcentagem de 5% é o limite estatístico
determinado que representa se um país superou o problema da fome.
“O relatório mostra a situação da insegurança alimentar e as tentativas
de eliminar a fome da Terra. Ele ressalta os nossos avanços, mas mostra que
ainda há muito para fazer. Mesmo com a disponibilidade de alimentos e
tecnologia, temos mais de 800 milhões de pessoas com risco de insegurança
alimentar. Temos que reconhecer que a fome é a maior inimiga em todos os
territórios do mundo e manter o compromisso de combater esse problema”, afirmou
o coordenador residente do sistema das Nações Unidas no Brasil, Jorge Chediek.
Para Chediek, a insegurança alimentar é um tema complexo, que não se
resolve apenas com o aumento da produção ou da distribuição de alimentos, mas
com uma multiplicidade de ações e programas que o Brasil vem desenvolvendo
muito bem.
“O Brasil precisa continuar nesse caminho, de chegar aos que estão fora
do ‘sistema’, e aprimorar a coordenação de programas sociais. Por conta desse
compromisso, o país teve um resultado admirável. O IDH, que inclui elementos de
saúde e renda, melhorou mais de 50% nos últimos 20 anos”, destacou.
Discurso da fome e a desigualdade social
O relatório também parabeniza o governo por importantes passos
institucionais e implementação de marcos legais que possibilitaram os avanços
no combate à fome no Brasil. Entre eles, a incorporação à Constituição Federal,
em 2010, do direito humano à alimentação adequada e, em 2011, da
institucionalização do Plano Nacional de Segurança Alimentar, com destaque ao
lançamento da Estratégia Fome Zero, e a implementação, de forma articulada, de
políticas de proteção social – como o Bolsa Família e o Programa Nacional de
Alimentação Escolar – e de fomento à produção agrícola – como o Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar e o Programa de Aquisição de
Alimentos da Agricultura Familiar – PAA.
Segundo o estudo, os gastos federais (em 2013) com programas e ações de
segurança alimentar e nutricional no Brasil totalizaram cerca de 78 bilhões de
reais. Os investimento em programas sociais aumentaram mais de 128% entre os
anos de 2000 e 2012, enquanto a parcela desses programas no Produto Interno
Bruto aumentou 31%. Em 2013, os programas relacionados à proteção social
chegaram a aproximadamente um terço dos gastos federais em programas e ações de
segurança alimentar e nutricional, enquanto os programas relacionados com a
produção e distribuição de alimentos, inclusive os destinados à promoção da
agricultura familiar, foram responsáveis por um sexto do total de dispêndios.
O resultado desses investimentos trouxe números positivos para erradicar
a extrema pobreza e a fome no país, compromisso assumido através do primeiro
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM1) e na Cúpula Mundial sobre
Alimentação (CMA). Apenas com o Bolsa Família, cerca de 22 milhões de
brasileiros foram retirados da extrema pobreza desde 2011.
A consultora da FAO, Anne Kepler, que apresentou o relatório sobre o
caso brasileiro, acredita que o avanço do país está também no seu discurso
sobre a fome, atrelado à desigualdade social.
“Nos Estados Unidos, também há insegurança alimentar, também há fome,
mas o tratamento é muito diferente do que vemos hoje no Brasil. A fome não está
relacionada ao fato de a pessoa não se interessar por trabalho, como muitos
dizem. Aqui, estamos provando que esse déficit na alimentação está ligado a uma
diferença de classes, a uma desigualdade social que vem diminuindo”, disse
Kepler, nascida nos Estados Unidos, mas residente do Brasil há 20 anos.
Durante a entrevista, Crowley ressaltou que o mundo está vivendo um
período histórico, onde o progresso no combate à fome é evidente. “Se firmarmos
um compromisso, poderemos erradicar a fome dentro da nossa geração”.
Para a elaboração deste documento, a FAO contou com a colaboração do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o Ministério do
Desenvolvimento Agrário, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
além de pesquisadores e acadêmicos (ecodebate).

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