sábado, 13 de dezembro de 2025

Desmatamento tropical aumenta as mortes por calor

Perda de florestas eleva temperaturas locais e amplia risco de doenças e mortes relacionadas ao calor, especialmente em regiões tropicais. O desmatamento está associado a 28 mil mortes por ano no mundo, segundo estudo publicado em agosto/25 na Nature Climate Change.
Pesquisa aponta como o calor, decorrente do desmatamento tropical, está associado a 28 mil mortes anuais

Se você é brasileiro, certamente conhece a música do cantor Jorge Ben Jor: “Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”. Enquanto a ideia de residir em um país tropical sempre esteve associada a um clima quente e com belas paisagens, a última década trouxe consigo novos – e alarmantes – contornos. O calor, antes anunciado como uma qualidade, hoje, diante do desmatamento crescente, coloca parte da população em uma situação de risco. Entre 2001 e 2020, 345 milhões de pessoas foram expostas ao aquecimento das áreas degradadas, segundo pesquisas recentes. E mais: neste mesmo período, esse aquecimento induzido pela perda florestal esteve associado a uma média de 28 mil mortes anuais relacionadas ao calor.

Esses dados são apresentados no estudo “O desmatamento tropical está associado a uma mortalidade considerável relacionada ao calor”, liderado pelo Instituto de Ciência do Clima e Atmosfera da Universidade de Leeds (Reino Unido), em colaboração com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Universidade Kwame Nkrumah de Ciência e Tecnologia (Gana), que incluiu todas as regiões tropicais do mundo nas Américas, África e Ásia. A pesquisa demonstrou que o Sudeste Asiático é a região com maior taxa de mortalidade relacionada ao calor (8 a 11 mortes para cada 100 mil pessoas que vivem em áreas desmatadas), seguida pelas regiões tropicais da África e das Américas. “O desmatamento já é um problema de saúde pública”, afirma Beatriz Oliveira, pesquisadora da Fiocruz Piauí e uma das autoras do trabalho. Segundo ela, nas áreas onde ocorreram perda florestal, o que se viu foi um aquecimento maior que nas regiões vizinhas. “Quando você desmata, você tem um aquecimento local superior àquele proveniente da mudança climática”, diz.

Países de baixa renda são desproporcionalmente afetados pelo desmatamento na Amazônia

Quente demais

Embora o aquecimento global não seja um problema novo, as configurações atuais não são as mesmas, explica o historiador Luiz Marques, autor de livros como “Ecocídio: por uma (agri) cultura da vida” (Expressão Popular) e “O decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência” (Editora Elefante).  “Há algo novo que emergiu, e é uma nova taxa de aquecimento médio global, mais rápida. Da ordem de, provavelmente, o dobro daquela que foi constatada nos 40 anos anteriores a 2010”, explica, revelando que “estamos em um processo de aquecimento”, e que, desde 2015, houve uma aceleração nesta taxa.

Segundo Marques, há um outro aspecto que deve ser levado em consideração nos debates mais recentes, que é a aceleração na perda de biomassa florestal. “Isso parece cada vez mais claro, tanto nas florestas tropicais quanto nas boreais e temperadas. Mas no caso das florestas tropicais, a questão é evidentemente mais grave, porque elas concentram uma biodiversidade muito maior”. O historiador explica que o Brasil é o país biologicamente mais rico do mundo. “De longe. Dos 17 países ‘megadiversos’ em termos de concentração de espécies endêmicas, cinco são amazônicos. Então você vê que a Amazônia é o centro nevrálgico da biodiversidade mundial”, afirma.

O que tem se observado é uma grande perda da vegetação nativa nessa região, ainda que, segundo dados recentes do Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), do Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de agosto de 2023 a julho de 2024, a área desmatada na Amazônia tenha sido de 6.288 km², cerca de 31% menor que o período anterior (atingindo a taxa mais baixa desde 2018). Mesmo assim, um cenário alarmante, com diversas populações vivendo em ambientes termicamente alterados. Beatriz Oliveira conta que hoje a principal emissão de gás de efeito estufa do Brasil é por conta da falta de controle do desmatamento. “A exposição [ao aquecimento local] está ligada à questão de quantas pessoas residem naquela região, e isso difere um pouco do Sul Asiático, porque lá é muito povoado. Então mesmo que lá tenha menos desmatamento, e talvez um menor efeito do aquecimento induzido por ele, aquele aquecimento gerou naquela população mais mortes do que no Brasil, na América Central e América do Sul, onde está acontecendo mais o desmatamento”, explica.

Ainda segundo a pesquisadora, no caso do Brasil, a baixa densidade populacional na região amazônica acaba não refletindo em termos de números absolutos. Mas alerta: “Quando você vai somando os impactos, principalmente em municípios pequenos com menos de 10 mil habitantes, esses municípios menores têm uma infraestrutura, uma capacidade de adaptação e resiliência menor também. Então tem municípios com populações de 11 milhões de pessoas, em que cerca de 50% são classificadas como altamente vulneráveis”, diz Oliveira.
Calor causado pelo desmatamento pode matar: um estudo projeta o nº de vítimas. Como podemos evitar isso?

Trabalho internacional contou com participação de cientistas da Fiocruz e foi publicado na revista ‘Nature Climate Change’.

Desmatamento X Saúde

O Relatório de Síntese AR6: Mudanças Climáticas 2023, lançado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), afirma que ultrapassar um nível específico de 1,5ºC implicaria impactos diversos aos sistemas humanos e naturais. Ainda segundo o documento, “quanto maior a magnitude e mais longa a duração da ultrapassagem, mais ecossistemas e sociedades ficarão expostos a mudanças mais amplas e intensas nos fatores de impacto climático”. Quanto à urgência de ação, o IPCC é categórico: “Há uma janela de oportunidade que está se fechando rapidamente para garantir um futuro habitável e sustentável para todos”. Esta limitação do aquecimento está alinhada ainda com os objetivos do Acordo de Paris, firmado em 2015, durante a COP21, e principal tratado internacional sobre mudanças climáticas.

Todos esses esforços são ainda mais emergenciais quando se tem em mente que meio ambiente e saúde estão intrinsecamente ligados. A questão do desmatamento, por exemplo, está longe de ser uma questão exclusivamente “ambiental”, tendo em vista que ele é um impulsionador significativo da temperatura local. A exposição prolongada ao calor extremo prejudica a capacidade do corpo de regular a temperatura interna, de acordo com o estudo “Quente demais para ignorar: o crescente impacto das ondas de calor na saúde do Brasil”, publicado em 2025, e que tem Beatriz Oliveira também como um dos autores.

A pesquisadora da Fiocruz Piauí explica que existe uma frequência de temperatura que acontece durante os anos e que é diferente em cada região, fazendo com que dias de calor, por exemplo, sejam mais frequentes em determinados lugares. “Em 95% dos dias, existe uma faixa de temperatura. Em geral, as pessoas estão adaptadas a essa faixa de temperatura. E ela varia, não é a mesma coisa no Rio Grande do Sul ou no Norte do Brasil. O que está acontecendo com a mudança climática é que essas temperaturas estão se deslocando. Com isso, diminuem dias que são mais amenos e mais frios e aumentam os dias que são de muito calor”, relata Oliveira.
Crise climática e desmatamento da Amazônia podem deixar mais de 11 milhões de brasileiros sob calor intenso e escaldante.

Algumas áreas estão mais adaptadas ao calor, com uma população já acostumada às variações, mas há outros locais em que isso não acontece. E com a maior frequência de dias mais quentes, a exposição dessas pessoas aumenta, assim como o impacto sobre sua saúde. “Uma vez que você está exposto a esses dias que não são tão normais para você, essa exposição acaba fazendo com que o seu corpo precise se esforçar mais para se manter a temperatura corporal interna”, diz. Em 2023, por exemplo, durante um show da cantora Taylor Swift, no Rio de Janeiro, Ana Clara Benevides Machado, uma jovem de 23 anos morreu por “exaustão térmica por exposição difusa ao calor”, após passar mal em meio as 60 mil pessoas que estavam no estádio do Engenhão para a apresentação. Na época, a cidade passava por uma onda de calor com condições de temperatura extrema, com sensações térmicas que se aproximavam dos 50ºC. De acordo com a perícia, houve um “quadro hemodinâmico (choque), cardiovascular e comprometimento grave dos pulmões, e morte súbita”.

Publicado recentemente, o “Relatório de 2025 do Lancet Countdown sobre saúde e mudanças climáticas”, destaca que “dos 20 indicadores que monitoram os riscos à saúde relacionados às mudanças climáticas, 60% atingiram níveis inéditos no ano mais recente de dados”. Isso porque o corpo humano fica sobrecarregado ao tentar lidar com tantas alterações.

A termo regulação é a responsável pela capacidade de seres vivos manterem uma temperatura corporal adequada ao seu metabolismo. E para que o corpo consiga fazer isso, há uma série de mecanismos fisiológicos que acontecem. “Isso significa que, principalmente, os sistemas cardiovascular e respiratório vão lançar mão de mecanismos para que você dissipe esse calor e mantenha a temperatura do seu corpo, entre eles, a vasodilatação”, explica Oliveira, complementando que o principal processo de dissipação do calor é o suor. “E aí você exige muito do seu sistema cardiovascular. Às vezes, você tem que respirar mais, e com mais esforço, porque precisa de mais oxigênio, o que acaba sobrecarregando o seu corpo para manter aquela temperatura corporal”, conta a pesquisadora da Fiocruz.

Calor gerado por desmatamento causa 28 mil mortes por ano

Vulnerabilidades

Mas será que todos conseguem se proteger do calor da mesma forma? A resposta é não. Quando se pensa nos mecanismos termo regulatórios, crianças e idosos têm mais dificuldade de executá-los. Nos idosos, por exemplo, a pele mais rugosa dificulta a dissipação de calor, somando-se ainda a outros fatores decorrentes do próprio processo de envelhecimento. De acordo com o Lancet Countdown, em 2024, pessoas idosas com mais de 65 anos e bebês com menos de 1 ano tiveram exposição a ondas de calor em níveis recordes, com aumentos de 304% e 389%, respectivamente, em comparação com o período entre 1986 e 2005. Ainda de acordo com o documento, ambos os grupos estão “particularmente em risco”.

Oliveira elucida também as ameaças às pessoas que trabalham expostas a um calor extremo. “Eu produzo calor sentada, mas consigo manter minha temperatura e produzir muito menos calor do que uma pessoa que está vendendo alguma coisa na praia, por exemplo. Que está exposta ao calor externo, fazendo atividade física e ainda, com o calor interno que produz”, reforça. A pesquisadora explica que roupas que protegem da exposição ao sol muitas vezes impedem a dissipação de calor. “As questões comportamentais e de vulnerabilidade, combinadas, tendem a exercer algum tipo de impacto na saúde, principalmente nesses sistemas vitais que estão muito associados à troca de calor”.

Além disso, outra vulnerabilidade é alçada ao campo de disputas entre aqueles que podem se proteger e aqueles que não têm escolha, senão adoecer. Para Luiz Marques, esta é uma questão que tem um lado óbvio e um menos óbvio. “O lado óbvio, que é o senso comum, é o fato de que os estratos sociais e as nações mais pobres não podem comprar um ar-condicionado, elas vivem em territórios mais vulneráveis a enchentes, a secas, têm um vínculo com o mar muito forte, no caso das populações litorâneas, dependendo muito fortemente da pesca”. Ele complementa: “Se os preços aumentam, se o arroz aumenta 20% ou 40%, isso não vai impactar o meu orçamento, porque sou uma pessoa da classe média, mas vai impactar enormemente uma pessoa de renda muito mais baixa. Então, tudo isso nos leva a concluir claramente que existe uma enorme injustiça climática baseada exatamente na desigualdade”, afirma.

Não tão óbvio quando se pensa na adaptação ao aquecimento, para o historiador, é a “ilusão de que países desenvolvidos, ricos, são imunes”, diz. Para ele, o aquecimento gera um forte efeito sobre a população europeia que não está acostumada ao calor. “Se você vai na Europa, você vê que as casas são fechadas, o ônibus é fechado. Eles estão adequados para o frio. Então, embora nós estejamos muito mais vulneráveis socialmente, eles estão também muito vulneráveis em outros aspectos”, afirma.
Ondas de calor por desmatamento elevam mortalidade em regiões tropicais

Cenário futuro

Em novembro de 2025, o Brasil sediou a 30ª Conferência das Partes (COP30), órgão máximo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), da Organização das Nações Unidas. O evento internacional, que deve contar com a participação dos 198 países-membros da ONU, tem como objetivo acompanhar e fortalecer as ações globais de enfrentamento à crise climática. Para Luiz Marques, a escolha de Belém (PA) para sediar a COP30 é uma escolha estratégica do ponto de vista geopolítico, por ser uma região amazônica, mas ele relembra que, desde 1992, quando aconteceu a UNFCCC, o acordo tinha como objetivo estabilizar as concentrações atmosféricas de CO2 e outros gases de efeito estufa, e que isso não aconteceu. “Não houve essa estabilização. Muito pelo contrário. Houve um aumento de mais de 60% desde 1992 até hoje. Não houve nem desaceleração do aumento das concentrações, houve aceleração. Não só aumentou, como aumentou o ritmo. É um fracasso que não posso relativizar”. Outro ponto a ser considerado, é referente à quantia gasta em decorrência das mortes relacionadas ao calor. Segundo outro estudo do The Lancet Countdown “Latin America Report 2025”, O Brasil registrou o maior aumento absoluto nos custos de mortalidade relacionada ao calor, de 2015 a 2024, entre países da América Latina com o crescimento de cerca de R$ 20 milhões, em relação a década anterior.

Beatriz Oliveira destaca algumas mudanças dessa COP. “Ela tem um grande avanço para a gente, em que, de fato, a saúde estar sendo colocada como uma pauta bem sólida. Ao invés de focar mais nas discussões políticas e acordos políticos, econômicos, que é muito do que a COP às vezes faz, colocaram essa questão de discutir a saúde pública. Esse é um grande ganho que a gente tem”, afirma. A pesquisadora aponta ainda como o SUS pode servir de lição do Brasil para o mundo nos aspectos voltados à estruturação de políticas em saúde. “O Brasil é um país continental, com várias realidades diferentes. O SUS é uma política capilarizada que te permite olhar de uma forma muito mais orgânica, para essas questões do clima”, reforça e cita exemplos: “Ele atende cerca de 70% da população, tem uma estrutura hierarquizada, com responsabilidade entre seus entes federados, com repasse financeiro bem definido, com estratégias localizadas e territorialidades, com as equipes de saúde da família, com linhas específicas de cuidado, com vários aspectos que estão relacionados, inclusive, às mudanças do clima”, diz.

Neste sentido, a Fiocruz divulgou no fim de outubro uma carta aberta para a Conferência, em que alerta: “a crise climática é, antes de tudo, uma crise de saúde”. Para garantir a proteção da saúde humana e ambiental, o documento lista diretrizes que podem fazer frente aos desafios atuais, como a importância de dar centralidade à saúde e suas determinações socioambientais nas políticas climáticas; fortalecer a resiliência dos sistemas de saúde; garantir financiamento climático para a pasta; entre outros.

Desmatamento tropical causa cerca de 28.000 mortes anuais por calor

É dentro deste panorama crítico, em que diversas medidas devem ser referendadas por diferentes nações para que mudanças possam efetivamente ocorrer, que Oliveira reflete sobre aquilo que é possível fazer dentro do panorama atual de aquecimento. “Não somos nós que decidimos economicamente vários dos fatores que influenciam a liberação desses gases. Então trabalhamos com o que chamamos de fator de risco, que é a ameaça climática, a exposição, a vulnerabilidade, e o efeito que eles têm na saúde humana. Reduzir a vulnerabilidade é reduzir a exposição dessas pessoas a um aquecimento que está acontecendo”, diz e complementa: “Fazemos isso com melhora no acesso à saúde, emitindo alertas para as populações que são mais sensíveis, e em alguns casos disponibilizando medidas de acesso à saúde, por exemplo, para não deixar acontecer o que aconteceu com aquela jovem durante o show. Enfim, reduzir vulnerabilidade é dar condições de vida”, conclui. (ecodebate)

Sociedade mais saudável e produtiva para sustentar vidas mais longas

Como construir uma sociedade mais saudável e produtiva para sustentar vidas mais longas.
Para construir uma sociedade mais saudável e produtiva para uma longevidade sustentável, é preciso um conjunto de ações que vão desde a melhoria do acesso a serviços básicos de saúde e saneamento, até a adoção de hábitos individuais de bem-estar e a criação de ambientes de trabalho que promovam a produtividade sem esgotamento. Investimentos em prevenção, um bom planejamento financeiro e o cuidado com a saúde mental são também cruciais para que as pessoas possam viver mais tempo, com qualidade e autonomia.

Ações em nível social e de saúde pública

Saúde e saneamento: Garantir o acesso universal à saúde básica, medicamentos, água potável e saneamento básico é fundamental para a prevenção de doenças e o aumento da expectativa de vida.

Ambiente saudável: Combater a poluição do ar e a exposição a toxinas ambientais, que podem acelerar o envelhecimento e aumentar o risco de doenças, é essencial.

Acesso a serviços: Incentivar a realização de exames preventivos e consultas regulares, combatendo a disparidade entre o reconhecimento da importância da saúde e a prática efetiva de medidas preventivas.

Construir uma sociedade mais saudável e produtiva para sustentar vidas mais longas

Ações individuais para uma vida longa

Hábitos saudáveis: Adotar uma alimentação equilibrada e rica em nutrientes, não fumar, limitar o consumo de álcool, praticar exercícios físicos regularmente, dormir bem e gerenciar o estresse são hábitos cruciais.

Atividade física e mental: Manter o corpo e a mente ativos com atividades físicas, exercícios de lazer e atividades que estimulem o cérebro, como aprender coisas novas, promove longevidade.

Bem-estar mental e social: Cultivar a espiritualidade, fortalecer os laços sociais e ter uma rede de apoio são fatores que contribuem para o envelhecimento saudável.

Ações para a produtividade sustentável

Gestão do tempo e saúde no trabalho: Criar sistemas de trabalho que não levem ao esgotamento, com pausas adequadas e foco em produtividade sustentável, sem excesso de estresse.

Planejamento e disciplina: Ter metas claras, uma rotina bem definida e disciplina para manter um padrão de esforço equilibrado é a chave para a produtividade sustentável ao longo do tempo.

Educação contínua: Manter-se em aprendizado ao longo da vida (aprender a aprender) para garantir a relevância profissional por um longo período.

O aumento da longevidade não deve ser visto apenas como um problema, mas, em especial, como uma oportunidade e um imperativo para a sociedade

O envelhecimento populacional é a marca demográfica do século XXI. Pela primeira vez na história o número de idosos supera o de crianças no Brasil e no mundo. A elevação da longevidade é uma conquista civilizatória e, se bem aproveitada, pode garantir o aumento do bem-estar geral da sociedade.
O livro “The Longevity Imperative: How to Build a Healthier and More Productive Society to Support Our Longer Lives” (O imperativo da longevidade: como construir uma sociedade mais saudável e produtiva para sustentar nossas vidas mais longas) escrito por Andrew J. Scott, professor de Economia na London Business School é uma obra fundamental para entender o processo de envelhecimento.

O professor Andrew Scott parte do reconhecimento de que a longevidade, isto é, o fato de vivermos muito mais do que no passado, representa uma das maiores conquistas da história da humanidade, mas geralmente é visto como um problema, não uma oportunidade. Para se contrapor “ao catastrofismo demográfico”, ele busca transformar essa narrativa negativa, propondo que a longevidade seja vista como um imperativo positivo.

Scott faz uma diferenciação entre:

a) Idade cronológica – tempo de vida transcorrido;

b) Idade prospectiva – anos restantes esperados;

c) Idade biológica – índice de saúde real do organismo.

Ele destaca que envelhecer bem significa investir desde cedo em saúde, educação, riqueza, relacionamentos e propósito — para que os anos adicionais sejam ativos e produtivos.

Longevidade saudável

O livro defende uma economia perene, onde indivíduos, instituições e mercados se adaptam para promover anos de vida mais saudáveis e produtivos. Isso requer:

1) Reformular a previdência, educação, saúde e mercado de trabalho;

2) Criar empregos e atividades amigáveis para pessoas mais velhas, com flexibilidade e incentivo à requalificação.

O professor Scott critica sistemas de saúde centrados em intervenções médicas tardias e propõe foco na prevenção, inclusive biotecnologias que retardem o envelhecimento biológico. Ele sugere que aumentar o healthspan (anos saudáveis) pode render benefícios econômicos imensos, mais que erradicar doenças isoladas.

Inspirado na ideia de uma vida com múltiplas fases — educação, família, reinvenção profissional — Andrew Scott recomenda:

a) Criação de carreiras diversificadas;

b) Mobilização de redes pessoais e profissionais;

c) Frequência à educação continuada e

d) Preparação financeira adaptável às mudanças de vida.

Em síntese, Scott, argumenta que o aumento da longevidade não deve ser visto apenas como um problema, mas, em especial, como uma oportunidade e um imperativo para a sociedade. Ele destaca que a estrutura social e econômica atual, baseada em um modelo de três fases (educação, trabalho e aposentadoria) é inadequada para um mundo com maior longevidade e vidas que se prolongam por mais de 100 anos.

Scott defende a necessidade de uma reestruturação do ciclo de vida, promovendo aprendizado contínuo, carreiras flexíveis e mais diversificadas e uma visão da aposentadoria como um período de novas atividades e contribuições, e não apenas de inatividade. O autor conclui que, para prosperar na era da longevidade, é crucial investir em saúde, educação e no bem-estar geral, transformando a sociedade para que ela sustente e valorize vidas mais longas.

Envelhecer melhor significa aumentar a expectativa de vida saudável, de modo a diminuir a diferença em relação à expectativa de vida. Precisamos nos preparar para vidas mais longas em idades cada vez mais jovens. Em vez de concentrar recursos apenas no apoio aos idosos, precisamos ajudar os jovens a se tornarem os idosos mais saudáveis de todos os tempos.

Sem dúvida, envelhecer é uma conquista civilizatória. Mais do que acrescentar anos à vida, é fundamental dar vida aos anos extras. A longevidade traz um verdadeiro bônus, que, se bem aproveitado, pode elevar de forma significativa a qualidade de vida.
Vida longa e saudável!!!

Desta forma, o envelhecimento populacional é uma realidade inexorável e deve ser acolhido, não temido. Cabe aos indivíduos, à sociedade civil e às políticas públicas se adaptarem e explorarem plenamente as oportunidades dessa nova dinâmica demográfica do século XXI. (ecodebate)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

A falsa dicotomia da Comissão Europeia entre combustíveis e emissões

A "falsa dicotomia" da Comissão Europeia (CE) refere-se à crítica de que, ao focar excessivamente em reduzir emissões e focar em tecnologias de baixo carbono, a CE estaria ignorando a necessidade urgente de eliminar os combustíveis fósseis como fonte primária, criando a ilusão de que é possível resolver a crise climática sem abandonar o petróleo, carvão e gás, quando, na verdade, um não resolve sem o outro, pois a queima desses combustíveis é a raiz do problema.
Ao isentar os combustíveis fósseis e focar apenas nas emissões, a presidente da Comissão Europeia ignora a raiz do problema climático e abraça uma solução tecnológica incerta e arriscada.

Em um discurso que ecoou pelos corredores do poder em Bruxelas e além, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, fez uma declaração que merece ser desmontada com cuidado.

Ela afirmou que a luta da União Europeia contra a mudança climática “não é contra os combustíveis que a causam, apenas a poluição que eles emitem”. À primeira vista, soa como um pragmatismo necessário. Na realidade, é uma concessão perigosa que confunde o público e mina a transição energética.

A fala, proferida durante um evento sobre inovação, tenta traçar uma linha nítida onde existe apenas uma teia de interdependências. Von der Leyen busca tranquilizar setores industriais e parceiros geopolíticos, sugerindo que o problema não é o carvão, o petróleo e o gás em si, mas sim o CO₂ que liberam na atmosfera. O remédio proposto, portanto, não seria a substituição acelerada dessas fontes de energia, mas a sua “limpeza” por meio de tecnologias de captura e armazenamento de carbono.

O erro conceitual fundamental

A declaração contém um erro lógico e científico fundamental. Os combustíveis fósseis são intrinsecamente poluentes. A sua queima é a principal fonte das emissões de gases de efeito estufa que causam a crise climática.

Separar conceitualmente o “combustível” da “poluição” é como dizer que se é contra os tiros, mas não contra as armas que os disparam, apenas contra os projéteis. É uma distinção artificial que serve a um propósito político.

Ao adotar essa retórica, a Comissão Europeia, que se autoproclama líder global no clima, corre um risco enorme: o de legitimar a permanência dos combustíveis fósseis no nosso sistema energético por décadas.

A mensagem que passa é que podemos continuar a perfurar, a extrair e a queimar, desde que tenhamos uma solução tecnológica mágica para lidar com as consequências. Essa é uma aposta arriscadíssima.

Os riscos da dependência tecnológica

A estratégia implícita nas palavras de von der Leyen coloca todos os ovos na cesta da captura de carbono. No entanto, esta tecnologia, embora promissora, ainda é incerta, de alto custo e não está operacional em escala significativa. Confiar nela como pilar central da descarbonização é adiar as ações concretas e comprovadas que sabemos serem necessárias: a expansão massiva das energias renováveis, a eficiência energética e a eletrificação dos transportes.

Essa narrativa é conveniente para a indústria dos combustíveis fósseis, que vê na captura de carbono uma nova linha de negócio e uma “licença social” para continuar operando. Enquanto investimos bilhões para tentar limpar a poluição de termelétricas a carvão e gás, estamos desviando recursos que poderiam ser usados para tornar a energia solar e eólica mais baratas e eficientes. É um jogo de soma zero, onde cada euro em falsas soluções é um euro a menos nas verdadeiras.

União Europeia decide encerrar até 2050 a era dos combustíveis fósseis no bloco

O contexto geopolítico

O timing da declaração não é inocente. Num momento de instabilidade geopolítica e pressão sobre os preços da energia, von der Leyen parece sinalizar que a UE está disposta a ser flexível. A mensagem para parceiros como os EUA e para nações produtoras de gás é: “Não queremos acabar com vocês, apenas queremos que se tornem mais limpos’’.

Embora diplomaticamente astuto, este posicionamento dilui a urgência do abandono dos combustíveis fósseis. Em vez de liderar pelo exemplo, mostrando que um futuro energético limpo é não apenas necessário, mas também economicamente superior, a UE parece recuar, aceitando a premissa de que ainda precisaremos destes combustíveis por um “longo prazo”.

Isso enfraquece a sua posição nas negociações climáticas internacionais e desencoraja investimentos decisivos na transição.

Adiando o inevitável

A crise climática não será resolvida com nuances semânticas ou com a fé em tecnologias não comprovadas. Ela exige uma ação clara e corajosa para desmantelar o sistema energético que a causou.

As palavras de Ursula von der Leyen, ao tentarem criar uma dicotomia entre combustíveis e emissões, representam um passo atrás na retórica e, potencialmente, na ambição da União Europeia.

Comissão propõe que União Europeia corte emissão de poluentes em 90% até 2040

A verdade inconveniente é que a luta contra as mudanças climáticas é, sim, uma luta contra os combustíveis fósseis.

Admitir isso é o primeiro passo para vencê-la. Ao não o fazer, a presidente da Comissão Europeia não é pragmática; apenas adia o inevitável e coloca em risco o futuro que prometeu proteger. (ecodebate)

A queda da fecundidade não é uma trajetória irreversível

A afirmação de que a queda da fecundidade não é uma trajetória irreversível está correta, pois, embora seja uma tendência forte impulsionada por urbanização, educação e carreira, fatores como incertezas econômicas, falta de políticas públicas de apoio à parentalidade e até crises (Zika, Covid-19) podem influenciar o timing e o desejo de ter filhos, com alguns especialistas sugerindo que um ajuste demográfico de longo prazo pode ocorrer e que não é um "apocalipse populacional", mas sim uma mudança de padrões, com potenciais recuperações ou estabilizações em níveis mais baixos.
Fatores que Contribuem para a Queda:

Urbanização e Estilo de Vida: Mudança do campo para a cidade, priorizando educação e carreira.

Empoderamento Feminino: Maior participação no mercado de trabalho e busca por estabilidade.

Educação: Mulheres com maior nível de escolaridade tendem a ter menos filhos.

Planejamento Familiar: Acesso a métodos contraceptivos e maior consciência sobre parentalidade.

Crises: Pandemias e doenças (como Zika) podem acelerar a queda.

Por Que Não é Necessariamente Irreversível (ou, Pelo Menos, Não de Forma Linear):

Desejo Persistente: Muitos ainda desejam ter filhos, mas enfrentam barreiras econômicas e de estabilidade.

Falta de Apoio: A ausência de políticas públicas pode levar mulheres a desistirem da maternidade, sugerindo que apoio adequado poderia reverter a decisão.

Ajuste Demográfico: Especialistas veem um ajuste de longo prazo, não um colapso populacional, com uma possível estabilização em níveis mais baixos.

Ciclos Econômicos: Ciclos de incerteza e melhoria podem influenciar a fecundidade, como visto na década de 2020.

O Que Acontece:

A fecundidade está caindo a níveis históricos no Brasil e no mundo, mas muitas vezes por falta de condições, não por falta de vontade.

A queda gera desafios como envelhecimento da população e pressão sobre sistemas de saúde e previdência.

Portanto, a trajetória é complexa: a queda é real, mas a ideia de que é uma via de mão única sem possibilidade de modulação ou reequilíbrio futuro é contestada por análises que apontam para fatores modificáveis e desejos latentes.

O Colapso Demográfico Silencioso no Brasil: Aspectos Sociais, Ideológicos e Econômicos da Queda da Natalidade

A afirmação de que a queda da fecundidade não é uma trajetória irreversível está correta, pois a queda não é um processo unilateral e pode ser alterada por intervenções externas, políticas públicas ou mudanças sociais e econômicas. Fatores como a falta de políticas públicas de cuidado, altos custos, barreiras de gênero e desigualdades econômicas influenciam a decisão de ter menos filhos, mas políticas adequadas poderiam ajudar a reverter essa tendência.

A reversibilidade da fecundidade: A ideia de que a queda da fecundidade é irreversível não é universalmente aceita. O processo pode ser afetado por fatores externos e pode não ser totalmente unilateral, dependendo do contexto social, econômico e político.

Fatores que influenciam a queda: A queda da fecundidade não é necessariamente uma escolha voluntária, mas pode ser influenciada por barreiras econômicas, sociais e de gênero, como a falta de políticas de cuidado e a dificuldade de conciliar carreira e maternidade, levando as pessoas a não terem o número de filhos que desejam.

Possíveis intervenções: A falta de vontade não é o fator principal; a falta de opções para ter os filhos desejados é o que leva à queda da fecundidade. Intervenções como políticas públicas de cuidado, licenças parentais e políticas que promovam a igualdade de gênero podem ajudar a reverter essa tendência e a incentivar as pessoas a terem mais filhos.

Pessoas se aglomeram em área da favela de Lagos, capital da Nigéria.

Durante mais de 200 mil anos, desde o surgimento do Homo sapiens, as taxas de mortalidade e natalidade eram elevadas e a humanidade não tinha os meios para controlar os efeitos indesejados da mortalidade precoce. Para sobreviver, uma alta natalidade era a arma para enfrentar a alta mortalidade.

Porém, no século XIX, após a Revolução Industrial e Energética, houve avanços na produção e distribuição dos meios de subsistência e aperfeiçoamentos na medicina e no saneamento básico que possibilitaram a redução progressiva das taxas de mortalidade. Com a confirmação da maior sobrevivência das crianças, após um período de aceleração do crescimento vegetativo da população, as taxas de natalidade também começaram a cair e mantiveram um longo período de redução do número de crianças nas famílias.

A transição demográfica desarmou a chamada “bomba populacional” e reduziu o ritmo de crescimento da população mundial. O gráfico abaixo mostra a queda da fecundidade no mundo e nos continentes. Observa-se que a Taxa de Fecundidade Total (TFT) do mundo estava em torno de 5 filhos em meados do século passado e caiu para 2,25 filhos por mulher em 2023.

A Europa e a América do Norte tinham TFT por volta de 3 filhos por mulher em 1950, passando para taxas abaixo do nível de reposição. A Ásia e a América Latina tinham TFT perto de 6 filhos por mulher e já apresentam patamares abaixo do nível de reposição. Somente a África apresenta, atualmente, taxas elevadas (4 filhos por mulher), embora represente uma queda do patamar de 6,5 filhos que havia em 1950.

Hoje em dia já existem dezenas de países com taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição e muitosdestes países já apresentam decrescimento populacional. Como escrevi no artigo “Mitos e realidade da dinâmica populacional”, publicado no 12º Encontro da ABEP (Alves, 2000), a transição demográfica tendia a se aprofundar no século XXI e o mito da “explosão populacional” seria substituído pelo mito da “implosão demográfica”.

O bilionário Elon Musk é um dos principais defensores da necessidade de aumento das taxas de fecundidade. Ele considera que “o declínio populacional deve levar ao colapso da civilização”. O presidente Donald Trump, que está promovendo severas políticas anti-imigratórias, prometeu ser “o presidente da fertilização”. Juntamente com os setores conservadores e da extrema-direita, Trump tem promovido uma agenda pronatalista e chegou a propor um “bônus de bebê” em dinheiro de US$ 5.000 a cada mãe americana após o parto.

Por traz da ideia de colapso populacional está a concepção de que a transição da fecundidade, na ausência de uma intervenção externa, é um processo unilateral e basicamente irreversível. Desta forma, o decrescimento populacional é visto como um “apocalipse demográfico” que resultaria no despovoamento dos países. Mas seria esse processo realmente um fato inexorável?

O gráfico abaixo mostra o exemplo de 5 países que apresentam taxas de fecundidade em ascensão nos anos 2000. O Cazaquistão e a Mongólia tinham elevadas taxas de natalidade, passaram pela transição demográfica e apresentaram taxas de fecundidade total (TFT) abaixo do nível de reposição na virada do milênio. Porém, nos últimos 20 anos os dois países apresentaram uma recuperação da taxa de fecundidade.

No Cazaquistão a TFT chegou a 1,9 filho por mulher em 2000 e subiu para 3,1 filhos por mulher em 2022. Na Mongólia, a TFT chegou a 1,98 em 2004 e subiu para 3 filhos em 2015 e estava em 2,7 filhos por mulher em 2023. Outro país que apresentou recuperação da fecundidade é o Uzbequistão, que tinha TFT de 2,7 filhos por mulher em 2000, caiu para 2,3 filhos em 2012 e subiu para 3,5 filhos por mulher em 2023.

A Romênia e a Bulgária tinham TFT de 1,3 filho por mulher em 2000 e passaram para níveis acima de 1,7 filho por mulher em 2023. A fecundidade nestes dois países do Leste Europeu continua abaixo do nível de reposição, mas está longe de gerar pânico por falta de bebês.

O fato é que existem diversos exemplos de países onde o declínio da TFT desmente o mito da irreversibilidade da queda do número de filhos. Ao longo das décadas as populações vão se adaptando à dinâmica demográfica. Um decrescimento demográfico moderado e gradual pode trazer muitas oportunidades para o avanço social e ambiental.

Como mostrou Adair Turner no artigo “The Case for Gradual Population Decline” (PS, 03/10/2025), ao contrário da sabedoria convencional, o rápido crescimento populacional raramente gera dividendos demográficos, enquanto baixas taxas de fecundidade não levam necessariamente à estagnação. Nos últimos 50 anos, as economias de crescimento mais rápido do mundo – Coreia do Sul, China, Taiwan e Singapura – registraram as menores taxas de fecundidade, variando entre 0,8 e 1,2 filho por mulher. Em contraste, as maiores taxas de fecundidade são encontradas onde a pobreza permanece arraigada ou os direitos das mulheres são severamente restringidos, como na África Subsaariana (4,26) e no Afeganistão (4,76).

Desta forma, taxas de fecundidade na faixa de 1,5 a 1,9 filhos por mulher pode trazer muitos ganhos. Em vez de ser temida, a taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição deve ser celebrada como uma marca registrada de uma sociedade próspera, onde as pessoas são livres para decidir como viver suas vidas.

O ajuste demográfico deve ocorrer no longo prazo e o “apocalipse populacional” parece ser apenas um mito que não corresponde à realidade global. (ecodebate)

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Legislações sobre os resíduos de serviços de saúde vigentes no Brasil

Estudo comparativo das legislações sobre os resíduos de serviços de saúde vigentes no Brasil.
Serviços de Saúde devem classificar e dar destinação correta aos resíduos que compõem o “lixo hospitalar”

As legislações vigentes no Brasil sobre resíduos de serviços de saúde (RSS) incluem a RDC ANVISA nº 222/2018, que regulamenta as Boas Práticas de Gerenciamento dos RSS, e a Resolução CONAMA nº 358/2005, que trata do tratamento e disposição final desses resíduos. A base legal maior é a Lei nº 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos), regulamentada pelo Decreto nº 10.936/2022.

Legislações principais

Lei nº 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos): Institui a base para a gestão de resíduos sólidos no país, que se aplica também aos RSS.

Decreto nº 10.936/2022: Regulamenta a Lei nº 12.305/2010, detalhando os princípios e diretrizes da PNRS.

RDC ANVISA nº 222/2018: É a norma mais específica e atual para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde, estabelecendo as Boas Práticas de Gerenciamento.

Resolução CONAMA nº 358/2005: Dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos de serviços de saúde e estabelece os requisitos para o planejamento, tratamento e disposição final.

Normas complementares

ABNT NBR 10004/2004: Classifica os resíduos sólidos de acordo com seu potencial de periculosidade (incluindo a patogenicidade, toxicidade e outras características).

NR 32: Norma Regulamentadora que trata da segurança e saúde no trabalho em serviços de saúde, com diretrizes que influenciam o manejo de RSS, como a proteção dos trabalhadores contra agentes biológicos.

A criação de legislações locais é uma importante ferramenta para se expandir o monitoramento desses resíduos, levando em consideração a característica particular de cada local e gerador

Os Resíduos de Serviço de Saúde (RSS) são definidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) na Resolução RDC ANVISA n°. 222/2018 como todos os resíduos resultantes das atividades exercidas pelos geradores de RSS, incluindo todos os serviços cujas atividades estejam relacionadas com a atenção à saúde humana ou animal. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente 15% dos RSS são considerados perigosos (OMS, 2023), portanto, se descartados de forma inadequada tem potencial para causar danos ao meio ambiente e à saúde humana. Desse modo, ressalta-se a importância de normativas e legislações voltadas para o gerenciamento adequado dos RSS, de forma a assegurar a saúde da população e a proteção do meio ambiente. Nesse contexto, o estudo “Comparative Analysis of Healthcare Waste Legislation: Alignment and Discrepancies between Federal, State, and Municipal Regulations” (https://www.lidsen.com/journals/aeer/aeer-06-04-031) publicado na revista Advances in Environmental and Engineering Research em 2025, busca analisar de forma qualitativa e quantitativa as normativas relacionadas aos RSS vigentes nos Estados brasileiros e nas suas capitais. A análise baseou-se no comparativo das principais legislações estaduais e municipais (exclusivamente das capitais brasileiras) em relação às federais, a Resolução CONAMA n° 358/2005 e a RDC ANVISA n° 222/2018, que são referências para o gerenciamento dos RSS, de modo a perceber os benefícios evidentes na adoção de tais normas.

No Brasil, os RSS são classificados, conforme a RDC n° 222/2018, em 5 (cinco) grupos, considerando suas características e periculosidades, sendo eles: Grupo A: Resíduos com a possível presença de agentes biológicos que, por suas características, podem apresentar risco de infecção; Grupo B: Resíduos contendo produtos químicos que apresentam periculosidade à saúde pública ou ao meio ambiente, dependendo de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, patogenicidade, toxicidade e desfechos toxicológicos; Grupo C: Qualquer material que contenha radionuclídeo em quantidade superior aos níveis de dispensa especificados em norma da CNEN e para os quais a reutilização é imprópria ou não prevista; Grupo D: Resíduos que não apresentam risco biológico, químico ou radiológico à saúde ou ao meio ambiente, podendo ser equiparados aos resíduos domiciliares; Grupo E: Materiais perfurocortantes ou escarificantes. (ANVISA, 2018).
Resíduos dos serviços de saúde: responsabilidade cível e criminal

As duas principais normas federais baseadas para o comparativo especificam como deve ser aplicado o gerenciamento de RSS dentro de estabelecimentos de serviço de saúde, de forma a buscar melhor segregação, armazenamento e descarte desses resíduos, objetivando amenizar quaisquer impactos ambientais, além de priorizar o bem-estar e a segurança dos colaboradores. A RDC n° 222/18 é mais direcionada à fase intra estabelecimento, e regulamenta as boas práticas de gerenciamento dos RSS e dá outras providências (ANVISA,2018) e a Resolução CONAMA n° 358/2005, mais voltada para a fase extra estabelecimento, dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos RSS e dá outras providências (CONAMA,2005).

Considerando os riscos químicos, físicos e biológicos referentes aos RSS, enfatizamos a importância do gerenciamento adequado do mesmo, visto que o destino correto desses gera um ambiente mais seguro e com menos risco de contaminações para os trabalhadores, para a população e para o meio ambiente (CORDEIRO et al, 2023). A criação de leis que regem essa temática são importantes meios de mitigação de impactos, e ao criarem leis específicas em cada Estado/município, o governo local impulsiona esse objetivo direcionado para as necessidades específicas de cada local, o que pode efetivar ainda mais os benefícios dessa prática. No entanto, é importante frisar que o estudo demonstra que há vantagens em se ter legislações estaduais e/ou municipais próprias para os RSS, desde que sejam elaboradas de modo a suprir possíveis lacunas das normas federais. O fortalecimento de políticas públicas voltadas ao manejo seguro dos resíduos, aprimora ações educativas permanentes, o engajamento das equipes multiprofissionais e a integração entre saúde e meio ambiente (BENTO, 2025). A gestão efetiva dos RSS proporciona benefícios como redução de custos por meio da redução do consumo de energia, redução da quantidade de resíduos, aumento da reciclagem, minimização dos impactos negativos no meio ambiente decorrentes do manuseio e tratamento de resíduos e uma melhor imagem pública (OMS,2014). A minimização da quantidade e da toxicidade dos resíduos deve ter prioridade cada vez maior em todas as etapas do ciclo de produção. Ao mesmo tempo, uma maior reciclagem de resíduos não perigosos e o uso mais amplo de práticas de descarte de resíduos eficientes e menos poluentes devem reduzir o impacto no meio ambiente e na saúde da comunidade em geral, além de manter a proteção contra a transmissão de infecções (OMS,2014).
Para o desenvolvimento da pesquisa, foi realizado um levantamento das normativas relacionadas aos RSS, no qual foram encontradas 33 normas, referentes a 20 estados e 13 capitais, que foram criadas com o mesmo objetivo, das quais algumas se destacam por agregarem pontos específicos com relação às normativas federais. Após o levantamento, com base em perguntas chave propostas pelos autores, pôde-se realizar a análise das normas encontradas. As perguntas chave foram as seguintes: A: Adotam uma classificação dos resíduos diferente da RDC ANVISA n° 222/2018 e da CONAMA n° 358/2005?; B: São mais restritivos que a legislação federal?; C: Específica ou inclui algum tema a mais que a legislação federal?; D: Define um tratamento específico?; E: Sugere alguns tratamentos considerando a classificação dos resíduos?; F: Proíbe algum tratamento em específico?; G: Detalha sobre segregação, manejo, abrigos, coleta, transporte interno/externo, destinação ou outros?; H: Dispõe sobre RSS gerados pelos serviços de atenção domiciliar?; I: Estabelece a opção de Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviço de Saúde Simplificado?

Os resultados do estudo, foram apresentados nas seguintes tabelas, divididos conforme Estados e capitais. Aqueles que não apresentaram normativas voltadas especificamente para RSS, de acordo com a metodologia, não foram incluídos nas tabelas de resultados.

Tabela 1. Avaliação das legislações referentes aos RSS nos estados do Brasil.

Avaliação das Legislações referentes aos RSS no Brasil – Estados

Estados

Destaque por norma

N° Norma

Ano

A

B

C

D

E

F

G

H

I

Acre

Lei Ordinária n° 1401

2001

N/A

N/A

Sim

Ñ

Ñ

Ñ

Sim

Ñ

Ñ

2

Amapá

Instrução Normativa SEMA n° 6

2008

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Sim

1

Lei Ordinária n° 2505

2020

N/A

N/A

N/A

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

0

Amazonas

Lei Ordinária n° 7244

2024

N/A

N/A

N/A

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

0

Espirito Santo

Decreto n° 5851-R

2024

N/A

Ñ

Sim

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Sim

Ñ

2

Lei n° 6407

2000

Sim

Ñ

Ñ

Sim

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

2

Mato Grosso

Instrução Normativa n° 001

2023

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

Ñ

0

Mato Grosso do Sul

Lei n° 1.807

1997

N/A

Sim

Sim

Sim

Ñ

Sim

Ñ

Ñ

Ñ

4

Lei n° 4474

2014

Ñ

Ñ

Sim

Ñ

Ñ

Sim

Ñ

Ñ

Ñ

2

Minas Gerais

COPAM n° 171

2011

Não

Não

Sim

Não

Não

Sim

Sim

Não

Não

3

Pará

Lei Ordinária n° 6517

2002

Sim

Não

Sim

Não

Não

Sim

Sim

Não

Não

4

Paraná

Resolução Conjunta SEMA/SESA n° 002

2005

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Sim

1

Lei Estadual n° 16322

2009

N/A

Sim

Não

Não

Não

Não

Sim

Não

Não

2

Rio de Janeiro

Lei n° 6635 (Redação dada pela lei 10601/2024)

2013

Não

Sim

Não

Não

Não

Sim

Sim

Não

Não

3

Rio Grande do Sul

Lei Ordinária n° 10099

1994

Sim

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

1

Rondônia

Lei n° 592

1994

Sim

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

1

Santa Catarina

Resolução Conjunta CONSEMA e DIVS n°02

2019

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

0

São Paulo

Portaria CVS – 21

2008

Não

Não

Sim

Não

Sim

Não

Não

Sim

Não

3

Sergipe

Lei Ordinária n° 7.913

2014

N/A

Não

Sim

Não

Não

Não

Sim

Não

Não

2

Tocantins

Portaria n° 94

2025

Não

Sim

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

1

Quantitativo dos destaques por pergunta

4

4

8

2

1

5

6

2

2

Total geral de destaques

34

A: Segue uma classificação dos resíduos diferente da RDC ANVISA n° 222/2018 e da CONAMA n° 358/2005?; B: Mais restritivo que a legislação federal?; C: Específica ou inclui algum tema a mais que a legislação federal?; D: Define um tratamento específico?; E: Sugere alguns tratamentos considerando a classificação dos resíduos?; F: Proíbe algum tratamento em específico?; G: Detalha sobre segregação, manejo, abrigos, coleta, transporte interno/externo, destinação ou outros?; H: Dispõe sobre RSS gerados pelos serviços de atenção domiciliar?; I: Estabelece a opção de Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviço de Saúde Simplificado?; hachuradas em cinza: destaque dado pelos autores.

Tabela 2. Avaliação das legislações referentes aos RSS nas capitais do Brasil.

Avaliação das Legislações referentes aos RSS no Brasil – Capitais

Capitais

Destaque por norma

Número da Norma

Ano

A

B

C

D

E

F

G

H

I

Rio Branco

Lei n° 2.107

2015

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

0

Salvador

Decreto n° 16.592

2006

N/A

Sim

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

1

Goiânia

Lei n° 9522

2014

Não

Não

Sim

Não

Não

Não

Não

Não

Não

1

Belo Horizonte

Decreto n° 10.296

2000

N/A

Não

Sim

Não

Não

Não

Sim

Não

Não

2

Decreto n° 16.509

2016

N/A

N/A

Sim

Não

Não

Não

Não

Sim

Sim

3

João Pessoa

Lei Ordinária n° 12.735

2013

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Não

0

Recife

Decreto n° 18.480

2000

Sim

Sim

Sim

Não

Não

Não

Sim

Não

Não

4

Teresina

Decreto n° 9.432

2009

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Sim

Não

Não

1

Rio de Janeiro

Portaria COMLURB n° 7

2024

Não

Sim

Não

Não

Não

Não

Sim

Não

Não

2

Natal

Decreto n° 7.168

2013

N/A

Sim

Sim

Não

Não

Não

Não

Não

Não

2

Porto Velho

Lei Complementar n° 136

2001

N/A

Sim

Sim

Não

Não

Não

Não

Não

Não

2

São Paulo

Decreto n° 37.471

1998

N/A

Sim

Sim

Não

Não

Não

Não

Não

Não

2

Distrito Federal

Lei n° 4.352

2009

Não

Sim

Não

Não

Não

Não

Sim

Não

Não

2

Quantitativo dos destaques por pergunta

1

7

7

0

0

0

5

1

1

Total geral de destaques

22

A: Segue uma classificação dos resíduos diferente da RDC ANVISA n° 222/2018 e da CONAMA n° 358/2005?; B: Mais restritivo que a legislação federal?; C: Específica ou inclui algum tema a mais que a legislação federal?; D: Define um tratamento específico?; E: Sugere alguns tratamentos considerando a classificação dos resíduos?; F: Proíbe algum tratamento em específico?; G: Detalha sobre segregação, manejo, abrigos, coleta, transporte interno/externo, destinação ou outros?; H: Dispõe sobre RSS gerados pelos serviços de atenção domiciliar?; I: Estabelece a opção de Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviço de Saúde Simplificado?; hachuradas em cinza: destaque dado pelos autores.

Na análise quantitativa, o estudo foi guiado pelas perguntas apresentadas. Com isso foi possível a seguinte avaliação: 5 (15,2%), sendo 4 (19,1%) estaduais e 1 (7,7%) municipal, apresentam classificação dos RSS diferentes das legislações federais; 11 normas (33,3%), das quais 4 estaduais (19,1%) e 7 municipais (53,9%), apresentaram-se mais restritivas; 15 normas (45,5%), sendo 8 estaduais (38,1%) e 7 municipais (53,9%), especificaram ou incluíam temas não abordados pelas legislações federais; 2 normas estaduais (6,1% do total; 9,5% das estaduais) definem tratamentos específicos para os RSS; 1 norma estadual (3,0% do total; 4,8% das estaduais) apresentou sugestão de tratamentos para os RSS conforme a sua classificação; 5 normas estaduais (15,2% do total; 23,8% das estaduais) proíbem algum tratamento específico; 11 normas (33,3%), sendo 6 estaduais (28,6%) e 5 municipais (38,5%), detalham sobre segregação, manejo, abrigos, coleta, transporte interno/externo, destinação ou outros; 3 normas (9,1%), sendo 2 estaduais (9,5%) e 1 municipal (7,7%), dispõem sobre RSS gerados pelos serviços de atenção domiciliar; e 3 normas (9,1%), também sendo 2 estaduais (9,5%) e 1 municipal (7,7%), estabelecem a opção de elaboração de um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviço de Saúde Simplificado.
De acordo com os autores, após a análise das legislações encontradas, foi possível concluir que há vantagens em se ter legislações estaduais e/ou municipais específicas para os RSS, desde que sejam elaboradas de modo a suprir possíveis lacunas das normas federais e que estejam alinhadas à realidade local. Foi destacado no estudo, alguns pontos interessantes a serem considerados para a implementação de novas normativas voltadas aos geradores e ao gerenciamento dos RSS. Dentre eles, a implementação do PGRSS adaptado aos pequenos geradores, que facilita a adesão à implantação de políticas de gerenciamento, e também a existência de normas voltadas aos RSS gerados pelos serviços de atenção domiciliar, que se destacaram por serem pontos ainda não abordados pelas legislações federais.

Para a realização da pesquisa, houve algumas limitações destacadas pelos autores, como desafios na busca das legislações, devido à ausência de fontes padronizadas e confiáveis sobre o tema, não descartando a possibilidade da existência de mais legislações específicas que não foram encontradas na metodologia aplicada. Contudo, mesmo com tal limitação, foi possível avaliar o cenário no país em relação aos RSS através da análise das legislações encontradas.

Nesta perspectiva, é possível concluir que, ao se implantar normas específicas em um Estado/município, pode-se obter resultados vantajosos não apenas para os estabelecimentos, mas para a sociedade como um todo.

É importante ressaltar que a criação de legislações locais é uma importante ferramenta para se expandir o monitoramento desses resíduos, levando em consideração a característica particular de cada local e gerador. Com isso, o gerenciamento de RSS pode ser inserido de forma eficaz, minimizando os impactos ambientais e os riscos à saúde.
O estudo levantado, demonstra que há ganhos substanciais com relação a aplicabilidade dessas normas, contudo especifica também a importância do mesmo estar em conformidade com as legislações federais e que agreguem pontos específicos para melhor gestão desses resíduos. (ecodebate)

2.