Pesquisa identifica
microplásticos em 70% das amostras de frutos do mar comercializados na costa
brasileira.
Estudo científico identificou
microplásticos em 70% das amostras de frutos do mar comercializados na costa
brasileira. A presença de resíduos plásticos vem se configurando, nas últimas
décadas, como um problema global e urgente.
Estudo verificou concentrações mais elevadas em Recife e
Fortaleza; 100% das localidades analisadas apresentaram moluscos com resíduos
plásticos.
A presença de resíduos plásticos vem se configurando, nas últimas
décadas, como um problema global e urgente. Além de se acumular em diversos
ecossistemas e apresentar elevada durabilidade e alta fragmentação, o principal
item que compõe o lixo marinho da atualidade transforma-se facilmente em
partículas menores que 5 milímetros, que são ingeridas por animais marinhos e
voltam aos seres humanos pela cadeia alimentar.
Para dimensionar o problema, o Instituto Voz dos Oceanos, em
parceria com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano e o Centro de
Referência para Quantificação e Tipificação do Lixo do Mar (CeLMar – CNPq) da
Universidade de São Paulo (USP), realizou o primeiro estudo científico que
identifica a contaminação por microplásticos em bivalves (mexilhões, ostras e
sururus) amplamente comercializados e consumidos na costa brasileira.
As amostras para a pesquisa foram coletadas entre maio e julho de 2024,
durante a primeira expedição científica da Voz dos Oceanos com uma tripulação
exclusivamente feminina, composta pelas biólogas marinhas Marília Nagata e
Jessyca Lopes, a oceanógrafa Katharina Grisotti e a jornalista-documentarista
Thamys Trindade, que percorreu 14 dos 17 estados costeiros do Brasil (SC, PR,
SP, RJ, ES, BA, SE, AL, PE, PB, RN, CE, MA e PA).
Os plásticos entram no oceano através de muitas fontes, por
exemplo, de escoamento, rios e águas subterrâneas. Os plásticos entram na cadeia
alimentar pelo consumo do plâncton, como os copépodes, os organismos
multicelulares mais abundantes no oceano. Os peixes então comem os copépodes e
os humanos consomem os peixes, trazendo o círculo completo de plástico de volta
aos humanos.
As amostras coletadas foram direcionadas a laboratório específico
no Instituto Oceanográfico da USP. A expedição e a parceria com a Voz dos
Oceanos motivaram a Shimadzu a entrar nessa parceria com o fornecimento do
equipamento de microscopia, infravermelho e raman – AIRsight, avaliado em
aproximadamente R$ 1 milhão – um legado da iniciativa liderada pela Família
Schurmann. No CeLMar – CNPq, essas amostras foram analisadas sob a coordenação
do professor Alexander Turra, garantindo rigor científico da pesquisa, que revela
dados preocupantes: 100% das localidades possuem animais com microplásticos e
70% dos animais analisados contêm resíduos de microplásticos.
Outro indicador que se destaca no levantamento é a concentração de
partículas encontradas nos moluscos. A maior concentração, estimada em 5
partículas por grama de alimento, foi registrada nas cidades de Recife (PE) e
Fortaleza (CE). Já nas cidades de Santos (SP), Aracaju (SE) e Maceió (AL) foram
registradas amostras com 3 a 4 partículas de microplásticos por grama de
alimento. As menores concentrações, abaixo de 0,5 partícula por grama de
alimento, foram registradas em Itajaí (SC), Paranaguá (PR), São Sebastião (SP),
Angra dos Reis (RJ), Vitória (ES) e Natal (RN).
“Quando falamos de dados de concentração de microplásticos, a Europa
ainda lidera em contaminação de microplásticos, mas algumas cidades brasileiras
se aproximam bastante dos números europeus, como Recife e Fortaleza, e outras
já apresentam concentrações acima da média global, como Maceió, Santos e Aracaju.
Esses dados reforçam a necessidade de mais pesquisas e estudos sobre o tema no
Brasil, visto que algumas nas nossas cidades litorâneas já estão bem próximas
dos níveis mundiais”, destaca Marília Nagata, pesquisadora do Instituto
Oceanográfico da USP e condutora responsável pela pesquisa.
A pesquisa identificou pelo menos 14 polímeros diferentes, com
predominância de EVA, polietileno, poliéster e PVC.
Em relação às partículas, cerca de 85% dos microplásticos vinham
de fragmentos de plástico, comprovando que o que se encontra nos animais hoje é
fruto de uma contaminação antiga, decorrente da degradação de itens plásticos
que permanecem décadas no meio ambiente.
Além disso, em cidades como João Pessoa (PB), Recife (PE),
Caravelas (BA), Vitória (ES), São Sebastião (SP) e Paranaguá (PR), fibras
plásticas foram encontradas em mais de 50% das amostras, indicando contribuição
importante da lavagem de roupas sintéticas ou degradação de apetrechos de
pesca, como linhas e cabos, abandonados no oceano.
“O estudo revela um problema crônico e abrangente. De todos os
microplásticos encontrados na pesquisa, grande parte é representada por
fragmentos gerados a partir de outros artigos plásticos maiores lançados nos
rios e nos mares há muito tempo. Isso significa que, se não pararmos de jogar
lixo nos mares agora, continuaremos aumentando essa quantidade e
potencializando o risco de consumo desses resíduos pelos humanos”, avalia
Alexander Turra, professor da USP.

Para Heloisa Schurmann, uma das líderes da Voz dos Oceanos, os
resultados da pesquisa mostram uma realidade alarmante. “Acabamos de completar
nossa quarta volta ao mundo, a primeira pela Voz dos Oceanos, testemunhando a
presença de plástico e microplásticos em mais de 140 destinos de 17 países por
onde passamos. A pesquisa revela outra camada dessa invasão plástica – uma
camada ‘invisível’, presente nos nossos alimentos, ou seja, uma camada que está
sendo ingerida pela população”, diz.
Turra complementa: “Os resultados colhidos trouxeram dados que
precisam ser olhados com seriedade. Pensando nos moluscos como alimento e
tomando por base as maiores concentrações encontradas, se pensarmos, por
exemplo, em um pastel com 100 gramas de recheio, estamos falando do consumo de
500 partículas de microplásticos em uma única refeição”.
Para David Schurmann, CEO da Voz dos Oceanos, diante dessa realidade é
preciso mobilização. “É imprescindível que nós, como sociedade, comecemos a nos
envolver mais em campanhas como a ‘Pare o Tsunami de Plástico’, por exemplo.
Precisamos nos conscientizar de que o problema não é só o outro e agir sobre
nossas escolhas, a forma como consumimos, se os produtos que levamos para
dentro de casa têm reciclabilidade, de que materiais são feitos e como
descartamos os nossos resíduos. Ter um oceano limpo e sustentável também
depende de nós”, destaca David.
Outro ponto de atenção importante identificado pelos pesquisadores
é a necessidade de se serem criados mecanismos e estratégias para reduzir, por
exemplo, a geração de fibras a partir da lavagem de roupas; cobrar melhorias
nos sistemas de drenagem e separação de fragmentos de borracha nas estradas e
investir em sistemas que evitem a entrada de macro plásticos no mar, como as
ecobarreiras instaladas em rios. (ecodebate)
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