Os danos causados durante o período de overshoot não serão simplesmente “revertidos” quando a temperatura baixar. Muitas das consequências são irreversíveis e seu fardo será distribuído de forma profundamente desigual.
Pesquisa publicada na PNAS
Nexus adverte que mesmo um período temporário de superaquecimento global trará
consequências severas e, em muitos casos, irreversíveis, para a saúde e a
sociedade, com os mais vulneráveis pagando o preço mais alto.
A meta de limitar o
aquecimento global a 1,5°C, estabelecida pelo Acordo de Paris, pode ser
temporariamente ultrapassada, mas o preço dessa transgressão será pago com
sofrimento humano e ruptura social em larga escala.
É o que conclui um estudo
abrangente publicado na renomada revista PNAS Nexus, intitulado “The human and
social impacts of climate overshoot”.
A pesquisa, uma síntese de centenas de estudos anteriores, vai além das projeções físicas do clima e mergulha nos impactos tangíveis que um “planeta de risco” – onde a temperatura sobe além de 1,5°C antes de eventualmente retornar – terá na vida das pessoas, especialmente nas populações mais pobres e marginalizadas.
A pessoa média foi exposta em 2024 a 6 semanas extras de dias perigosamente muito mais quentes.
O que é a “zona de perigo”
climática?
O termo “overshoot climático”
(ou superação do limite climático) descreve um cenário provável no qual a
temperatura média da Terra ultrapassa 1,5°C em relação aos níveis
pré-industriais, permanece nesse patamar elevado por décadas, para só então ser
reduzida por meio de tecnologias de captura de carbono, que ainda não estão
maduras em escala.
A principal mensagem do artigo é alarmante: os danos causados durante o período de overshoot não serão simplesmente “revertidos” quando a temperatura baixar. Muitas das consequências são irreversíveis e seu fardo será distribuído de forma profundamente desigual.
“O mundo não precisa inventar uma solução mágica para impedir que as coisas piorem em 2025”
Os quatro pilares do impacto
humano
O estudo detalha os impactos
em quatro áreas críticas:
1. Saúde humana: Ondas de
calor extremo, que já são um perigo, tornar-se-ão eventos comuns, levando a um
aumento drástico de mortes, especialmente entre idosos, crianças e
trabalhadores ao ar livre. A propagação de doenças infecciosas como dengue e
malária se intensificará, atingindo novas regiões. A insegurança alimentar e
hídrica, agravada por secas e inundações, levará à desnutrição e a problemas de
desenvolvimento.
2. Segurança alimentar e
hídrica: A produção de grãos essenciais como milho, arroz e trigo sofrerá
quedas significativas com cada fração de grau a mais na temperatura. A escassez
de água se tornará crônica em várias regiões, criando conflitos por recursos e
ameaçando a sobrevivência de comunidades agrícolas.
3. Migração e conflitos: A
combinação de perda de terras cultiváveis, elevação do nível do mar e eventos
climáticos extremos forçará milhões de pessoas a deixarem suas casas. Esse
deslocamento em massa pode exacerbar tensões sociais, sobrecarregar a
infraestrutura urbana e aumentar o risco de conflitos e instabilidade política.
4. Biodiversidade e serviços ecossistêmicos: Ecossistemas inteiros, como os recifes de coral tropicais, podem entrar em colapso irreversível. A perda de biodiversidade afeta diretamente serviços essenciais que a natureza nos fornece, como polinização de culturas, regulação do clima e purificação da água e do ar.
Gráfico da Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês) mostra que temperaturas ficaram 1,75°C acima do nível pré-industrial.
A temperatura da Terra vem
subindo há décadas.
A injustiça do “overshoot”
O estudo é enfático ao
destacar a dimensão da injustiça climática. As populações que menos
contribuíram para as emissões de gases de efeito estufa – comunidades de países
em desenvolvimento, povos indígenas e grupos socialmente vulneráveis – são
justamente as que estarão na linha de frente dos impactos mais severos. Eles
têm menos recursos para se adaptar, seja construindo defesas costeiras,
investindo em ar-condicionado ou diversificando sua produção de alimentos.
As conclusões do artigo
servem como um corretivo necessário para a narrativa de que podemos confiar em
soluções tecnológicas futuras para “consertar” o clima mais tarde. A mensagem
central é que precisamos evitar o overshoot a todo custo.
“Cada décimo de grau de
aquecimento evitado significa a prevenção de um vasto sofrimento humano”,
afirmam os autores, implícita e explicitamente. A pesquisa reforça a
necessidade urgente de uma transição rápida e justa para energias renováveis, o
fim do desmatamento e a construção de sociedades mais resilientes e preparadas
para os impactos que já são inevitáveis.





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