sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Estudo revela os custos humanos e sociais de ultrapassar 1,5°C

Os danos causados durante o período de overshoot não serão simplesmente “revertidos” quando a temperatura baixar. Muitas das consequências são irreversíveis e seu fardo será distribuído de forma profundamente desigual.

Pesquisa publicada na PNAS Nexus adverte que mesmo um período temporário de superaquecimento global trará consequências severas e, em muitos casos, irreversíveis, para a saúde e a sociedade, com os mais vulneráveis pagando o preço mais alto.

A meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C, estabelecida pelo Acordo de Paris, pode ser temporariamente ultrapassada, mas o preço dessa transgressão será pago com sofrimento humano e ruptura social em larga escala.

É o que conclui um estudo abrangente publicado na renomada revista PNAS Nexus, intitulado “The human and social impacts of climate overshoot”.

A pesquisa, uma síntese de centenas de estudos anteriores, vai além das projeções físicas do clima e mergulha nos impactos tangíveis que um “planeta de risco” – onde a temperatura sobe além de 1,5°C antes de eventualmente retornar – terá na vida das pessoas, especialmente nas populações mais pobres e marginalizadas.

A pessoa média foi exposta em 2024 a 6 semanas extras de dias perigosamente muito mais quentes.

O que é a “zona de perigo” climática?

O termo “overshoot climático” (ou superação do limite climático) descreve um cenário provável no qual a temperatura média da Terra ultrapassa 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, permanece nesse patamar elevado por décadas, para só então ser reduzida por meio de tecnologias de captura de carbono, que ainda não estão maduras em escala.

A principal mensagem do artigo é alarmante: os danos causados durante o período de overshoot não serão simplesmente “revertidos” quando a temperatura baixar. Muitas das consequências são irreversíveis e seu fardo será distribuído de forma profundamente desigual.

“O mundo não precisa inventar uma solução mágica para impedir que as coisas piorem em 2025”

Os quatro pilares do impacto humano

O estudo detalha os impactos em quatro áreas críticas:

1. Saúde humana: Ondas de calor extremo, que já são um perigo, tornar-se-ão eventos comuns, levando a um aumento drástico de mortes, especialmente entre idosos, crianças e trabalhadores ao ar livre. A propagação de doenças infecciosas como dengue e malária se intensificará, atingindo novas regiões. A insegurança alimentar e hídrica, agravada por secas e inundações, levará à desnutrição e a problemas de desenvolvimento.

2. Segurança alimentar e hídrica: A produção de grãos essenciais como milho, arroz e trigo sofrerá quedas significativas com cada fração de grau a mais na temperatura. A escassez de água se tornará crônica em várias regiões, criando conflitos por recursos e ameaçando a sobrevivência de comunidades agrícolas.

3. Migração e conflitos: A combinação de perda de terras cultiváveis, elevação do nível do mar e eventos climáticos extremos forçará milhões de pessoas a deixarem suas casas. Esse deslocamento em massa pode exacerbar tensões sociais, sobrecarregar a infraestrutura urbana e aumentar o risco de conflitos e instabilidade política.

4. Biodiversidade e serviços ecossistêmicos: Ecossistemas inteiros, como os recifes de coral tropicais, podem entrar em colapso irreversível. A perda de biodiversidade afeta diretamente serviços essenciais que a natureza nos fornece, como polinização de culturas, regulação do clima e purificação da água e do ar.

Gráfico da Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês) mostra que temperaturas ficaram 1,75°C acima do nível pré-industrial.

A temperatura da Terra vem subindo há décadas.

A injustiça do “overshoot”

O estudo é enfático ao destacar a dimensão da injustiça climática. As populações que menos contribuíram para as emissões de gases de efeito estufa – comunidades de países em desenvolvimento, povos indígenas e grupos socialmente vulneráveis – são justamente as que estarão na linha de frente dos impactos mais severos. Eles têm menos recursos para se adaptar, seja construindo defesas costeiras, investindo em ar-condicionado ou diversificando sua produção de alimentos.

As conclusões do artigo servem como um corretivo necessário para a narrativa de que podemos confiar em soluções tecnológicas futuras para “consertar” o clima mais tarde. A mensagem central é que precisamos evitar o overshoot a todo custo.

“Cada décimo de grau de aquecimento evitado significa a prevenção de um vasto sofrimento humano”, afirmam os autores, implícita e explicitamente. A pesquisa reforça a necessidade urgente de uma transição rápida e justa para energias renováveis, o fim do desmatamento e a construção de sociedades mais resilientes e preparadas para os impactos que já são inevitáveis.

O estudo na PNAS Nexus deixa claro: a escolha não é entre pagar pela transição verde agora ou pagar mais tarde. A escolha real é entre uma transição ordenada ou pagar com vidas humanas, crises migratórias e conflitos em um futuro cada vez mais próximo. O custo da inação, medido em sofrimento, será incalculavelmente maior.
Representação esquemática dos impactos das mudanças climáticas de relevância para o setor humanitário, incluindo (a) o momento da superação da temperatura, (b) o pico de aquecimento e (c) a duração da superação. In “The human and social impacts of climate overshoot”. (ecodebate)

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