Brasil pode reduzir 80% das
emissões por energia mesmo com economia crescendo.
Observatório do Clima mostra
que país não precisa recorrer a soluções falsas como captura e armazenamento de
carbono nem continuar expandindo produção de combustíveis fósseis.
Entretanto, o estudo alerta
que, caso as tendências atuais para o setor de energia se mantenham – mesmo
incluindo compromissos positivos relacionados à produção de biocombustíveis e
ao aumento de fontes renováveis –, o setor de energia brasileiro deverá chegar
a 2050 emitindo 558 milhões de toneladas de CO2e, número superior ao
pico alcançado em meados da década passada. Em 2022, as emissões do setor
ficaram em 490,6 milhões de toneladas de CO2e, segundo dados do
SEEG/Observatório do Clima.
Elaborado pelas organizações
que formam parte do Grupo de Trabalho (GT) de Energia do OC, o documento
detalha uma proposta de diretrizes em áreas como transportes de carga e de
passageiros, produção de combustíveis e biocombustíveis, indústria e geração de
eletricidade. Também são abordadas questões como as perspectivas para a
produção de hidrogênio verde, o fechamento de termelétricas a carvão, o
crescimento das fontes eólica e solar e o papel das térmicas a gás fóssil em
médio e longo prazos.
Apresentadas como Visão do OC, alternativa ao cenário em que as políticas atuais são mantidas, as propostas buscam que o Brasil reduza em 92% as emissões líquidas até 2035 em relação aos níveis de 2005, número defendido pelo OC para uma nova proposta brasileira de NDC (meta atualizada para o Acordo de Paris). Isso significaria diminuir as emissões líquidas de gases de efeito estufa de 2,44 bilhões de toneladas de CO2e, cifra de 2005 estimada pelo SEEG, para no máximo 200 milhões de toneladas de CO2e.
Brasil pode reduzir 80% das emissões por energia mesmo com economia crescendo
Em estudo inédito,
Observatório do Clima (OC) traça cenários para futuro do setor energético no
país e aponta caminho para a transição justa e abandono gradual de fósseis.
Os objetivos também se
inserem na Estratégia Brasil 2045, do Observatório do Clima, que defende que o
país pode se tornar a primeira grande economia do mundo a sequestrar mais gases
de efeito estufa do que emite, tornando-se negativo em carbono até o ano de
2045.
“O relatório mostra que é
possível reduzir o uso de combustíveis fósseis mesmo num cenário de crescimento
econômico. Com análises técnicas sólidas, demonstra que podemos alterar rotas
equivocadas e contribuir no setor de energia para que o Brasil se torne um país
carbono negativo até o ano de 2045”, afirma a coordenadora de políticas
públicas do OC, Suely Araújo.
Estudo foi motivado pelo
entendimento de que embora imprescindível, zerar o desmatamento da Amazônia e
de outros biomas não é o suficiente para que o Brasil cumpra as metas de Paris.
O país larga na frente por conseguir gerar 90% de sua energia elétrica a partir
de fontes renováveis, mas ainda assim há um longo trabalho a ser feito nas
atividades que mais emitem gases de efeito estufa do setor de energia.
Para que ocorra uma transição
justa, o GT de Energia do OC também se debruçou sobre os impactos
socioambientais – que já ocorrem – das novas fontes renováveis e da mineração
de metais estratégicos, apontando quais salvaguardas e iniciativas de mitigação
o poder público deve adotar. Além disso, abordou temas como a reforma do setor
elétrico, trouxe diretrizes sobre como superar a pobreza energética e corrigir
injustiças, além de apontar os caminhos para melhorar a eficiência energética
de diversos setores.
Crescimento da geração solar
na Visão do Observatório do Clima
O caso de referência do
estudo, que considera as projeções oficiais de crescimento para o setor de
energia, considera a que a fonte solar somaria 139 GW em 2050, dos atuais 47
GW. Já seguindo as diretrizes propostas pelo Observatório do Clima, a fonte
chegaria a 224 GW no mesmo período, sendo 133 GW só na geração distribuída.
Nesse cenário, o Brasil se
espelharia nas diretrizes propostas pela Agência Internacional de Energia para
que edificações construídas a partir de 2030 sejam carbono neutro e que até 85%
dos já existentes passem por retrofit até 2050, neutralizando suas emissões. O
país precisaria para tanto aumentar a produção de eletricidade por micro e
minigeração distribuída de 5,3 TWh em 2020, segundo dados do Balanço Energético
Nacional (BEN) 2021, para 124,5 TWh em 2050 — podendo atingir 164 TWh, de
acordo com o cenário superior do PDE 2034, projetado linearmente para 2050. Em
relação à capacidade instalada, o Brasil sairia de 4,8 GW de potência em 2020
para cerca de 133 GW em 2050, ainda segundo essa projeção.
No caso da fonte solar centralizada, o cenário mais otimista do Observatório do Clima considera a projeção do PNE 2050 que tem uma sensibilidade às restrições à expansão das hidrelétricas, seja por questões legais ou por efeitos das mudanças climáticas, que fazem com que as grandes centrais solares compensem essa limitação. A capacidade pode facilmente chegar a 91 GW de potência instalada em 2050, como prevê a estimativa mais otimista do PNE, podendo ultrapassar os 100 GW como forma de compensar uma eventual expansão mais modesta de outras fontes renováveis.
Duas referências de PIB
O trabalho considerou um crescimento médio do PIB de 2,1% ao ano até 2050, projeção usada para calcular a demanda energética e as emissões de gases de efeito estufa de cada atividade do setor de energia sob as premissas e diretrizes defendidas pelo OC. Foi a partir dessa projeção de crescimento que se chegou à previsão de 102 milhões de toneladas de CO2e emitidos pelo setor de energia em 2050.
O relatório também considerou
um cenário de crescimento inferior, de 1,3% ao ano, e superior, de 2,8% ao ano,
mostrando como mudariam a demanda energética e as emissões de gases de efeito
estufa no país.
Os resultados que seriam
alcançados a partir dos compromissos defendidos pelo OC são comparados com os
obtidos em um cenário tendencial, que buscou projetar as emissões a partir das
tendências para os próximos anos. Para isso, foram analisados os compromissos –
positivos ou negativos – assumidos pelo poder público, com foco nos programas
do governo federal e nas legislações discutidas no Congresso, além das
tendências de mercado e dos planos estratégicos de empresas como a Petrobras.
Considerando um crescimento
médio do PIB de 2,1% ao ano e as diretrizes deste cenário tendencial, o setor
de energia chegará em 2050 emitindo 558 milhões de toneladas de CO2e.
Entre as conclusões, cabe
ressaltar que o transporte de cargas, majoritariamente rodoviário, continuará
sendo a principal atividade emissora do setor de energia. Mesmo considerando as
diretrizes propostas pelo OC, a atividade é a que apresenta os maiores desafios
por conta das dificuldades de eletrificar caminhões pesados e semipesados, seja
pelos custos das baterias e de outros componentes, seja pelas longas distâncias
percorridas.
Trabalho apresenta caminhos
para Brasil se tornar 1ª grande economia do mundo a sequestrar mais gases de
efeito estufa do que emite.
A maior oportunidade para
reduzir as emissões rapidamente está no transporte de passageiros. As
diretrizes do OC vão além da mera substituição da gasolina por etanol nos
veículos flex e na gradual eletrificação da frota. Para que essa atividade
deixe de emitir 102 milhões de toneladas de CO2e, conforme registrou
o SEEG em 2022, e passe a emitir somente 16 milhões de toneladas, como projeta
a Visão do OC, é preciso mudar os paradigmas das cidades, que devem ser mais
compactas e com deslocamentos menores, e aumentar os investimentos em
transporte público coletivo por ônibus, metrô, VLT e na infraestrutura para o
uso das bicicletas em detrimento dos automóveis individuais.
(pv-magazine-brasil)