Os países em desenvolvimento
em todo o mundo enfrentam um desafio que opõe o crescimento econômico à
proteção ambiental. À medida que expandem sua produção agrícola, muitas vezes
convertem a floresta em terras agrícolas e pastagens. Mas a remoção em larga
escala de árvores enfraquece a capacidade do mundo de evitar mais deterioração
do clima e perda de biodiversidade.
O Brasil apresenta um
exemplo-chave. O país abriga a maior área de floresta tropical do mundo – cerca
de 1,2 milhão de milhas quadradas, uma área mais de 16 vezes o tamanho de
Nebraska. A Amazônia contém grandes extensões de florestas tropicais que,
quando convertidas em agricultura, liberam uma enorme quantidade de dióxido de
carbono na atmosfera, exacerbando as mudanças climáticas.
Aumentar a produção agrícola é uma prioridade nacional para o Brasil, o maior exportador mundial de soja. Desde a década de 1990, a invasão agrícola erodiu grandes áreas da floresta tropical do país. Durante 2015-19, a bacia amazônica respondeu por ⅓ das terras convertidas para a expansão da soja brasileira.
Um estudo de quatro anos recentemente divulgado pela Universidade de Nebraska-Lincoln e seus parceiros de pesquisa no Brasil identifica um caminho a seguir que permitiria ao Brasil fortalecer seu setor agrícola enquanto protege a floresta tropical. As recomendações dos cientistas têm ampla aplicabilidade a outros países em desenvolvimento que enfrentam um desafio semelhante.
“No contexto atual de altos
preços de grãos e interrupções no fornecimento de alimentos, acreditamos que há
uma necessidade crítica de os principais países produtores de culturas
reavaliarem seu potencial de produzir mais nas terras agrícolas existentes”,
escreveram os autores em um artigo publicado em 10 de outubro na revista
científica. a revista Nature Sustentabilidade. “Sem ênfase na intensificação da
produção agrícola dentro da área agrícola existente, juntamente com
instituições e políticas fortes que impeçam o desmatamento em áreas agrícolas
de fronteira, seria difícil proteger os últimos redutos de florestas e
biodiversidade do planeta, sendo sensível ao impacto econômico aspirações dos
países para se desenvolver”.
Desde 2000, moratórias e
incentivos têm sido usados para desacelerar o desmatamento no Brasil. No
entanto, o aumento acentuado dos preços das commodities e a pressão política
para se recuperar rapidamente dos impactos combinados da pandemia de COVID – 19
e da guerra na Ucrânia colocaram a floresta amazônica sob maior ameaça. Se as
tendências atuais continuarem, o Brasil converterá cerca de 57 milhões de acres
em produção de soja nos próximos 15 anos, com cerca de um quarto da expansão
ocorrendo em terras ambientalmente frágeis, como floresta tropical e savana.
No entanto, proibir a expansão de terras agrícolas custaria ao Brasil cerca de US$ 447 bilhões em oportunidades econômicas perdidas até 2035.
O estudo liderado por Patricio Grassini, professor ilustre de Agronomia da Sunkist e professor associado do Departamento de Agronomia e Horticultura de Nebraska, mostra como é possível para o Brasil expandir sua produção agrícola sem converter mais florestas tropicais e savanas em cultivos. Com uma estratégia cuidadosamente gerenciada para intensificar a produção nos hectares existentes, o país poderia aumentar sua produção anual de soja em 36% até 2035, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa em 58% em comparação com as tendências atuais.
Grassini e seus coautores
descrevem uma estratégia de “intensificação” em três frentes que exige:
• Aumentar significativamente
a produtividade da cultura da soja.
• Cultivar uma segunda safra
de milho em campos de soja em determinadas áreas.
• Criação de mais gado em
pastagens menores para liberar mais terra para a soja.
Os climas tropicais e
subtropicais do Brasil possibilitam o cultivo de duas culturas na mesma terra
durante a estação de crescimento na maioria das regiões, disse Grassini. Além
disso, “a produção pecuária é enorme no Brasil”, disse ele, “e nosso estudo
mostra que há uma grande oportunidade para o Brasil aumentar os sistemas de
produção baseados na pecuária e, com isso, liberar parte da área atualmente
usada para a produção pecuária e usar essa terra para produzir mais soja”.
A modelagem detalhada do
projeto indica que, até 2035, a estratégia poderá aumentar a produção de soja
do Brasil em 36%. Ao mesmo tempo, disse Grassini, o Brasil poderia “eliminar
completamente o desmatamento e essencialmente reduzir a quantidade de
equivalentes de dióxido de carbono liberados na atmosfera, ajudando a mitigar
as mudanças climáticas”.
“Esta abordagem fortalece a
agricultura enquanto protege os ecossistemas frágeis que são importantes do
ponto de vista da mitigação das mudanças climáticas, bem como da conservação da
biodiversidade”, disse ele.
Para determinar o quanto os rendimentos poderiam ser melhorados nas terras agrícolas brasileiras existentes, os cientistas examinaram a produção de soja em quatro regiões-chave: as regiões do Pampa e da Mata Atlântica ao longo da costa atlântica, onde o cultivo de soja está em andamento há cerca de 50 anos, e a Amazônia e as regiões do Cerrado no interior do Brasil, onde a produção de soja começou após a virada do século XXI. A análise fez uso extensivo do Global Yield Gap Atlas desenvolvido anteriormente por Grassini e colegas em Nebraska. O atlas é o banco de dados líder mundial em dados agronômicos de alta qualidade, cobrindo mais de 15 grandes culturas alimentares em mais de 75 países.
“Ao mostrar que é possível produzir mais nas terras agrícolas existentes”, escreveram os cientistas, “este estudo de pesquisa está trazendo soluções reais para a mesa e pode ter um impacto enorme para ajudar o Brasil a produzir mais, protegendo o meio ambiente”.
O sucesso no objetivo duplo
de intensificação agrícola e proteção da floresta exigirá instituições fortes,
políticas adequadas e fiscalização para garantir que esses ganhos de
produtividade se traduzam efetivamente em preservação da floresta, advertiu
Grassini. Ainda assim, a abordagem de intensificação pode ajudar a alcançar um
equilíbrio razoável entre a produção agrícola e a proteção de ecossistemas
frágeis.
A equipe de Grassini calculou
três cenários nas quatro regiões-chave: “business as usual”, onde as tendências
existentes continuariam; “sem expansão de terras agrícolas”, onde a conversão
adicional de terras seria proibida; e “intensificação”, onde seriam tomadas
medidas para aumentar os rendimentos, incentivar a segunda safra e concentrar a
produção de gado.
Eles concluíram que a
estratégia de intensificação permitiria ao Brasil realizar 85% da receita bruta
projetada da soja e do milho safrinha, em comparação com as tendências atuais,
reduzindo o aquecimento global do clima em 58%.
O projeto de quatro anos envolveu a colaboração entre a Universidade de Nebraska-Lincoln e universidades no Brasil, incluindo a Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Santa Maria e Universidade de Goiás, bem como a Embrapa, a principal organização de pesquisa agrícola no Brasil. Os coautores do projeto incluíram Juan Pablo Monzon e José F. Andrade, ex-professores assistentes de pesquisa em agronomia e horticultura em Nebraska. O projeto foi financiado pelo Instituto Internacional de Nutrição de Plantas, Fundação de Pesquisa do Estado de São Paulo, Conselho Brasileiro de Pesquisa, Fundação de Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul e Global Engagement Office no Instituto de Agricultura e Recursos Naturais de Nebraska por meio do Programa FAPESP – UNL SPRINT.
Fabio R. Marin, cientista brasileiro que foi o principal autor do artigo junto com o cientista brasileiro Alencar J. Zanon, recebeu apoio financeiro do programa Fulbright para custear uma estadia de seis meses em Nebraska. (ecodebate)