quinta-feira, 31 de março de 2022

Pantanal pode ter temperaturas elevadas em 7ºC até 2100

Pantanal, a maior planície alagada do mundo, corre o risco de, em 2100, ver as suas temperaturas médias anuais elevadas em até 7°C.

Tamanho aumento de temperatura implicaria uma redução sensível no regime de chuvas da região, principalmente no inverno. Tais mudanças climáticas teriam impacto sobre a evaporação da região e a própria existência do Pantanal como o conhecemos.

Essas projeções foram estimadas a partir da aplicação ao Pantanal dos modelos climáticos globais do 5º Relatório de Avaliação (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2014.

O trabalho “Climate Change Scenarios in the Pantanal”, publicado no livro Dynamics of the Pantanal Wetland in South America, é de autoria da equipe do hidrologista e meteorologista José Antonio Marengo Orsini, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em Cachoeira Paulista, e tem apoio da FAPESP e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas que, por sua vez, é apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O Pantanal tem uma área de 140 mil km², 80% da qual fica no Brasil, nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. É uma região semiárida. Não fosse o enorme fluxo anual de água para a região, o bioma seria tão seco quanto a caatinga nordestina. Isso não ocorre porque o Pantanal é um grande reservatório que armazena as águas que escoam dos planaltos circundantes.

Nos meses de novembro a março, na estação chuvosa, os rios transbordam, inundando até 70% da planície. É quando se formam os banhados, os lagos rasos e quando os pântanos incham. Tudo isso faz com que, nas áreas mais elevadas, surjam ilhas de vegetação, um refúgio para os animais. Grandes áreas permanecem inundadas por quatro a oito meses no ano, com uma cobertura de água que varia de uns poucos centímetros até 2 metros.

Durante a estação seca, de abril a setembro, as águas refluem para a calha dos rios e os banhados são parcialmente drenados. As águas antes represadas seguem seu curso através das bacias dos rios Paraguai e Paraná, em direção ao rio da Prata e ao Atlântico Sul. Deixam em seu lugar uma camada de sedimentos férteis que impulsionam o crescimento da vegetação e das pastagens.

Esse é o retrato do Pantanal hoje. Nele caem anualmente entre 1.000 e 1.250 milímetros de chuva. A temperatura média anual é 24°C, sendo que a temperatura máxima, alguns dias no ano atinge 41°C. O que as projeções climáticas de Marengo indicam para o futuro?

O 5º Relatório de Avaliação do IPCC projeta um aumento na temperatura média global em 2100 de 3,7ºC a 4,8°C. Quando seus parâmetros são usados para analisar as variáveis climáticas específicas do Pantanal, o resultado impressiona. Até 2040, as temperaturas médias devem subir de 2ºC a 3°C. Em 2070, o aumento poderá ser de 4ºC a 5°C, atingindo em 2100 uma temperatura média 6°C mais elevada do que a atual.

Embora haja muita incerteza com relação às projeções pluviométricas, os modelos sugerem que, durante o inverno no hemisfério Sul, o Pantanal poderá experimentar uma redução na quantidade de chuva de 30% a 40%.

A associação entre temperaturas mais elevadas e menos chuva implicará um aumento da evaporação no Pantanal. Dependendo da temperatura, volumes consideráveis de água represada poderão desaparecer, o que reduzirá a área total alagada e a quantidade de água nas porções de terra que permanecerão alagadas. “Um aumento da temperatura média de 5ºC a 6°C implicaria em deficiência hídrica, o que afetaria a biodiversidade e a população”, observa Marengo.

As consequências para a fauna e a flora poderão ser severas. Espécies vegetais pouco adaptáveis a um grau de umidade inferior ao atual poderão desaparecer ou migrar para outras regiões. Em seu lugar, germinariam outras espécies, que preferem climas mais secos.

A alteração na vegetação implicaria diretamente as populações de invertebrados e de vertebrados herbívoros, capivaras, antas que delas dependem (mas também o gado das fazendas), numa reação em cadeia que afetaria todos os nichos da cadeia alimentar, até atingir os predadores de topo, como os felinos, os jacarés e as aves de rapina.

Muito embora Marengo faça questão de salientar que as incertezas com relação às mudanças climáticas ainda são elevadas, especialmente no quesito do regime pluviométrico, uma coisa é certa: as temperaturas globais estão aumentando e o mesmo acontecerá no Pantanal.

Como aquela planície alagada fica no centro da América do Sul, portanto longe da influência marítima que poderia ajudar a amenizar o clima, o aumento das temperaturas no Pantanal tende a ser mais dramático. “O dia mais quente do ano pode vir a ser até 10°C mais quente do que hoje”, diz Marengo.

Se atualmente, nos dias mais quentes do verão, a temperatura no Pantanal passa fácil dos 40°C, estamos falando em temperaturas máximas em torno ou superiores aos 50°C. É temperatura de deserto. A maioria das plantas suporta pontualmente um calorão desses. Pontualmente. (ecodebate)

Incêndios florestais causaram ⅓ da perda global de florestas entre 2001 e 2019

Incêndios florestais causaram um terço da perda global de florestas entre 2001 e 2019.
A área de perda florestal relacionada a incêndios está aumentando globalmente, particularmente nas florestas tropicais primárias da África e da América Latina.

Pesquisadores produziram o primeiro mapa global com resolução de 30 m (30 metros de pixel) da perda florestal induzida pelo fogo. O estudo mostra que um terço da perda global de florestas entre 2001 e 2019 foi devido a incêndios, o que é maior do que as estimativas anteriores.

A área de perda florestal relacionada a incêndios está aumentando globalmente, particularmente nas florestas tropicais primárias da África e da América Latina. Os pesquisadores esperam que seu mapa ajude a melhorar a modelagem das taxas futuras de perda de incêndios florestais em vários cenários de crise climática.

Os graves incêndios florestais na Austrália, Califórnia e Brasil nos últimos anos atraíram a atenção do mundo para a ameaça de incêndios florestais. No entanto, faltam dados globais claros e consistentes sobre os tipos e causas de incêndios florestais.

“No caso dos incêndios na Amazônia de 2019, não havia informações claras sobre o que exatamente estava queimando: florestas ou áreas previamente desmatadas que foram convertidas em pastagens e terras agrícolas”, explicou Alexandra Tyukavina, da Universidade de Maryland.

“Até eu, como geógrafo, fiquei apavorado lendo todas as manchetes que pareciam sugerir que o último pedaço da floresta amazônica estava pegando fogo, o que não era verdade.”

Tyukavina e seus colegas tentaram fechar a lacuna de informações em torno dos incêndios florestais, produzindo o primeiro mapa global de perda de floresta devido a incêndios florestais entre 2001 e 2019 (um pixel de 30 metros representa um pedaço quadrado de terra com 30 metros de lado) com resolução de 30 metros. O estudo foi publicado na Frontiers in Remote Sensing.

Mapeando a perda de floresta

A perda florestal foi definida como a remoção da vegetação lenhosa acima de 5 metros de altura. Para mapear com precisão os tipos e os fatores de perda florestal, os pesquisadores distinguiram entre a perda florestal devido a incêndios e a perda florestal devido a outros fatores, como agricultura (desmatamento mecânico de florestas), inundações e furacões.

“Produzimos o mapa global de perda florestal e o atualizamos anualmente desde 2013, mas não atribuímos fatores de perda florestal. Isso significa que não sabíamos exatamente o que acontecia com as florestas (fogo ou remoção mecânica) e não sabíamos se essa perda florestal era temporária (por exemplo, devido à agricultura de derrubada e queimada) ou de longo prazo (desmatamento) ”, disse Tyukavina.

“Essas distinções de diferentes tipos de perda florestal são importantes do ponto de vista da contabilidade de carbono e do manejo da terra.”

O novo mapa mostrou que a proporção da perda global de florestas devido a incêndios entre 2001 e 2019 é de 26% a 29%, maior do que o estimado anteriormente. Ele mostrou aumentos quase consistentes em incêndios florestais em todo o mundo, com florestas boreais tendo a maior proporção de perda de floresta (69%-73%), seguidas por florestas subtropicais (19%-22%), florestas temperadas (17%-21%) e florestas tropicais (6%-9%).

O mapa mostrou um aumento preocupante de incêndios em florestas tropicais primárias da América Latina e África. Florestas primárias são florestas em sua ‘forma final’; totalmente crescido, denso e repleto de biodiversidade. Eles são extremamente importantes para o meio ambiente. Normalmente, os incêndios em florestas tropicais primárias são muito raros.

O mapa como base

“O mapa é anual e não quase em tempo real, por isso não ajudará a monitorar os incêndios florestais em tempo real, mas será útil como uma linha de base histórica sobre as taxas de perda florestal devido ao fogo”, disse Tyukavina.

Os pesquisadores propõem usar o mapa como ferramenta para gestão florestal, desenvolvimento de políticas e programas de conservação e modelagem climática.

“Nosso novo mapa é um bom indicador de onde os incêndios que resultaram na perda do dossel florestal aconteceram nas últimas duas décadas e pode ajudar a orientar futuros estudos em escala nacional, regional e local mais detalhados, ou ajustar escala global mais grosseira. modelos”, concluiu Tyukavina.

Desagregação florestal global de 2001–2019 Hansen et al. (2013) Mapa de perda florestal de 30 m em perda florestal devido ao fogo vs. outros fatores diretos de perda (A) e exemplos dos mapas anuais de perda florestal devido ao fogo: (B) mosaico de incêndios anuais e cortes rasos em as florestas boreais da região de Krasnoyarsk, Rússia; (C) incêndio de 2016 em uma região de extração seletiva de madeira na floresta tropical úmida no norte da República do Congo; (D) 2019 fogo em florestas tropicais secas da Bolívia. O ano da perda florestal devido ao fogo é de Hansen et al. (2013) com atualizações anuais. A área do mapa mostrada como perda de floresta devido ao fogo corresponde à estimativa de área baseada em amostra no nível regional (consulte Materiais e Métodos para detalhes). A imagem de fundo em tons de cinza é o ano 2000 % de cobertura de árvores com preto correspondendo a 0% e branco a 100% de cobertura de árvores. O mapa de perda de floresta global devido ao fogo em toda a extensão do mapa de perda de floresta global por Hansen et al. (2013) está disponível em https://glad.umd.edu/dataset/Fire_GFL/. (ecodebate)

Os mangues estão entre os sistemas naturais mais ameaçados do planeta

Os mangues estão entre os ambientes mais ameaçados do planeta.

Os manguezais são fundamentais para combater as mudanças climáticas e contribuem para os serviços ambientais planetários, diz o diretor do Instituto Peabiru.
Rio de Janeiro – Manguezais da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapi-Mirim e Estação Ecológica da Guanabara, região hidrográfica da Baía de Guanabara, Guapimirim, região metropolitana do Rio de Janeiro.

A revogação de algumas resoluções ambientais pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente – Conama, entre elas a 303/2002, que trata da proteção dos manguezais e faixas de restinga do litoral brasileiro, gerou descontentamento entre os ambientalistas. Isso porque “os mangues estão entre os ambientes mais ameaçados do planeta”, diz João Meirelles à IHU On-Line. Segundo ele, há exemplos de desaparecimentos de mangues em todo o litoral brasileiro. “É casa de praia em cima de mangue, são as cidades crescendo, bois e búfalos destruindo mangues, como no Marajó (PA), a agricultura, as fazendas de camarão no Nordeste… E, com as mudanças climáticas, isto tende a piorar, pois o mar, mesmo que suba alguns centímetros, muda a paisagem rapidamente e o mangue não consegue acompanhar”, diz.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o diretor do Instituto Peabiru, organização sem fins lucrativos cuja missão é valorizar a diversidade cultural e ambiental e apoiar processos de transformação social na Amazônia, explica os serviços ambientais prestados pelos manguezais para a fauna e flora. “Do ponto de vista físico, os mangues criam solo, pois abaixo daquela lama – matéria orgânica em decomposição – em geral, há areia, pobre em qualquer matéria orgânica. Os seres em decomposição se transformam nesta sopa de nutrientes, que será reabsorvida pelos seres vivos, a começar pelas próprias árvores, altamente interessadas nestes minerais trazidos, literalmente, a seus pés”, afirma.

Meirelles também destaca que os mangues alterados têm baixa resiliência para voltarem ao que eram, quando destruídos e, por isso, é fundamental que sejam protegidos por unidades de conservação. “Mas proteger apenas os mangues não é suficiente, pois com o desmatamento dos ambientes no entorno dos manguezais, haverá menos água doce disponível, e, além disso, a areia entupirá as áreas onde era água e mangue, e estes acabam morrendo”, adverte.

João Meirelles é graduado em Administração de Empresas pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo – Eaesp-FGV, é empreendedor social e escritor. Residente em Belém, Pará, trabalha na facilitação e fortalecimento de capacidades humanas de associações de agricultura familiar, pescadores, ribeirinhos, quilombolas e grupos e povos tradicionais da Amazônia Oriental. É autor de, entre outros, Grandes Expedições à Amazônia Brasileira, Vol. I – 1500 a 1930, Vol. II – século XX (São Paulo: Editora Metalivros, 2010) e Ouro da Amazônia (Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 2006). Também integra o Fórum Amazônia Sustentável.

IHU On-Line – Os ambientalistas argumentam que a revogação das Resoluções 302 e 303 do Conama colocará em risco os manguezais da Amazônia. O que são, qual sua importância ambiental e as principais características das áreas de manguezais?

João Meirelles – Em primeiro lugar, os mangues são florestas, tanto é que, antigamente, chamava-se este tipo de paisagem de “floresta de mangue”. Do ponto de vista físico, os mangues criam solo, pois abaixo daquela lama – matéria orgânica em decomposição – em geral, há areia, pobre em qualquer matéria orgânica. Os seres em decomposição se transformam nesta sopa de nutrientes, que será reabsorvida pelos seres vivos, a começar pelas próprias árvores, altamente interessadas nestes minerais trazidos, literalmente, a seus pés.

IHU On-Line – Qual é o impacto ambiental de construir empreendimentos ou permitir o desenvolvimento da agricultura nestas áreas?

João Meirelles – Se os mangues são alterados, aterrando-se para fazer casas, abrir ruas e estradas, derrubando árvores para lenha, jogando lixo, para criação de camarão, empreendimentos turísticos etc… haverá forte impacto local e regional. O mangue, como os demais sistemas naturais, tem limitada capacidade de resistir a mudanças. Na verdade, o mangue tem baixa resiliência, ou seja, sua habilidade de voltar ao que era exige bastante tempo. Assim, se a velocidade da destruição for maior que a capacidade natural de recuperação, teremos um ambiente degradado.

1ª publicação Por isto é fundamental que todos os manguezais sejam protegidos por unidades de conservação. Mas proteger apenas os mangues não é suficiente, pois com o desmatamento dos ambientes no entorno dos manguezais, haverá menos água doce disponível, e, além disso, a areia entupirá as áreas onde era água e mangue, e estes acabam morrendo.

O mangue, como os demais sistemas naturais, tem limitada capacidade de resistir a mudanças – João Meirelles.

IHU On-Line – Qual é a situação ambiental dos mangues hoje?

João Meirelles – Os mangues estão entre os ambientes mais ameaçados do planeta. Temos exemplos de desaparecimento de mangues em todo o litoral brasileiro: é casa de praia em cima de mangue, são as cidades crescendo, bois e búfalos destruindo mangues, como no Marajó, a agricultura, as fazendas de camarão no Nordeste… E, com as mudanças climáticas, isto tende a piorar, pois o mar, mesmo que suba alguns centímetros, muda a paisagem rapidamente e o mangue não consegue acompanhar.

Isto já está ocorrendo, não se trata de um fenômeno a ocorrer, é um fato medido cientificamente. E, entre as regiões mais impactadas, estão os manguezais do Norte do Brasil. Importante considerar que a maior parte das espécies de peixes marinhos depende, de alguma forma, dos manguezais para a sua procriação ou alimentação. Esses prestam-se como local de vida, reprodução e refúgio para centenas de espécies de moluscos, crustáceos e aves, entre outros animais. E sem falar que os mangues são um anteparo para as fortes marés e protegem o continente da erosão. Nos mangues do Norte do Brasil, estão alguns dos manguezais mais ricos do mundo em termos de diversidade de espécies animais.

A maior parte das espécies de peixes marinhos depende, de alguma forma, dos manguezais para a sua procriação ou alimentação – João Meirelles.

Associado ao mangue estão as praias, os campos gramados, que se chamam de campos apicum, e outras paisagens de transição. O Museu Goeldi, como parte do projeto Casa da Virada, em parceria com o Instituto Peabiru identificou um novo tipo de paisagem associado ao ecossistema – a “Mata Amazônica Atlântica”. É uma “mata amazônica” que fica na beira do Oceano Atlântico, daí seu nome. O que caracteriza esta paisagem é a presença de determinadas espécies de árvores, como o bacurizeiro e o umirizeiro. Tanto estas como outras paisagens estão desprotegidas, ameaçadas.

Nos mangues do Norte do Brasil, estão alguns dos manguezais mais ricos do mundo em termos de diversidade de espécies animais – João Meirelles

IHU On-Line – Como estão os mangues da faixa contínua na Amazônia?

João Meirelles – Para as organizações científicas e ambientalistas, os manguezais do Pará e Amapá estão entre os mais bem preservados do planeta. Estariam, também, entre os mais biodiversos em termos da vida marinha, abrigando grande diversidade de moluscos, peixes, camarões, caranguejos, além de avifauna e mamíferos marinhos.

As autoridades ambientais deveriam propor como conservar os manguezais, expandindo unidades de conservação, criando corredores ecológicos e protegendo os ambientes que precisam ser urgentemente restaurados. Cada metro quadrado de manguezal é fundamental para combater mudanças climáticas, manter a vida marinha e costeira e contribuir para os serviços ambientais planetários. (ecodebate)

terça-feira, 29 de março de 2022

O perfil do eleitorado brasileiro por idade e sexo em 2020

O que os dados mostram é que o eleitorado brasileiro está ficando mais envelhecido e mais feminino.

As mulheres brasileiras conquistaram o direito de voto em 1932. Porém, mesmo sendo maioria da população, continuaram minoria do eleitorado até a virada do século. O gráfico abaixo mostra que, em 1974, mais de quatro décadas depois da conquista do direito de voto, as mulheres ainda eram apenas um terço do eleitorado (24 milhões de eleitores homens e 12 milhões de eleitoras mulheres). Mas a diferença de gênero foi diminuindo e, em 1998, houve empate, com cerca de 53 milhões de eleitores para cada sexo.

Todavia, nas eleições do ano 2000, pela primeira vez, as mulheres superaram os homens no número de eleitores registrados. Nos anos seguintes, as mulheres ampliaram o superávit feminino no registro eleitoral e ultrapassaram os homens em 7,7 milhões de eleitores em 2020 (dados de agosto). Houve seja, houve reversão do hiato de gênero, com as mulheres sendo minoria do eleitorado no século XX e sendo uma maioria crescente no século XXI.
Além da feminilização, outra característica do perfil demográfico dos eleitores é o envelhecimento do eleitorado, isto é, uma diminuição do peso dos jovens e um aumento da proporção de idosos. Assim, o eleitorado grisalho terá um peso decisivo crescente a cada eleição.

Em 1992, o percentual de eleitores de 16 a 24 anos era de 23,8% e o percentual de eleitores idosos (60 anos e mais) era de 10,5%. Portanto, o peso dos jovens era mais do dobro do peso dos idosos. Mas esta diferença veio mudando e a partir de 2014 os idosos superaram os jovens. Em 2020, o percentual de jovens caiu para 13,5% e o percentual de idosos subiu para 20,4%.

Os dados do Tribunal Superior Eleitoral, de agosto de 2020, indicam um eleitorado total de 150,5 milhões de pessoas, sendo 20,3 milhões de jovens (representando 13,5% do eleitorado) e 30,6 milhões de idosos (representando 20,4% do eleitorado). Portanto, o número de idosos aptos a votar superará em quase 7 milhões o número de jovens. A tendência é que o processo de envelhecimento seja ainda mais acentuado em 2022, nos 200 anos da Independência do Brasil.

Cabe ressaltar que o poderio eleitoral do total de idosos será acompanhado pelo maior peso proporcional das mulheres idosas. O gráfico abaixo mostra que a percentagem de mulheres no eleitorado era de 49,2% em 1992, sendo que o sexo feminino tinha menos de 50% em todos os grupos etários. Mas em 2006, as mulheres já eram 51,5% do eleitorado e eram maioria em todos os grupos etários. Nas eleições de 2020, o peso feminino chegou a 52,5% do total do eleitorado e as mulheres ampliaram a vantagem em todos os grupos etários, por exemplo, chegando a 53,9% no grupo etário 60-69 anos e a 55,9% no grupo etário 70 anos e mais. Portanto, é cada vez maior o peso proporcional das mulheres com mais de 30 anos (balzaquianas) no eleitorado brasileiro.

Evidentemente, o envelhecimento ocorre de maneira diferenciada nas diversas Unidades da Federação (UF). O gráfico abaixo mostra a percentagem de jovens e idosos nas 4 UFs que possuem um eleitorado com uma estrutura etária mais envelhecida: Rio de Janeiro com 25,3% de idosos, Rio Grande do Sul com 25%. Minas Gerais com 22,7% e São Paulo com 21,8%, todos mais envelhecidos do que a média do Brasil (com 20,4% de idosos). O Amapá (AP) é a UF com um eleitorado mais rejuvenescido do país, sendo 19,8% de jovens de 16 a 24 anos e somente 11,4% de idosos.

O gráfico abaixo mostra que o Rio de Janeiro é a UF com maior percentagem de mulheres no eleitorado (53,8%), seguido de São Paulo (52,9%). O Rio Grande do Sul está empatado com a média do Brasil (52,5%), Minas Gerais tem 52,1% e o Amapá tem 51,2% de mulheres.

O que todos estes dados mostram é que o eleitorado brasileiro está ficando mais envelhecido e mais feminino. Aliás, as mulheres reverteram o hiato de gênero na educação e são maioria em todos os níveis educacionais.

Nas Olimpíadas de Pequim, 2008 e de Londres, 2012, conquistaram 2 das 3 medalhas de ouro trazidas ao Brasil. A participação feminina no mercado de trabalho aumentou muito nas últimas décadas.

Mas nos espaços de poder a participação feminina ainda é muito baixa e o déficit democrático de gênero no Poder Legislativo não reflete o avanço social do “segundo sexo” no Brasil.

As eleições de 2020 podem contribuir para reduzir as desigualdades de gênero e garantir maior inserção feminina na política municipal. (ecodebate)

O declínio demográfico da Ucrânia

A Ucrânia é um país que tem sofrido muito com as guerras e isto tem afetado a dinâmica demográfica do país.

O Brasil e a Ucrânia tinham aproximadamente o mesmo tamanho de população em 1920, em torno de 30 milhões de habitantes. Mas em, 2020 o Brasil já tinha mais de 210 milhões de pessoas e a Ucrânia cerca de 42 milhões de habitantes. Portanto, a Ucrânia passou a ter uma população 5 vezes menor do que a brasileira.

A pirâmide por sexo e idade da Ucrânia de 1950 mostra de maneira clara o impacto das duas grandes Guerras Mundiais. O número de homens de 30 anos e mais é bem menor do que o número de mulheres, refletindo a sobre mortalidade masculina que ocorreram nas duas guerras. O dente apresentado no grupo etário 30-35 anos reflete a queda da natalidade que ocorreu durante a 1ª Guerra Mundial. A redução do tamanho dos grupos 0-4 e 5-9 anos reflete a redução da natalidade durante a 2ª Guerra Mundial.
Já a pirâmide de sexo e idade de 2020, mostra que houve uma grande redução da natalidade nos últimos 30 anos (1990-2020), período pós-fim da União Soviética. Ou seja, as taxas de fecundidade caíram muito depois do fim da URSS e ficaram muito abaixo do nível de reposição. Em consequência, os grupos etários mais jovens estão ficando cada vez menores e as novas gerações são numericamente inferiores em relação às velhas gerações.
O gráfico abaixo, também da Divisão de População da ONU, mostra que a população da Ucrânia já vem caindo desde 1990, quando atingiu o pico populacional de 52 milhões de habitantes. Em 2020 a população ucraniana já estava perto de 42 milhões de habitantes, representando uma queda de 10 milhões de pessoas no período. Para 2100 as projeções (realizadas em 2019) apontavam para uma população de cerca de 25 milhões de habitantes.
Mas com a pandemia e com a guerra o impacto demográfico vai ser muito maior e o declínio populacional será aprofundado. Os dados oficiais mostram que a covid-19 provocou a morte de 107 mil ucranianos, além de ter provocado uma queda ainda maior da fecundidade, como tem acontecido na maioria dos países.

Mas o pior tem acontecido após a invasão russa de fevereiro de 2022, pois além de aumentar a mortalidade e diminuir a natalidade, a guerra tem provocado a maior e mais rápida emigração em massa da história moderna. Estima-se uma emigração de pelo menos 5 milhões de ucranianos até o final de março de 2022. Não se sabe quando e quantos voltarão.

Isto significa que a redução populacional da Ucrânia será maior do que a projeção apresentada. A Divisão de População da ONU deve divulgar novos números até junho de 2022. Os valores futuros são incertos. Mas o que se pode dizer com alto grau de certeza é que a população ucraniana vai continuar diminuindo e que o declínio deve se acelerar nesta década devido à agressão inapropriada provocada por Vladimir Putin contra a soberania da Ucrânia. (ecodebate)

A agricultura convencional mata o solo e afeta as mudanças climáticas

A expansão das atividades agrícolas — quase sempre associada à devastação das florestas que têm maior importância na regulação climática — tem consequências que se fazem sentir cada vez mais

A agricultura convencional mata o solo.

“Mais importante do que ser multidisciplinar é ser não-disciplinar, isto é, integrar e dissolver as “disciplinas” em um saber amplo e articulado, sem fronteiras artificiais e domínios de egos”, afirma o cientista do CCST/Inpe.

O conhecimento científico não pode cegar a complexa relação entre os inúmeros ecossistemas presentes no planeta. “Tal abordagem gera soluções autistas que não se comunicam, tumores exuberantes cuja expansão danifica tudo que está em volta. Assim, a tecnociência olha o mundo com um microscópio grudado em seus olhos, vê pixel, mas ignora a paisagem”, afirma Antonio Donato Nobre, cientista do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – CCST/Inpe.

“A maior parte da agricultura tecnificada adotada pelo agronegócio é pobre em relação à complexidade natural. Ela elimina de saída a capacidade dos organismos manejados de interferir beneficamente no ambiente, introduzindo desequilíbrios e produzindo danos em muitos níveis”, analisa, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Para Nobre, a saída não é abandonar a ciência e a tecnologia produtiva de alimentos, mas sim associá-las e integrá-las a sistemas complexos de vidas em ecossistemas do Planeta. É entender, por exemplo, que a criação de áreas de plantio e produção agropecuária impactarão na chamada “equação do clima”. “É preciso remover os microscópios dos olhos, olhar o conjunto, perceber as conexões e, assim, aplicar o conhecimento de forma sábia e benéfica”, aponta.

Antonio Donato Nobre é cientista do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – CCST/INPE, autor do relatório O Futuro Climático da Amazônia, lançado no final de 2014.

Tem atuado na divulgação e popularização da ciência, em temas como a Bomba biótica de umidade e sua importância para a valorização das grandes florestas, e os Rios Aéreos de vapor, que transferem umidade da Amazônia para as regiões produtivas do Brasil.

Foi relator nos estudos sobre o Código Florestal promovidos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC e Academia Brasileira de Ciências. Possui graduação em Agronomia pela Universidade de São Paulo, mestrado em Biologia Tropical (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e é PhD em Earth System Sciences (Biogeochemistry) pela University of New Hampshire.

Atualmente é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e pesquisador Visitante no Centro de Ciência do Sistema Terrestre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

IHU On-Line – Quais os impactos da produção agrícola nas mudanças climáticas? Quais os riscos que o modelo do agronegócio (baseado nas grandes propriedades e produção em larga escala de uma só cultura por vez) representa?

Antonio Donato Nobre – A ocupação desordenada das paisagens produz pesados impactos no funcionamento do sistema de suporte à vida na Terra. A expansão das atividades agrícolas — quase sempre associada à devastação das florestas que têm maior importância na regulação climática — tem consequências que se fazem sentir cada vez mais, e serão devastadoras se não mudarmos a prática da agricultura.

A natureza, ao longo de bilhões de anos, evoluiu um sofisticadíssimo sistema vivo de condicionamento do conforto ambiental. Biodiversidade é o outro nome para competência tecnológica na regulação climática. A maior parte da agricultura tecnificada adotada pelo agronegócio é pobre em relação à complexidade natural. Ela elimina de saída a capacidade dos organismos manejados de interferir beneficamente no ambiente, introduzindo desequilíbrios e produzindo danos em muitos níveis.

IHU On-Line – Como aliar agricultura e pecuária à preservação de florestas e outros ecossistemas? Como o novo Código Florestal  brasileiro se insere nesse contexto?

Antonio Donato Nobre – Extensa literatura científica mostra muitos caminhos para unir com vantagens agricultura, criação de animais e a preservação das florestas e de outros importantes ecossistemas. Esse conhecimento disponível assevera não haver conflito legítimo entre proteção dos ecossistemas e produção agrícola. Muito ao contrário, a melhor ciência demonstra a dependência umbilical da agricultura aos serviços ambientais providos pelos ecossistemas nativos.

Em 2012, contrariando a vontade da sociedade, o congresso revogou o código florestal de 1965. A introdução de uma nova lei florestal lasciva e juridicamente confusa já está produzindo efeitos danosos, como aumentos intoleráveis no desmatamento e a eliminação da exigência, ou o estímulo à procrastinação, no que se refere à recuperação de áreas degradadas. Mas a proteção e recuperação de florestas tem direto impacto sobre o regime de chuvas.

Incrível, portanto, que a agricultura, atividade que primeiro sofrerá com o clima inóspito que já bate às portas do Brasil, tenha sido justamente aquela que destruiu e continua destruindo os ecossistemas produtores de clima amigo. Enquanto estiver em vigor essa irresponsável e inconstitucional nova lei florestal, a degradação ambiental somente vai piorar.

IHU On-Line – De que forma o conhecimento mais detalhado sobre as formas de vida, e a relação entre elas, em florestas, como a amazônica, pode inspirar formas mais eficientes de produção de alimentos e, ao mesmo tempo, minimizar impactos ambientais?

Antonio Donato Nobre – A biomimética é uma nova área da tecnologia que copia e adapta soluções engenhosas encontradas pelos organismos para resolver desafios existenciais. Janine Benyus, a pioneira popularizadora desse saber, antes ignorado, costuma dizer que os designs encontrados na natureza são resultados de 3,8 bilhões de anos de evolução tecnológica. Durante esse tempo, somente subsistiram soluções efetivas e eficazes, que de saída determinaram a superioridade da tecnologia natural.

Ora, a agricultura precisa redescobrir a potência sustentável e produtiva que é o manejo inteligente de agroecossistemas inspirados nos ecossistemas naturais, ao invés de se divorciar deste vasto campo de conhecimento e soluções, como fez com seus agrossistemas empobrecidos, envenenados e que exploram organismos geneticamente aberrantes.

IHU On-Line – Qual o papel do solo na “composição da equação do clima” no planeta? Em que medida o desequilíbrio do solo pode influenciar nas mudanças climáticas?

Antonio Donato Nobre – Microrganismos e plantas têm incrível capacidade para adaptar-se ao substrato, seja solo, sedimento ou mesmo rocha. Essa adaptação gera simultaneamente uma formação e condicionamento do substrato, o que o torna fértil para a vida vicejar ali. O metabolismo dos ecossistemas, incluindo sua relação com o substrato, tem íntima relação com os ciclos globais de elementos químicos. A composição e funcionamento da atmosfera depende, para sua estabilidade dinâmica, portanto, para o conforto e favorecimento da própria vida, do funcionamento ótimo dos ecossistemas naturais.

Na equação do clima, os ecossistemas são os órgãos indispensáveis que geram a homeostase  ou equilíbrio planetário. A agricultura convencional extermina aquela vida que tem capacidade regulatória, mata o solo, fator chave para sua própria sustentação, e introduz de formas reducionistas e irresponsáveis nutrientes hipersolúveis, substâncias tóxicas desconhecidas da natureza e organismos que podem ser chamados de Frankensteins genéticos.

Todos estes insumos tornam as monoculturas do agronegócio sem qualquer função reguladora para o clima, e muito pior, devido à pesada emissão de gases-estufa e perturbações as mais variadas nos ciclos globais de nutrientes, a agricultura tecnificada é extremamente prejudicial para a estabilidade climática.

IHU On-Line – Desde a perspectiva do antropoceno , como avalia a relação do ser humano com as demais formas de vida do planeta hoje? Qual o papel da tecnologia e da ciência nessa relação?

Antonio Donato Nobre – Esta nova era foi batizada de antropoceno porque os seres humanos tornaram-se capazes de alterações massivas na delgada película esférica que nos permitiu a existência e nos dá abrigo. O maior drama da ocupação humana do ambiente superficial da Terra é que tal capacidade está destruindo o sistema de suporte à vida, sistema esse dependente 100% de todas demais espécies as quais o ser humano tem massacrado em sua expansão explosiva.

Infelizmente, na expansão do antropoceno, o conhecimento científico tem sido apropriado de forma gananciosa por mentes limitadas e arrogantes, e empregado no desenvolvimento sinistro de tecnologias e engenharias que por absoluta ignorância tornaram-se incapazes de valorizar o capital natural da Terra. Este comportamento autodestrutivo tem direta relação com a visão de ganho em curto prazo e a ilusão de poder auferida na aplicação autista de agulhas tecnológicas.

IHU On-Line – Em que medida a aproximação entre ciência e saberes indígenas pode contribuir para um novo caminho em termos de preservação do planeta e produção de alimentos?

Antonio Donato Nobre – Cada pesquisador sincero, inteligente e com mente aberta deve reconhecer a máxima milenar da sabedoria socrática: “somente sei que nada sei”. O conhecimento verdadeiro e sem limites internos impõe uma postura sóbria e humilde diante da enormidade da complexidade do mundo e da natureza. Hoje, a ciência mais avançada dá inteiro e detalhado suporte ao saber ancestral de sociedades tribais, que perduraram por milênios. Descer do salto alto da arrogância que fermentou graças ao individualismo permitirá reconhecer essa sabedoria básica de sustentabilidade, preservada no saber indígena.

Para a ciência, a aprender com o saber nativo está a veneração pela sabedoria da Mãe Terra; a intuição despretensiosa que capta o essencial da complexidade em princípios simples e elegantes; e sua capacidade holística e lúdica de articular a miríade de componentes do ambiente em uma constelação coerente e funcional de elos significativos.

IHU On-Line – De que forma a tecnociência e a tecnocracia impactam na forma de observar o planeta? O que isso significa para a humanidade?

Antonio Donato Nobre – A ciência é esta fascinante aventura humana na busca do conhecimento, evoluída aceleradamente a partir do renascimento na Europa. Muitas são suas virtudes e incríveis suas aplicações. No entanto, tais brilhos parecem infelizmente vir acompanhados quase sempre de alucinantes danos colaterais, nem sempre reconhecidos como tal. Na ciência, que gera o conhecimento básico; na tecnologia, que aplica criativamente esse conhecimento; e na engenharia, que transforma conhecimento em realidade, grassa uma anomalia reducionista que permite a hipertrofia de soluções pontuais, desconectadas entre si e do conjunto.

Tal abordagem gera soluções autistas que não se comunicam, tumores exuberantes cuja expansão danifica tudo que está em volta. Assim, a tecnociência olha o mundo com um microscópio grudado em seus olhos, vê pixel, mas ignora a paisagem. Abre caminhos para que ânimos restritos se apropriem de conhecimentos parciais e destruam o mundo. É preciso remover os microscópios dos olhos, olhar o conjunto, perceber as conexões e, assim, aplicar o conhecimento de forma sábia e benéfica.

IHU On-Line – De que forma conceitos como a Ecologia Integral, presentes na Encíclica Laudato Si’, do papa Francisco, contribuem para o desenvolvimento de uma visão sistêmica do ser humano sobre o planeta? Qual a importância de uma perspectiva multidisciplinar acerca da temática ambiental?

Antonio Donato Nobre – Ecologia Integral deve significar o que o nome diz. Aliás, se não for integral não pode ser denominada ecologia.

Isso porque na natureza não existe isolamento, cada partícula, cada componente, cada organismo e cada sistema interage com os demais, sob o sábio comando das leis fundamentais. Por isso a ação humana pode gerar um acorde harmonioso na grande sinfonia universal, ou — se desrespeitar as leis — tornar-se fonte de perturbação e destruição.

Mais importante do que ser multidisciplinar é ser não-disciplinar, isto é, integrar e dissolver as “disciplinas” em um saber amplo e articulado, sem fronteiras artificiais e domínios de egos. A ciência verdadeira é aquela oriunda do livre pensar, do profundo sentir e do intuir espontâneo. A busca da verdade está ao alcance de todas as pessoas, não é nem deveria ser território exclusivo dos iniciados na ciência. Todos somos dotados da capacidade de inquirir e temos como promessa de realização o dom da consciência. Cientistas são facilitadores, e como tal deveriam servir aos semelhantes com boa vontade, iluminando o caminho do conhecimento, guiando na direção do saber.

IHU On-Line – Como avalia a agroecologia no Brasil hoje? O que a ciência e a tecnologia oferecem em termos de avanços para esse campo?

Antonio Donato Nobre – Agroecologia, agrofloresta sintrópica, sistemas agroflorestais, agricultura biodinâmica, trofobiose, agricultura orgânica, agricultura sustentável etc. compõem um rico repertório de abordagens que convergem na aspiração de emular em agroecossistemas a riqueza e funcionamento dos ecossistemas naturais. Uma parte dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos autistas de até então pode ser aproveitada para essa nova era de agricultura produtiva, iluminada, respeitadora, harmônica e saudável.

É preciso, porém, que o isolamento acabe, que os conhecimentos sejam transparentes, integrados, articulados, simplificados e recolocados em perspectiva. Se as agulhas tecnológicas foram danosas, como os transgênicos, por exemplo, ainda assim serão úteis para sabermos o que “não” fazer. Na compreensão em detalhe das bases moleculares da vida, abrindo portais para consciência sobre a complexidade astronômica existente e atuante em todos os organismos, a humanidade terá finalmente a prova irrefutável para o acerto das abordagens holísticas e ecológicas.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Antonio Donato Nobre – É preciso iluminar e revelar a imensa teia de mentiras criada em torno da revolução verde com seus exuberantes tumores tecnológicos. As falsidades suportadas por corporações, governos, mídia e educação bitoladora desde a mais tenra idade, implantaram um sistema mundial de dominação que, literalmente, enfia goela abaixo da humanidade um menu infernal de alimentos portadores de doenças.

Esse triunfante modelo de negócio não se contenta em somente alimentar mal, o faz via quantidades crescentes de produtos animais, os quais requerem imensas áreas e grandes quantidades de água e outros insumos para serem produzidos.

Com isso a pegada humana no planeta torna-se destrutiva e insuportável, e a consequência já se faz sentir no clima como falência múltipla de órgãos. Apesar disso, creio que ainda temos uma pequena chance de evitar o pior se, como humanidade, dermos apoio irrestrito para a busca da verdade.

Precisamos de uma operação Lava Jato no campo, e a ciência tem todas as ferramentas para apoiar esse esforço de sobrevivência. (ecodebate)

domingo, 27 de março de 2022

Impactos das mudanças climáticas na economia brasileira

Especialistas explicam como as mudanças climáticas podem trazer prejuízos na agricultura, pecuária, geração de energia e, consequentemente, ao Produto Interno Bruto.
Reduzir a emissão de poluentes na atmosfera, diminuir os impactos à biodiversidade e ao clima e intensificar ações de preservação ambiental para garantir que a economia brasileira prospere nas próximas décadas. Esse é o caminho apontado por pesquisadores da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza. Sem essa preocupação estratégica, tudo indica que haverá impacto da produção agropecuária e industrial, com produtos ainda mais caros para a população. É possível, contudo, adotar medidas para que as consequências do aquecimento global não prejudiquem o setor econômico do país.

O climatologista Carlos Nobre, doutor pelo Massachusetts Institute of Technology e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, alerta que caso o Acordo de Paris, que visa frear as emissões de gases de efeito estufa no contexto do desenvolvimento sustentável, não seja cumprido, o Brasil deixaria em pouco tempo de ser a potência agrícola que é hoje.

“Se a temperatura subir entre 3°C e 4°C, o Brasil não terá mais condições de manter uma expressiva produção agrícola. Talvez apenas a Região Sul tenha alguma condição. A pecuária também vai cair muito”, afirma Nobre. O Brasil sofreria, portanto, impactos significativos na produção de alimentos e, por consequência, nas exportações.

O secretário-executivo do Observatório do Clima e membro da Rede de Especialistas, Carlos Rittl, ressalta que pode ocorrer uma mudança na geografia agrícola do país pela perda de aptidão de solos agrícolas a determinadas culturas devido às mudanças nos padrões de temperatura e pluviosidade a geográfica agrícola brasileira. “Algumas regiões terão perda de aptidão para diferentes culturas, gerando até a inviabilidade de produção. Há casos de produtores de café em Minas Gerais que já estão migrando para outros cultivos”, relata.

Com a agricultura e a pecuária sofrendo os impactos decorrentes do aquecimento global, o PIB brasileiro também será afetado. O agronegócio representa cerca de 23% do PIB nacional. Seria, portanto, um círculo vicioso que afetará toda a sociedade. Como consequência da escassez de produção agrícola, os preços das mercadorias em supermercados e feiras deverão se tornar mais caros para o consumidor final e perda de competitividade nos mercados internacionais.

A alteração climática gerará ainda outros impactos. Um deles é que terá maior tendência em aumentar o fluxo migratório de pessoas que deixarão o interior para morar em capitais. Afinal, com a produção agrícola em queda, as pessoas buscarão outras fontes de renda. “Este êxodo rural tem uma série de implicações, inclusive para a capacidade das cidades de oferecer serviços públicos adequados para aqueles que fogem das regiões cujo clima se tornou impróprio para a subsistência das famílias”, ressalta Rittl.

Ainda conforme Rittl, a possibilidade de escassez de água é outro efeito que merece atenção. “Além de afetar diretamente a população, a falta de água impacta setores econômicos importantes, como a produção de alimentos e a geração de energia. A agricultura brasileira consome cerca de 2/3 da água produzida no país. E as hidrelétricas dependem das chuvas que abastecem os rios que movem as turbinas. Em determinados cenários, há rios da Amazônia, onde se planeja a construção de grandes hidrelétricas que podem perder 30% ou mais da vazão pela perda de chuvas em suas bacias. Isto torna os empreendimentos inviáveis”, ressalta. Para compensar os baixos reservatórios, usinas termoelétricas serão mais acionadas, gerando mais poluentes e mais caras para operar. “Hoje, quando os reservatórios das hidrelétricas, estão em baixa, são acionadas termelétricas que emitem gases de efeito estufa, agravando o problema do aquecimento global, e que têm um custo elevado para as famílias e para a economia” completa o especialista.
Saúde

A saúde é outra área que terá impacto decorrente da mudança climática e ambiental. Quanto mais emissão de poluentes, mais pessoas ficarão doentes, especialmente crianças e idosos. “Temperaturas muito elevadas podem gerar graves problemas de saúde para a população, em especial os mais idosos e bebês, em especial doenças cardiorrespiratórias”. Mas as doenças transmitidas por mosquitos, como zika, dengue, Chikungunya, febre amarela e malária, entre outras, podem ter sua área de ocorrência ampliada e levar a muito mais casos. Além disso, a falta ou o excesso de chuvas leva ao consumo de água impropria ou contaminada pela população, o que aumenta os riscos de outras doenças. “Além do impacto para a saúde do ser humano, os custos para a saúde pública também irão aumentar”, afirma Rittl.

Adaptação

A mudança climática já é uma realidade. Para isso, é necessário que haja um processo de adaptação. Uma das estratégias, como explana Nobre, é a restauração florestal. “As árvores são essenciais para retirar o excesso de gás carbônico que produz o aquecimento global pelo efeito estufa da atmosfera”, afirma. Além disso, estudos recentes confirmam que a restauração florestal em bacias hidrográficas é uma estratégia para garantir a segurança hídrica e reduzir os custos com o tratamento da água. Nesse caminho, é fundamental o Brasil cessar o processo de desmatamento.

Outro ponto que Nobre ressalta é a necessidade de uma redução na emissão de poluentes na atmosfera. Para tanto, a matriz energética e o transporte devem ser revistos. “Para o transporte a saída é utilizar carros, caminhões e ônibus movidos à eletricidade. O Brasil está atrasado neste sentido. Mas isso irá acontecer no país”, afirma. Atualmente, a maioria dos meios de transporte no Brasil usa gasolina ou diesel, que emitem gás carbônico e vários poluentes que impactam a saúde.

Ele também acredita ser fundamental apostar em fontes de energia renováveis, como a solar e a eólica. “O Brasil tem potencial para isso. As usinas hidrelétricas existentes funcionariam como uma espécie de enorme bateria que seria acionada quando necessário. É preciso apostar nisso até chegar a condição que todas as pessoas tenham uma pequena usina em casa, gerando sua própria energia elétrica”, aponta Nobre. Isso já é realidade para cerca de 40 mil brasileiros, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). (ecodebate)

Mudança climática é real; Entenda a emergência climática

A mudança climática é real e as atividades humanas, em grande parte a liberação de gases poluentes da queima de combustíveis fósseis é a principal causa.

Os fatos que você precisa saber sobre a Emergência Climática:

A ciência das mudanças climáticas está bem estabelecida:

• A mudança climática é real e as atividades humanas são a principal causa. (IPCC)

• A concentração de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre está diretamente ligada à temperatura média global da Terra. (IPCC)

• A concentração tem aumentado continuamente, e com ela as temperaturas globais médias, desde a época da Revolução Industrial. (IPCC)

• O gás de efeito estufa mais abundante, responsável por cerca de dois terços dos gases de efeito estufa, o dióxido de carbono (CO2), é em grande parte o produto da queima de combustíveis fósseis. (IPCC)

O IPCC foi estabelecido pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para fornecer uma fonte objetiva de informações científicas sobre as mudanças climáticas. Em 2013, o IPCC forneceu um relatório globalmente revisado por pares sobre o papel das atividades humanas na mudança climática quando lançou seu Quinto Relatório de Avaliação.

O relatório foi categórico em sua conclusão: a mudança climática é real e as atividades humanas, em grande parte a liberação de gases poluentes da queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás), é a principal causa.

Quais são os efeitos e impactos das mudanças climáticas?

Os impactos de um aumento de 1,1°C estão aqui hoje no aumento da frequência e magnitude de eventos climáticos extremos de ondas de calor, secas, inundações, tempestades de inverno, furacões e incêndios florestais. (IPCC)

• A temperatura média global em 2019 era 1,1°C acima do período pré-industrial, de acordo com a OMM.

• 2019 concluiu uma década de calor global excepcional, recuo do gelo e níveis recordes do mar devido aos gases de efeito estufa produzidos pelas atividades humanas. (OMM)

• As temperaturas médias para os períodos de cinco anos (2015-2019) e dez anos (2010-2019) são as mais altas já registradas. (OMM)

• 2019 foi o segundo ano mais quente já registrado. (OMM)

• O total anual de emissões globais de gases de efeito estufa atingiu seus níveis mais altos em 2018, sem sinais de pico. (EGR, 2019).

• Com base nos insuficientes compromissos globais de hoje para reduzir as emissões de poluentes climáticos, as emissões estão a caminho de atingir 56 Gt CO2 e até 2030, mais do que o dobro do que deveriam. (EGR, 2019)

O que precisamos fazer para limitar o aquecimento global e agir sobre as mudanças climáticas?

• Para evitar o aquecimento além de 1,5°C, precisamos reduzir as emissões em 7,6% a cada ano deste ano até 2030. (EGR, 2019)

• Há 10 anos, se os países tivessem agido com base nessa ciência, os governos teriam de reduzir as emissões em 3,3% ao ano. A cada ano que deixamos de agir, o nível de dificuldade e custo para reduzir as emissões aumenta. (EGR, 2019)

• As nações concordaram com um compromisso juridicamente vinculativo em Paris para limitar o aumento da temperatura global a não mais do que 2°C acima dos níveis pré-industriais, mas também ofereceram promessas nacionais de reduzir ou reduzir suas emissões de gases de efeito estufa até 2030. Isso é conhecido como Acordo de Paris. As promessas iniciais de 2015 são insuficientes para cumprir a meta, e os governos devem revisar e aumentar essas promessas como um objetivo principal neste ano de 2020.

• Os compromissos atualizados do Acordo de Paris serão revisados na conferência sobre mudança climática conhecida como COP 26 em Glasgow, Reino Unido, em novembro de 2021. Esta conferência será a reunião intergovernamental mais importante sobre a crise climática desde que o acordo de Paris foi aprovado em 2015.

• O sucesso ou não desta conferência terá consequências graves para o mundo. Se os países não chegarem a um acordo sobre promessas suficientes, em mais 5 anos, a redução de emissões necessária saltará para quase 15,5% a cada ano. A improbabilidade de atingir essa taxa muito mais acentuada de descarbonização significa que o mundo enfrenta um aumento da temperatura global que ultrapassará 1,5°C. Cada fração do aquecimento adicional acima de 1,5°C trará impactos cada vez maiores, ameaçando vidas, fontes de alimentos, meios de subsistência e economias em todo o mundo.

• Os países não estão no caminho certo para cumprir as promessas que fizeram.

• Compromissos aumentados podem assumir muitas formas, mas no geral devem servir para mudar países e economias para um caminho de descarbonização, estabelecendo metas de carbono zero líquido e cronogramas de como atingir essa meta, mais tipicamente por meio de uma rápida aceleração da energia proveniente de fontes renováveis e desaceleração rápida da dependência de combustíveis fósseis.

Por que 1,5°C é importante?

Embora ainda haja sérios impactos climáticos a 1,5°C, este é o nível que os cientistas dizem estar associado a impactos menos devastadores do que níveis mais elevados de aquecimento global. Cada fração do aquecimento adicional além de 1,5°C trará impactos piores, ameaçando vidas, meios de subsistência e economias.

• A 1,5°C, mais de 70% dos recifes de coral morrerão, mas a 2°C, todos os recifes acima de 99% serão perdidos.

• Os insetos, vitais para a polinização de safras e plantas, têm probabilidade de perder metade de seu habitat a 1,5°C, mas isso se torna quase o dobro a 2°C.

• O Oceano Ártico estando completamente livre de gelo marinho no verão teria uma probabilidade de uma vez por século a 1,5°C, mas isso salta para uma probabilidade de uma década a 2°C.

• Mais de 6 milhões de pessoas vivem atualmente em áreas costeiras vulneráveis ao aumento do nível do mar em 1,5°C e, a 2°C, isso afetaria mais 10 milhões de pessoas até o final deste século.

• A elevação do nível do mar será 100 centímetros maior a 2°C do que a 1,5°C.

• A frequência e a intensidade das secas, tempestades e eventos climáticos extremos são cada vez mais prováveis acima de 1,5°C.
(ecodebate)

Importância dos Territórios Indígenas na mitigação das mudanças climáticas

Em um estudo recente na PLOS ONE, pesquisadores de 6 países diferentes, examinaram a importância dos Territórios Indígenas na mitigação das ...