terça-feira, 29 de abril de 2014

Jornal britânico cita uso de drones na Amazônia

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, convocou uma reunião emergencial com secretários da pasta para ouvir explicações sobre o desmatamento na Amazônia. O índice subiu 28% entre 2012 e 2013 na comparação com o mesmo período anterior.
Municípios brasileiros estão recorrendo aos drones - veículos aéreos não tripulados - para monitorar o avanço do desmatamento na Amazônia e garantir que o novo Código Florestal, aprovado em 2012, seja cumprido.
Uma reportagem da edição online do jornal britânico Financial Times cita o exemplo da cidade de Altamira, no Pará, que já adquiriu um drone e agora aguarda treinamento para operar o equipamento. Em Alta Floresta, no Mato Grosso, a prefeitura pretende poupar R$ 100 mil para adquirir um veículo aéreo não tripulado.
O monitoramento das áreas que devem ser preservados é atualmente feito com trabalho de campo usando câmeras fotográficas e aparelhos de GPS em um "sistema de trabalho intensivo", segundo uma representante do município mato-grossense.
O jornal britânico conversou com um fabricante brasileiro de drones que relatou um "aumento significativo de pedidos" para as máquinas, que custam entre R$ 220 mil e R$ 400 mil. A projeção da empresa é vender entre 24 e 36 unidades neste ano.
Apesar de destacar o uso desse tipo de equipamento por prefeituras na tentativa de preservar a floresta, o texto ressalta que a maior parte da demanda é de "companhias hidrelétricas com o objetivo de monitorar possíveis invasões de propriedade, desmatamento e outros problemas". (yahoo)

Brasil é responsável por 39% do desmatamento mundial

Brasil é responsável por 39% do desmatamento do mundo entre 2005 e 2010
Veja o gráfico em:
País desmatou 21.940km² por ano nesse período; segundo dados do IPCC, divulgado em 30/03/14, Honduras foi quem mais desmatou em porcentagem nas Américas do Sul e Central.
Entre 2005 e 2010, o Brasil desmatou 0,42% da área do País por ano de acordo com o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Segundo gráfico que lista 10 países da América do Sul e Central publicado no relatório, divulgado em 30/03, Honduras foi quem mais desmatou em porcentagem do território por ano, 2,16% do total, em seguida vem a Nicarágua, com 2,11% e Guatemala com 1,47%. Em km² por ano, o Brasil supera os outros países listados com 21.940 km² desmatados, o que equivale a 39% do desmatamento do mundo entre 2005 e 2010 segundo o relatório.
Na lista, apenas três países tiveram variação positiva em sua cobertura vegetal: Uruguai, Chile e Costa Rica. Em porcentagem, Uruguai reflorestou 2,79%, Chile 0,23% e Costa Rica 0,9%.
O gráfico utilizou dados coletados pelo relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura de 2010. (OESP)

Eventos extremos e desmatamento: qual a relação?

A cheia histórica do rio Madeira, no norte do país, e a escassez de água no reservatório Cantareira, em São Paulo, estão nos noticiários nacionais já por algumas semanas. Mas você chegou a imaginar uma possível relação entre ambos os fenômenos? Ou mais: que eles podem estar diretamente ligados com desmatamento?
O climatologista do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas) Philip Fearnside não só imaginou como explicou esse complexo efeito de causa e consequência ligando a derrubada de florestas com a questão das estiagens e das chuvas no Brasil.
Em entrevista concedida ao jornalista Leão Serva e publicada na revista Serafina, do grupo folha, o pesquisador detalhou como o desmatamento na região norte faz com que a água da chuva não seja retida, deixando o ar mais seco. Com isso menos água da Amazônia é transportada pelos ventos para o Sudeste, reduzindo a quantidade de chuva em São Paulo e o consequente abastecimento dos reservatórios.
A água da Amazônia é transportada para São Paulo majoritariamente no verão, como explica Philip, em trecho da entrevista. Portanto, “Se não encher os reservatórios na temporada de chuvas, só no ano seguinte”, alerta.
Quando uma área de floresta é derrubada, a chuva escorre diretamente para os rios e apenas uma pequena parte é absorvida pelo solo, e o rio recebe um volume maior de água, o que pode causar eventos extremos como as enchente que acompanhamos em Rondônia no rio Madeira.
Ou seja, a relação não precisa ser assim, tão complexa: quanto menos floresta de pé no norte do país, menos chuva formada e transportada para o sudeste e mais reservatórios vazios pela baixa incidência dessas chuvas, como no caso da Cantareira, no sudeste.
A escassez de água já causa prejuízos econômicos na indústria, grande incômodo para moradores ao ressuscitar programas emergenciais e pouco efetivos de redução ao consumo e o fantasma do racionamento além de impactos na produção de alimentos, também dificulta e muito nossa necessária adaptação às mudanças climáticas.
A Floresta Amazônica, além de responsável por grande parte das chuvas do país também presta serviços ambientais indispensáveis como estocagem de grande quantidade de carbono e auxílio na absorção de gases do efeito estufa liberado por atividades humanas, além de ser riquíssima fonte de alimento, recursos naturais e biodiversidade.
Para continuar vivendo e usufruindo dessa riqueza, porém, precisamos parar de destruir nossas florestas o quanto antes. Em 1980, Philip Fearnside atestou, em artigo científico, que se nada fosse feito em relação pela conservação da floresta, sua função como reguladora do clima iria desaparecer em 50 anos. De lá pra cá, se foram praticamente 25, e a previsão tem se desenhado tal qual escrita no legado de Fearnside, apesar do otimismo do cientista.
“O importante é não ser fatalista. A declaração de que o mundo vai acabar não é construtiva. Se você pensa que tudo está perdido, não faz nada e a profecia se realiza”, fez questão de cravar, ao final da entrevista.
“O Greenpeace concorda, e não à toa fazemos campanhas para acabar com o desmatamento na Amazônia. Além disso estamos tentando promover a discussão e reflexão na sociedade sobre o papel da floresta, bem como fazer as pessoas entenderem que sofrerão os impactos do desmatamento”, diz Cristiane Mazzetti, da campanha de Florestas do Greenpeace Brasil.
“E por isso utilizamos como ferramenta de debate e mobilização o projeto de lei de iniciativa popular pelo desmatamento zero, que se aprovado, impedirá a emissão de novas licenças de desmatamento em florestas nativas brasileiras”, explica.
Todos que desejam ser parte dessa história podem ajudar na coleta de assinaturas para o movimento e ajudar a espalhar essa campanha na sociedade até chegarmos no Congresso, já com pressão suficiente para que seja aprovado. (ecodebate)

Alertas de desmatamento na Amazônia verificados pelo DETER


Alertas de desmatamento na Amazônia verificados pelo DETER somam 276 km2 em três meses
As áreas de alerta de desmatamento e degradação na Amazônia somaram 276 km² nos meses de novembro e dezembro de 2013 e janeiro de 2014, segundo os dados registrados pelo DETER, o sistema de detecção do desmatamento em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) baseado em satélites e destinado a orientar a fiscalização em campo.
No primeiro mês do ano foram verificados 75 km², enquanto em dezembro houve o registro de 93 km² e em novembro de 108 km².
A distribuição das áreas de alerta em cada mês nos estados da Amazônia Legal, bem como dos percentuais de cobertura de nuvens, é apresentada na tabela a seguir.
Itens - Deter nov/13(km²) - Nuvens nov/13(%) - Deter dez/13(km²) - Nuvens dez/13(%) - Deter jan/14(km²) - Nuvens jan/14(%)
AC – 13,51 – 40 – 1,72 – 46 - _ - 65
AM – 9,06 – 84 – 8,65 – 68 - _ -57
MA – 18,15 – 20 – 0,67 – 51 – 13,52 - 14
MT – 52,17 – 26 – 41,63 – 23 – 37,33 - 24
PA – 9,74 – 60 – 27,12 – 75 – 9,59 - 68
RO - _ - 90 – 3,76 – 66 – 3,06 - 91
RR – 0,38 – 67 – 6,84 – 51 – 9,11 - 18
TO – 4,65 – 6 – 3,03 – 13 – 2,8 - 3
Total – 107,66 – 58 – 93,42 – 57 – 75,41 - 49
Os resultados do DETER devem ser analisados em conjunto com as informações sobre a cobertura de nuvens, que afeta a observação por satélites. As áreas em rosa dos mapas a seguir correspondem aos locais que estiveram encobertos no período. Nos mesmos mapas, os pontos amarelos mostram a localização dos alertas emitidos pelo DETER.

Mapa de alertas de novembro
Mapa de alertas de dezembro

Mapa de alertas de janeiro
Em função da cobertura de nuvens variável de um mês para outro e, também, da resolução dos satélites, o INPE não recomenda a comparação entre dados de diferentes meses e anos obtidos pelo sistema DETER. Os relatórios mensais completos estão disponíveis na página www.obt.inpe.br/deter
Sistema de alerta
Realizado pela Coordenação de Observação da Terra do INPE, o DETER é um serviço de alerta de desmatamento e degradação florestal na Amazônia Legal baseado em dados de satélite de alta frequência de revisita.
Os alertas produzidos pelo DETER servem para orientar a fiscalização e garantir ações eficazes de controle da derrubada da floresta. Embora sejam divulgados relatórios que reúnem dados de um ou mais meses, os resultados do DETER são enviados quase que diariamente ao IBAMA.
O DETER utiliza imagens do sensor MODIS do satélite Terra, com resolução espacial de 250 metros, que possibilitam detectar polígonos de desmatamento com área maior que 25 hectares. Nem todos os desmatamentos são identificados devido à ocorrência de cobertura de nuvens.
A menor resolução dos sensores usados pelo DETER é compensada pela capacidade de observação diária, que torna o sistema uma ferramenta ideal para informar rapidamente aos órgãos de fiscalização sobre novos desmatamentos.
Este sistema registra tanto áreas de corte raso, quando os satélites detectam a completa retirada da floresta nativa, quanto áreas com evidência de degradação decorrente de extração de madeira ou incêndios florestais, casos que fazem parte do processo de desmatamento na região.
Os números apontados pelo DETER são importantes indicadores para os órgãos de controle e fiscalização. No entanto, para computar a taxa anual do desmatamento por corte raso na Amazônia, o INPE utiliza o PRODES (www.obt.inpe.br/prodes), que trabalha com imagens de melhor resolução espacial capazes de mostrar também os pequenos desmatamentos.
A cada divulgação sobre o sistema de alerta DETER, o INPE apresenta ainda um relatório de avaliação amostral dos dados. Os relatórios, assim como todos os dados relativos ao DETER, podem ser consultados em www.obt.inpe.br/deter. (ecodebate)

Google lança observatório mundial do desmatamento

A gigante da internet Google, organizações ambientalistas e vários governos apresentaram nesta quinta-feira uma sofisticada base de dados para fazer um acompanhamento do desmatamento no mundo, com a expectativa de intensificar a luta contra um dos principais motivos do aquecimento global.
O site www.globalforestwatch.org permitirá observar o desaparecimento de árvores em todo o planeta a partir de imagens em alta resolução com atualizações frequentes. As informações poderão ser consultadas de graça.
A Terra perdeu 2,2 milhões Km2 de florestas entre 2000 e 2012, segundo dados coletados pelo Google e a Universidade de Maryland.
“O problema para reunir os dados não foi a falta de vontade, nem a ausência de leis para regular o desmatamento. O problema é, entre outros, a falta de capacidade para saber realmente o que está acontecendo”, disse Andrew Steer, diretor-geral do World Resources Institute, líder na criação de base de dados.
“Quando o presidente da Indonésia aprovou boas leis para (proteger) as florestas, foi muito difícil para ele saber o que de fato estava acontecendo em tempo real”, declarou Steer a jornalistas.
A base permitirá a qualquer pessoa verificar, através da internet, as florestas protegidas e inclusive as empresas que compram óleo de palma proveniente de plantações ilegais, acrescentou.
O desmatamento desempenha um papel crucial nas mudanças climáticas e nas florestas, que ocupam um terço do planeta, funcionam como depósitos naturais de gases causadores de efeito estufa, que, de outra forma, se dispersariam na atmosfera.
Para montar a base de dados, o Google compilou milhões de imagens de satélite mantidas durante mais de 40 anos pelo Instituto Americano de Geologia.
Rebecca Moore, engenheira da empresa, explicou que a maior dificuldade do projeto foi “gerar esta massa de dados” com um nível de detalhes pertinente e útil.
Os governos da Noruega, da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos também participam da iniciativa. (ecodebate)

Imazon detectou aumento de desmatamento na Amazônia

Em janeiro de 2014, Imazon detecta aumento de desmatamento na Amazônia Legal de 206% em relação a 2013
Boletim do Desmatamento (SAD) janeiro de 2014
Em janeiro de 2014, a maioria (58%) da área florestal da Amazônia Legal estava coberta por nuvens, uma cobertura inferior a de janeiro de 2013 (61%), o que reduziu a capacidade de detecção do desmatamento e da degradação florestal na região. Os Estados com maior cobertura de nuvem foram Amapá (86%), Pará (83%) e Rondônia (79%). No período analisado, e sob essas condições de nuvem, foram detectados pelo SAD 107 Km2, de desmatamento na Amazônia Legal. Isso representa um aumento de 206% em relação a janeiro de 2013 quando o desmatamento somou 35 Km2.
O desmatamento acumulado no período de agosto de 2013 a janeiro de 2014, correspondendo aos seis primeiros meses do calendário atual de desmatamento, totalizando 531 Km2. Houve redução do desmatamento acumulado de 60% em relação ao período anterior (agosto/12 a janeiro/13) quando o desmatamento somou 1.326 Km2.
As florestas degradadas somaram 32 Km2 em janeiro de 2014. Em relação a janeiro de 2013 houve redução de 53% quando a degradação florestal somou 69 Km2. A grande maioria (97%) ocorreu no Mato Grosso, seguido pelo Amazonas (2%) e Pará (1%).
A degradação florestal acumulada no período de agosto de 2013 a janeiro de 2014 totalizou 212 Km2. Em relação ao período anterior (agosto/12 a janeiro/13) houve redução de 80% quando a degradação florestal somou 1. (ecodebate)

PNMC, Desmatamento da Amazônia e as Emissões Brasileiras

A Política Nacional sobre Mudança do Clima, Desmatamento da Amazônia e as Emissões Brasileiras
A maior parte da população brasileira tem vivido o verão mais quente de sua história neste início de 2014. Os efeitos do aquecimento global se fizeram sentir no desconforto do clima, na falta de chuvas, na redução da disponibilidade de água potável, no esvaziamento dos reservatórios, na diminuição da produção de energia hidrelétrica, nos apagões e apaguinhos, etc. Os prejuízos econômicos e sociais ainda estão sendo calculados, mas devem ser elevados.
O aquecimento global, como o nome diz, é um fenômeno planetário e já vem sendo objeto de preocupação internacional há bastante tempo. A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Cúpula da Terra ou Rio/92) estabeleceu a Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas que é um tratado internacional que tem como objetivo a estabilização da concentração de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera em níveis tais que evitem o aquecimento perigoso da temperatura média do Planeta.
Inicialmente, não foram fixados limites obrigatórios para as emissões de GEE e não havia mecanismos de controle das emissões. Mas ficou decidido que os 194 países-membros da Convenção do Clima reuniriam-se anualmente nas reuniões chamadas Conferência das Partes (COP) para deliberar sobre as ações em defesa da atmosfera terrestre. Na COP-3, ocorrida na cidade de Kyoto, em 1997, foi aprovado o Protocolo de Kyoto, que estabelecia, com base no princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, metas efetivas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa até o ano de 2012. Os países desenvolvidos deveriam arcar com as maiores responsabilidades na redução de GEE e na transferência de recursos aos países em desenvolvimento.
No entanto, diversas economias avançadas, entre elas os Estados Unidos (maior emissor na época), não ratificaram o documento, com a alegação de que isto prejudicaria o crescimento econômico nacional. Ou seja, em nome do interesse particular de alguns países, o bem comum da humanidade foi relegado para segundo plano. Por outro lado, países em desenvolvimento passaram a ter peso crescente na emissão de GEE e a China se tornou o maior emissor e poluidor mundial.
Diante da nova realidade em que a concentração de CO2 chegou a 400 ppm (partes por milhão) e frente ao agravamento das mudanças climáticas (furações, secas, etc), houve uma pressão para uma rápida renovação do Protocolo de Kyoto e diversos países em desenvolvimento reunidos na COP-15, em Copenhague, em 2009, concordaram em estabelecer controles voluntários da emissão de GEE.
Assim, o Brasil aprovou, em dezembro de 2009, a Lei n° 12.187, denominada Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) que estabelece, como compromisso nacional voluntário, ações de mitigação das emissões de gases do efeito estufa, propondo a redução entre 36,1% e 38,9% suas emissões projetadas até 2020. O componente principal para a redução das emissões seria por meio do controle do desflorestamento, sendo uma redução de 80% do desmatamento da Amazônia e 40% do desmatamento do cerrado.
Sem querer entrar em todos os detalhes, pode-se dizer que a PNMC estava apresentando ganhos razoáveis no controle do desmatamento da Amazônia. Segundo dados do projeto Prodes, do INPE, a perda florestal na Amazônia foi de 25.396 km2 no ano de 2003 e 27.772 km2 no ano de 2004. Entre 2005 e 2012 houve redução significativa do desmatamento, atingindo 4.571 km2 em 2012.
Porém, no ano de 2013 o desmatamento da Amazônia voltou a subir e atingiu 5.843 km2. E pior, parece que não foi um ponto fora da curva. Segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), da organização Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a Amazônia Legal perdeu 107 km² de floresta em janeiro de 2014, o que representa um aumento de 206% em relação a janeiro de 2013 quando o desmatamento somou 35 km². No Pará, o desmatamento está ligada ao asfaltamento da BR-163 ou onde estão construindo hidrelétricas. Há também o garimpo e a exportação de madeira. Desta forma, transporte-hidrelétrica-garimpo-madeireiras responde pela maior parte do que é desmatado.
Portanto, os dados mais recentes mostram que o desmatamento da Amazônia continua e até aumenta. Somente nos 11 anos de governos petistas (Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff), foram desmatados 142.326 km² de florestas na Amazônia Legal, equivalente as áreas do Rio de Janeiro (43.696 km²), Espírito Santo (46.078 km²), Alagoas (27.768 km²), Sergipe (21.910 km²) e Distrito Federal (5.801 km²). Esperava-se menos empenho na construção de hidrelétricas e resultados mais expressivos de governos que dizem defender a natureza e que têm Chico Mendes como referência. Mas todos os ecossistemas brasileiros estão seguindo o ritmo do caminho já trilhado pela Mata Atlântica que teve 93% de sua cobertura florestal devastada. Os impactos do desmatamento sobre o clima são elevados e contribuem para o Brasil ser o 4º maior emissor de CO2(eq).
Mas as emissões não param por ai. A agropecuária é uma das grandes emissoras de GEE do mundo e é o setor com maior volume de emissões do Brasil atualmente. O impacto da população de ruminantes, especialmente bovinos, sobre o meio ambiente é enorme. O gás metano é cerca de 30 vezes mais potente que o efeito do dióxido de carbono no aquecimento do planeta (um boi gera 58 quilos de metano por ano). No Brasil a pecuária bovina é usada, dentre outras coisas, para ocupar áreas que são desmatadas visando a comercialização e a valorização da terra. Gado, desmatamento e especulação de terras andam juntas. Dados recentes mostram que o rebanho bovino da Amazônia Legal cresceu 140% e passou de 26,6 milhões para 64 milhões de cabeças, entre 1990 e 2003, constituindo-se um dos principais fatores de desmatamento.
Outra área que tem sido negligência pela PNMC é o setor de energia. O Brasil é considerado um país que tem uma matriz energética menos poluidora e mais renovável em relação aos países do mesmo nível de desenvolvimento. Contudo, para satisfazer os anseios da “nova classe média” o governo promoveu desonerações fiscais para vender mais carros e manter o preço da gasolina relativamente baixo. Em 2013, o governo abriu mão de R$ 11 bilhões com a tributação sobre automóveis e mais de R$ 11 bilhões com a tributação sobre a gasolina, deixando de arrecadar R$ 22 bilhões para incentivar o carro e o uso da gasolina, que só contribuem para a imobilidade urbana e para o aumento das emissões de GEE. Com isto, houve uma queda na participação do etanol. Como a produção de petróleo brasileiro caiu em 2013, houve um rombo de mais de US$ 20 bilhões nas contas externas para importação de petróleo e derivados.
A falta de investimentos adequados no setor de energias renováveis, fez com que a redução da energia gerada pelas hidrelétricas com baixo nível dos reservatórios fosse suprida pelas usinas termelétricas movidas a gás e petróleo. Porém, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica, dos 144 parques eólicos prontos, 48 não estão ainda interligados ao sistema por falta de linhas de transmissão. Seriam 1,27 GW a mais, suficiente para evitar apagões e os cortes de energia que atrapalham toda a economia. Assim, percebe-se que o modelo brasileiro de crescimento está se tornando insustentável ambientalmente e inviável economicamente.
O desenvolvimentismo, com seu crescimento a qualquer custo, tem colocado o Brasil na lista dos maiores poluidores do mundo. A PNMC poderia ser um passo importante rumo a uma postura mais comprometida do Brasil com a mitigação da mudança climática global. Mas, para que seu potencial de contribuição para o controle das emissões de GEE seja alcançado, na prática, há diversos aspectos nos quais essa política precisa ser aperfeiçoada. Mais do que isto, é preciso repensar o atual modelo hegemônico de produção e consumo que retira cada vez mais recursos da natureza e devolve na forma de poluição e resíduos sólidos, gerando poluição de todos os tipos.
Na COP-21, que vai ocorrer em Paris em 2015, espera-se que um novo acordo climático global seja firmado. Não vai ser fácil chegar à um mínimo denominador comum para tentar manter o aumento da temperatura global em até 2 graus Celsius. A participação do Brasil no âmbito das negociações internacionais é importante e para ser coerente e dar o exemplo, o país precisa avançar na concretização de sua Política Nacional sobre Mudança do Clima. Para tanto é preciso combater de fato o desmatamento e a degradação dos ecossistemas, repensar a organização da agropecuária e evitar, dentre outras coisas, a piora do perfil energético brasileiro. (ecodebate)

domingo, 27 de abril de 2014

O mercado da fome beneficia países doadores

Luta contra a fome – uma bandeira que praticamente todos levantam. Mas há acusações de que muitos dos que dizem querer ajudar na verdade se beneficiam da miséria alheia.
O Haiti é o exemplo típico de uma política que traz lucro para os países desenvolvidos e prejudica os pequenos agricultores locais – justamente as vítimas da fome. Essa é a avaliação do diplomata Jean Feyder, de Luxemburgo, presidente da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).
Em seu livro Mordshunger (em tradução livre "Fome voraz"), Feyder retrata o drama da ilha caribenha: até 30 anos atrás, os agricultores haitianos produziam arroz suficiente para a população do país. O Haiti foi então obrigado a reduzir suas taxas de importação de 50% para 3%. Alimentos subvencionados importados dos Estados Unidos arruinaram a agricultura local. Os produtores perderam seu meio de subsistência e cada vez mais pessoas começaram a passar fome.
No Haiti, o arroz está cada vez mais caro
Hoje, o Haiti importa dos Estados Unidos 80% do arroz que consome – e assim está à mercê dos caprichos dos mercados internacionais. Mesmo antes do terremoto que devastou o país em janeiro de 2010, o Haiti já era um dos países mais pobres do planeta. O ex-presidente norte-americano Bill Clinton, que fez forte pressão pela redução nas tarifas alfandegárias haitianas, arrependeu-se de sua política: "Talvez tenha sido bom para alguns dos meus fazendeiros em Arkansas, mas foi um erro".
O que aconteceu com o Haiti, diz Jean Feyder à Deutsche Welle, vale para muitos outros países. Também os membros da União Europeia (UE) lucraram com a exportação de grãos, carne de aves, leite em pó ou polpa de tomate a preços que arruinaram produtores rurais nos países em desenvolvimento.
Ajuda que bbeneficia países doadores
Assim, o Haiti e outros países tornaram-se dependentes de ajuda humanitária. Só que essa ajuda não é dada sem interesses próprios. "A doação de alimentos não pode continuar servindo como meio de os países doadores se livrarem de seus excedentes agrícolas e explorarem novos mercados", critica Feyder.
Ajuda humanitária vinda dos Estados Unidos
O princípio de ajuda útil para o próprio doador fica evidente no programa Food for Peace, dos Estados Unidos. Como maior país doador, os EUA vinculam quase um terço de sua ajuda econômica ao fornecimento de bens e serviços. Assim, produtos agrários norte-americanos são transportados por longas distâncias sob a bandeira dos Estados Unidos.
Os países que recebem a ajuda precisam comprovar, reprova Feyder, "que podem se tornar mercados consumidores dos produtos agrários norte-americanos". Lá os alimentos são distribuídos ou vendidos para financiar mais ações humanitárias.
A venda e distribuição garantem lucros a terceiros. Os agricultores locais sofrem. Segundo um representante da organização humanitária Care, no Quênia, se está destruindo o que se quer construir. Onde se tentou desenvolver um meio de subsistência para os agricultores através do cultivo de óleo de girassol, foram despejadas no mercado toneladas de óleo de cozinha subvencionado por programas de ajuda humanitária.
A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) quer reformas. Mas as tentativas de acabar com a monetarização do fornecimento de alimentos fracassou no Congresso. Além de agricultores e empresas de transporte, também organizações de ajuda humanitária protestaram por não abrirem mão do financiamento de seus programas.
Enquanto o governo dos Estados Unidos lutava, em 2010 o Programa Mundial de Alimentação (WFP, do inglês) das Nações Unidas respondeu por "78% dos alimentos comprados em países em desenvolvimento".
Críticos dizem que ajuda humanitária agrava a dependência em muitos países africanos
Esforço decepcionante
Organizações humanitárias, países doadores e em desenvolvimento entraram em acordo sobre uma forma mais efetiva de ajuda ao desenvolvimento em 2005. Em uma conferência em Paris, decidiu-se que deveria haver melhor coordenação, alinhada com as necessidades dos beneficiários, e que os resultados precisariam ser avaliados.
A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) fez um balanço das medidas em 2011. Das 13 metas acordadas, apenas uma foi alcançada. O resultado foi considerado "decepcionante" pela OCDE.
Desiludido, o economista queniano James Shikwati pede o fim da ajuda ao desenvolvimento. De acordo com suas convicções, essa ajuda serve principalmente aos interesses políticos dos doadores. Na África, quem mais se beneficia da ajuda humanitária são os governos corruptos. A dependência foi aprofundada.
A declaração do ministro alemão para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Dirk Niebel, de que gostaria que fosse dado mais valor aos interesses da economia alemã foi considerada por Shikwati como "honesta". Em conversa com o "europeu", ele pediu a Niebel que "não prejudicasse os interesses econômicos da África através da ajuda humanitária", mas que se preocupasse em promover comércio justo.
Mulheres somális vendem bens de ajuda humanitária
Especialmente em regiões de conflito a ajuda humanitária cai em mãos erradas. De acordo com a agência de notícias Associated Press (AP), em agosto de 2011 foram roubados na Somália milhares de sacos de alimentos para as vítimas da catástrofe da fome. O WFP anunciou que o roubo está sendo investigado.
Residentes de um dos campos de refugiados contaram que, depois de terem sido fotografados com sacos de milho, os alimentos foram novamente tomados deles. Nos mercados da capital, Mogadíscio, eram vendidos sacos com alimentos com selos do WFP, da Usaid e do governo japonês.
Ajuda aos famintos pode prolongar guerras
Já em 2010, um relatório do Grupo de Monitoramento da ONU para a Somália concluiu que metade da ajuda alimentar do WFP era roubada por senhores da guerra, comerciantes corruptos ou funcionários corruptos do próprio WFP. A organização negou isso.
A jornalista e escritora holandesa Linda Polman (A Indústria da Caridade. Os bastidores das organizações de ajuda internacional) conhece o mau uso da ajuda humanitária. Durante a fome na Somália nos anos 1990, ela testemunhou como os senhores da guerra roubavam suprimentos dos famintos para comprar armas. A ajuda pode prolongar uma guerra, assegura Polman, pois, segundo ela, "na guerra, alimento é arma."
Capa do Livro de Linda Polmans
Em entrevista à Deutsche Welle, Polman alerta para que não se glorifique instituições de caridade. Segundo ela, existe uma "indústria da ajuda", de instituições de caridade concorrentes e que têm interesses comerciais. Mesmo que tenham boas intenções, diz Polman, as organizações humanitárias vivem da fome e da ajuda humanitária. Elas concorrem pelo dinheiro de doadores e cooperam muito pouco entre si. E os poderosos nos países beneficiários se utilizam disso.
Segundo estimativas das Nações Unidas, existem cerca de 37 mil organizações internacionais de ajuda humanitária em todo o mundo. Na conta não estão incluídas iniciativas privadas. Polman apela aos doadores que controlem melhor projetos e instituições.
Transparência contra a corrupção – Open Aid 
Movimento Open Aid na Alemanha
Wolfgang Wodarg já foi membro da comissão de Cooperação e Desenvolvimento Econômico do parlamento alemão e visitou muitos projetos de ajuda internacional. Hoje, Wodarg trabalha na diretoria da organização Transparency International na Alemanha.
Em entrevista à Deutsche Welle, ele estimou que apenas 10% da ajuda internacional chegam às pessoas que realmente precisam dela. "Corrupção e conflito de interesses são parte integrante da cooperação para o desenvolvimento", reclama Wodarg. E a única forma de combater esse mal é aumentar a transparência.
Para isso foi criado o movimento Open Aid: doadores e instituições de caridade devem publicar em uma plataforma comum tudo o que recebem em forma de financiamento. Os beneficiários devem ser incluídos. O objetivo é criar um sistema que permita que qualquer pessoa na internet possa ter acesso a todas as organizações, projetos e resultados da ajuda internacional. E assim se pode ver, também, quem de fato se beneficiou. (dw)

Dos ultraprocessados aos alimentos

Dos ultraprocessados aos alimentos: resgatando a boa nutrição?
“Há hoje uma pandemia, em que metade da população brasileira adulta tem excesso de peso e quase 15% é obesa”, alerta a nutricionista.
“Devemos fazer do alimento a base da nossa alimentação”. Esta será a principal recomendação do novo Guia Alimentar para a População Brasileira, ainda em consulta pública, a ser lançado no próximo mês de agosto, informa Signorá Konrad  à IHU On-Line. Segundo a nutricionista, apesar de a frase parecer “redundante”, ela propõe justamente uma distinção entre o que são alimentos e o que são produtos ultraprocessados, tais como biscoitos, barras de cerais, sorvete, enlatados e os demais produtos industrializados, já que “durante muito tempo se tratou os produtos ultraprocessados como alimentos”.
De acordo com a pesquisadora, há mais de duas décadas a FAO e a ONU recomendam o consumo de alimentos, dando destaque para os in natura. Nesse processo, salienta, “temos de considerar o alimento e não somente valorizar os nutrientes, porque isso leva ao entendimento do consumidor de que se ele consumir qualquer produto que tenha uma quantidade ‘x’ de carboidratos, lipídios, minerais, fibras, ele estará bem alimentado. E isso não é verdade, porque a natureza coloca nos alimentos in natura e nos minimamente processados um equilíbrio de nutrientes necessário para o organismo metabolizar”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Signorá Konrad esclarece que o Guia Alimentar para a Popular Brasileira está sendo reformulado radicalmente, pois “é calcado nos nutrientes, e não nos alimentos. Então, este novo Guia Alimentar vem com uma conotação qualitativa, e não quantitativa. Essa é a grande tônica dele, no sentido de mostrar que saúde é mais do que a ausência de doenças — todos sabemos disso —, mas que a alimentação é mais do que a ingestão de nutriente”. E acrescenta: “Tiramos o enfoque de que temos de consumir proteínas, carboidratos, lipídios, vitaminas, minerais e fibras, ou seja, o enfoque químico que data de 1800. Hoje, nós temos um olhar do alimento como uma matéria que é composta de substâncias químicas que estão nos nutrientes, mas que tem muito mais do que carboidratos, proteínas, lipídios, protídios, carboidratos não digeríveis, fibras alimentares, vitaminas, minerais, fitoquímicos, mas outras substâncias que ainda são isoladas pela química analítica”.
Signorá Konrad esteve no Instituto Humanitas Unisinos – IHU abordando o tema Dos Ultraprocessados aos Alimentos: resgatando a boa nutrição? Ainda sobre o tema da alimentação, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU promoveu o XV Simpósio Internacional IHU “Alimento e Nutrição no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, de 05 a 08/05/14.
Signorá Konrad é graduada em Nutrição pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, especialista em Metodologia do Ensino Superior e em Nutrição em Saúde Pública pela Unisinos, mestre e doutora em Ciências Biológicas (Fisiologia) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente leciona na Unisinos.
IHU On-Line – O que são alimentos e produtos ultraprocessados? Em que consiste a distinção entre ambos?
Signorá Konrad - Essa distinção está amparada pelo novo Guia Alimentar Brasileiro, que será lançado pelo Ministério da Saúde em agosto de 2014, e que está em consulta pública até 07 de maio. Nele se aborda a diferenciação entre o que é um alimento e o que é um produto, em virtude da grande pandemia de obesidade, hipertensão e doenças crônicas não transmissíveis.
Assim, os alimentos são divididos em alimentos in natura, aqueles de origem animal ou vegetal, e que não sofreram nenhuma alteração quando retirados da natureza. Está nesse grupo a carne, o leite, as frutas. Existem também os alimentos minimamente processados, os quais passam por um processo de limpeza ou remoções de partes indesejadas que não são consumidas, ou passam ainda por algum processo de moagem, pasteurização, refrigeração.
Os produtos, por sua vez, são aqueles processados, ou seja, prontos para o consumo, produzidos pela indústria e nos quais são adicionados açúcar, para que tenham uma durabilidade maior na prateleira e para que sejam mais palatáveis e atraentes ao consumidor. Normalmente são os alimentos em conserva ou frutas que recebam adição de açúcar, em forma de compotas, carnes defumadas, carnes secas, etc. Existem também os produtos ultraprocessados, que somente conseguem ser produzidos pela indústria e são derivados de alimentos, sim, mas contêm somente resquícios dos alimentos originais. Entre eles, estão a salsicha, o biscoito, as geleias, os sorvetes, os molhos prontos, os temperos, os cereais matinais, o macarrão instantâneo, os salgadinhos, os refrigerantes, os néctares, os nuggets, as barras de cereais.
Dentro desse contexto, a primeira recomendação é que devemos fazer do alimento a base da nossa alimentação. Parece uma coisa redundante, que todo mundo sabe, porque durante muito tempo se considerou os produtos ultraprocessados como alimentos. Mas na verdade, dentro do novo contexto — que não é tão novo, porque existe um documento da FAO e da ONU de 1998, que chama a atenção para voltarmos a consumir alimentos — temos de considerar o alimento e não somente valorizar os nutrientes, porque isso leva ao entendimento do consumidor de que se ele consumir qualquer produto que tenha uma quantidade “x” de carboidratos, lipídios, minerais, fibras, ele estará bem alimentado. E isso não é verdade, porque a natureza coloca nos alimentos in natura e nos minimamente processados um equilíbrio de nutrientes necessário para o organismo metabolizar. Quando a indústria mexe nesse alimento, ela altera o próprio aproveitamento pelo organismo. Em vista disso, há hoje essa verdadeira pandemia, em que metade da população brasileira adulta tem excesso de peso e quase 15% está obesa.
IHU On-Line – Há uma pandemia global de obesidade? Que relações estabelece entre o consumo de produtos ultraprocessados e a obesidade?
Signorá Konrad - Sim, porque nos alimentos ultraprocessados há uma quantidade energética muito grande. Desse modo, se consome, em menor quantidade, um montante de quilocalorias muito maior, destituído dos minerais, das vitaminas, das fibras, que estão presentes naturalmente nos alimentos. Então, quando ingerimos o leite condensado, que tem cerca de 51% de adição de açúcar, estamos ingerindo um alimento de altíssima densidade orgânica, que leva a um desequilíbrio orgânico, em que faltam vitaminas e minerais para atuarem na metabolização até dos excessos. Além de não ingerirmos vitaminas e minerais em quantidades adequadas, ainda desequilibramos todo o metabolismo, porque com uma alimentação de alta densidade energética, necessitamos de mais vitaminas e minerais.
A Organização Mundial da Saúde já fala que há uma pandemia, porque estamos diante de um quadro de uma transição epidemiológica, em que saímos de quadros maiores de deficiências nutricionais, doenças carenciais e infecciosas, e estamos diante de um quadro de doenças crônicas não transmissíveis, sendo as principais responsáveis pela morbidade e mortalidade no mundo.
IHU On-Line – Qual é o impacto do consumo de produtos ultraprocessados sobre a saúde? Nesse sentido, quais são as doenças causadas por conta do consumo de produtos ultraprocessados? Ainda sobre esse assunto, podes comentar em que consistiu sua pesquisa referente às alterações metabólicas na obesidade visceral de ratos?
Signorá Konrad - O impacto consiste na transferência das taxas de morbidade e mortalidade de doenças infecciosas para as doenças crônicas e não transmissíveis, tais como a obesidade, o câncer, a hipertensão, o diabetes. Essas são as principais enfermidades decorrentes dos hábitos alimentares da sociedade moderna. Ao lado disso, há outros fatores como a sedentarização, o tabagismo, o estresse excessivo, mas a alimentação está sendo considerada o fator ambiental determinante da causa dessas doenças. Evidentemente, ainda existem os fatores biológicos e genéticos.
Quanto à minha pesquisa, trabalhei com animais de laboratórios, verificando suas alterações metabólicas. Praticamente, nós caracterizamos a síndrome metabólica, que agrega todas essas alterações: eles se tornaram obesos, com obesidade visceral e abdominal, tiveram alterações nos níveis de insulina, glicose, no perfil lipídico, como triglicerídeos elevados, bom colesterol baixo, mau colesterol elevado. Além disso, medimos quais foram as alterações termodinâmicas, ou seja, o aumento da modulação do sistema simpático sobre o funcionamento cardíaco, as alterações na variabilidade da frequência cardíaca, pois os animais tiveram variações nas respostas da frequência cardíaca — as quais são esperadas dentro da sua normalidade e que, no caso deles, foi alterada, ou seja, não respondiam adequadamente às necessidades desses animais —, e medimos também a modulação parassimpática, ou seja, em termos de regulação da pressão. Todas essas variáveis, associadas ao excesso de peso, conduziram a esse quadro de síndrome metabólica, que também acontece em humanos.
IHU On-Line – Alguns nutricionistas sugerem dietas à base de alimentos funcionais. O que são esses alimentos e que função eles desempenham no organismo humano no sentido de promover a saúde?
Signorá Konrad - Os alimentos funcionais — esse conceito ainda está em discussão — são alimentos que têm um ou mais elementos e substâncias que desempenham um papel importante no organismo. A indústria, mais uma vez, está se apoderando de alimentos termogênicos, funcionais, nutracêuticos e levando o consumidor a entender que alimentos funcionais são somente aqueles produzidos pela indústria. Na verdade, os nutricionistas querem desmistificar essa ideia. Muitos dos alimentos produzidos pela indústria são relevantes, mas queremos deixar claro que praticamente todos os alimentos in natura ou minimamente processados podem ter um papel no nosso organismo. Esses alimentos têm em si uma função relevante dentro da sua funcionalidade. Então, não há a necessidade de se adquirir um produto que tenha uma marca para que ele realmente seja funcional. Por exemplo, a cebolinha verde — juntamente com o alho e o brócolis — tem um papel antioxidante importante e é um dos alimentos mais importantes de proteção orgânica contra a ação dos radicais livres.
IHU On-Line – Como a senhora analisa o slow food, em contrapartida ao fast-food? Percebe, em alguma medida, posições extremas, quando se trata de alimentação e saúde, entre aqueles que ignoram completamente a alimentação saudável e os que organizam sua vida em torno de uma alimentação saudável? Isso tem a ver com esse marketing da industrial e do consumo?
Signorá Konrad - A indústria tem o seu papel, mas ela precisa se ajustar às necessidades e à própria ciência, ou seja, às evidências que temos de que o excesso de açúcar faz mal, que o excesso de sódio faz mal, que o excesso de ácidos graxos trans faz mal. Esse tipo de substância não deveria estar contido nos produtos que são oferecidos à população, principalmente às crianças. A publicidade leva a criança a acreditar que tomar um néctar é melhor do que comer uma fruta, quando, na verdade, não é. Dentro disso, a indústria pode se adaptar e os engenheiros de alimentos entendem e querem isso. Só que ainda existe uma grande parcela da população que adere à praticidade ou que, por não conhecer os alimentos de verdade, não os busca. Claro que existem os que radicalizaram e que não compram produtos industriais. Mas existem pessoas em todos os níveis, desde os que não conseguem preparar seus alimentos, mas que gostariam.
Então, vejo que há um amplo espaço, inclusive nesse Simpósio que vai acontecer, para se debater exatamente essa questão: aproximar a indústria, o consumidor e todos os profissionais técnicos de uma equipe multidisciplinar ou transdisciplinar para que possamos realmente tornar a população mais saudável.
IHU On-Line – Como reverter essa lógica de consumir produtos ultraprocessados para voltar a consumir alimentos?
Signorá Konrad - Temos que conhecer os alimentos regionais — dentro do movimento slow food encontramos os elementos para isso —, conhecer as preparações, resgatar e trocar receitas. Tudo isso é proposto pelo Guia Alimentar, que traz justamente uma conotação “de volta” àquilo que é saudável, não dentro de um espírito radical de não comer mais nada industrializado.
Há uma abertura para um diálogo entre indústria, consumidores e profissionais. É um momento muito rico e temos de aproveitar esses espaços, essas instâncias, para justamente chegar a um denominador comum, em que todos tenhamos êxito naquilo que buscamos. Nós todos buscamos a saúde e, portanto, não podemos colocar o lucro acima de tudo. O que faz uma empresa produzir e vender um produto que é prejudicial à saúde das pessoas? A busca pelo lucro. A partir do momento em que tivermos essa conotação de que a saúde está em primeiro lugar, talvez mais pessoas passem a se dedicar à produção de alimentos in natura. Quem sabe vamos voltar a cultivar uma horta, um pomar. Há 40, 50 anos, as famílias compravam somente sal. Eu mesma vivi essa realidade. Nós tínhamos toda a nossa necessidade diária de alimento, tanto vegetal quanto animal, disponíveis na propriedade, e nem eram propriedades grandes. Então, esses espaços, mesmo pequenos, eram espaços onde se praticava a cultura de alimento, a criação de pequenos animais.
Aqueles que ainda são privilegiados devem retomar esses espaços para que se produzam mais alimentos, porque ainda existem mais de 800 milhões de pessoas no mundo passando fome. Então, nós não podemos olhar só para o quadro da obesidade. A má alimentação ainda peca por carência e por excessos. Eu vejo muito nesse resgate da produção do alimento, no preparo do alimento, no convívio familiar, uma das chamadas do Guia Alimentar: “coma em companhia”, ou seja, não faça refeições sozinho, porque em companhia você vai se alimentar melhor.
IHU On-Line – Em que consiste o Guia Alimentar para a População Brasileira proposto pelo Ministério da Saúde? Como está o processo de constituição do Guia, com consulta pública?
Signorá Konrad - Essas discussões foram inicialmente realizadas a partir de um núcleo de saúde pública da USP, com a coordenação do Prof. Dr. Carlos Augusto Monteiro, em que um grupo multidisciplinar, juntamente com o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde, realizaram todas as preliminares para promover uma nova versão do Guia Alimentar — aliás, não estamos chamando de nova versão, porque não é uma atualização e sim uma mudança completa, quase radical, de tudo aquilo que se viu e se vê no guia alimentar ainda vigente, que é calcado nos nutrientes, e não nos alimentos.
Este novo Guia Alimentar vem com uma conotação qualitativa, e não quantitativa. Essa é a grande tônica dele, no sentido de mostrar que saúde é mais do que a ausência de doenças — todos sabemos disso —, mas que a alimentação é mais do que a ingestão de nutriente.
Então, nós tiramos o enfoque de que temos de consumir proteínas, carboidratos, lipídios, vitaminas, minerais e fibras, ou seja, o enfoque químico que data de 1800. Hoje, nós temos um olhar do alimento como uma matéria que é composta de substâncias químicas que estão nos nutrientes, mas que tem muito mais do que carboidratos, proteínas, lipídios, protídeos, carboidratos não digeríveis, fibras alimentares, vitaminas, minerais, fitoquímicos, mas outras substâncias que ainda são isoladas pela química analítica.
É esse equilíbrio que se busca. Até hoje, com toda a evolução tecnológica, ainda não se conseguiu substituir o leite materno, e não se fará isso, porque nós não vamos conseguir imitar a natureza, e nem devemos ter essa pretensão. Então, o Guia Alimentar deriva de um sistema alimentar sustentável acima de tudo, ou seja, de padrões saudáveis de alimentação. E esses são possíveis a partir do momento em que tenhamos o desenvolvimento de sistemas alimentares que protegem e que respeitam o ambiente natural quando os alimentos são obtidos. Ou seja, o Brasil é campeão mundial no uso de agrotóxicos desde 2008, e isso é inconcebível, porque agrotóxico não faz parte do alimento.
Então, há uma campanha inclusive do nosso Conselho Federal de Nutricionistas e várias entidades do país para repensar esse modelo do agronegócio, que prioriza a produção em grande escala independente da qualidade do alimento. (ecodebate)

Mudanças climáticas fará 50 milhões passar fome em 2050

‘Em 2050, mais de 50 milhões vão passar fome por causa das mudanças climáticas’
Negociador climático das Filipinas que fez greve de fome na reunião do IPCC do ano passado pediu apoio de todos os países e metas mais ambiciosas para combater o aquecimento global e os impactos desse fenômeno
O negociador climático das Filipinas que fez greve de fome na reunião do IPCC do ano passado pediu, em artigo no jornal britânico The Guardian, que todos os governos se juntem na luta contra o aquecimento global. "Pessoas em todo o mundo já estão sentindo as mudanças climáticas. Infelizmente, poucos governos e grandes corporações estão levando esse assunto a sério", disse Naderev Saño, principal delegado do país.
Na última reunião do painel, Saño foi às lágrimas ao pedir, durante a sessão de abertura da 19ª Conferência do Clima da ONU, em Varsóvia, na Polônia, por metas mais ambiciosas de redução das emissões de gases de efeito estufa, assim como por financiamento climático para medidas de adaptação e de compensação para os países que já estão sofrendo com as mudanças climáticas. Na época o país estava se reconstruindo depois da passagem do tufão Haiyan, que matou mais de 10 mil pessoas.
No texto publicado no The Guardian, ele diz o país está até hoje devastado depois da passagem do tufão. "Milhares de pessoas morreram e milhões perderam suas casas e suas formas de sustento. Minha própria família testemunhou a tempestade de perto."
Ele afirmou que uma crise alimentar se aproxima com os piores impactos das mudanças climáticas e que eventos nas Filipinas mostram como os sistemas alimentares estão despreparados para o desafio. "Em 2050, mais 50 milhões de pessoas - o equivalente à população da Espanha - vão correr risco de passar fome por causa das mudanças climáticas."
Saño pediu a cooperação de todos os países, principalmente na ajuda aos mais pobres e mais vulneráveis, para impedir que milhões de pessoas sofram com a fome nas próximas duas décadas por causa dos impactos do aquecimento global, "que já estão ocorrendo".
"Precisamos também de redução urgente e ambiciosa de emissões para evitar uma descontrolada crise alimentar global, que poderia ter graves repercussões para a vida de nossos filhos. Nossa dependência de energia suja fica no caminho de uma solução global para o problema das alterações climáticas e dos alimentos. Temos que acabar com essa 'gula' de combustíveis fósseis", afirmou no artigo do The Guardian. "Estamos em guerra contra as mudanças climáticas e contra a fome. É uma guerra que não nos podemos dar ao luxo de perder. Mas também uma guerra que acredito que podemos vencer juntos." (OESP)

Para Embrapa, nutrição adequada é a meta agora

O presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Maurício Lopes, destaca que as atenções estão voltadas para o desenvolvimento de alimentos com maior poder nutricional e que sejam também funcionais. Lopes afirmou que esta é uma preocupação da pesquisa agropecuária em todo o mundo, para reduzir os gastos do sistema de saúde no tratamento de doenças decorrentes dos hábitos alimentares. Ele cita como exemplo uma nova variedade de alface que está sendo desenvolvida pela Embrapa, rica em ácido fólico, considerado fundamental para mulheres grávidas, pois reduz o risco de má formação congênita.
Na avaliação do presidente da Embrapa, o Brasil já atingiu a segurança alimentar, lembrando que na década de 1960 o País importava alimentos básicos, como arroz, feijão, leite e até carne bovina. Lopes argumenta que foi a combinação de políticas públicas, como o desenvolvimento de pesquisa e transferência dos conhecimentos ao campo, que permitiram ao Brasil diversificar sua produção agropecuária. Um dos poucos produtos no qual o Brasil ainda não atingiu a autossuficiência foi o trigo, "mas estamos trabalhando para tropicalizar a planta". (OESP)

Segurança alimentar depende de renda rural

Seguro agrícola pouco avançou no País, alertam dois ex-ministros da Agricultura.
A falta de instrumentos que garantam a renda no campo em caso de adversidades climáticas e queda de preços dos produtos agrícolas é um dos principais obstáculos que devem ser superados pelo Brasil para que o País atenda às expectativas dos órgãos internacionais e se torne um dos principais fornecedores de alimentos do mundo. Um relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, sigla em inglês) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que até 2020 a produção mundial de alimentos deve crescer 20% para atender à demanda mundial, sendo que a maior expansão será no Brasil, com previsão de aumento de 40%.
Os ex-ministros da Agricultura Alysson Paolinelli e Roberto Rodrigues concordam que o Brasil tem condições para atender às projeções da FAO e da OCDE, mas alertam que a expansão da produção esbarra, entre outros fatores, na falta de instrumentos que garantam a renda no campo. Paolinelli criou, na década de 1970, quando foi ministro, o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) e, na gestão de Rodrigues, foi criada, em 2003, a lei que estabeleceu a concessão de subsídios aos prêmios do seguro agrícola. Ambos reconhecem que houve poucos avanços, pois o seguro agrícola representa pouco mais de 6% da área cultivada no País.
Sem estratégias. A questão da segurança alimentar, tema tradicionalmente tratado pelas áreas sociais do governo nos últimos anos, foi incorporada à pauta de discussões das lideranças rurais, que defendem sua inclusão na política agrícola conduzida pelo Ministério da Agricultura. Paolinelli reclama que o governo não tem dado a devida importância às projeções dos órgãos internacionais, o que, na opinião de Rodrigues, se deve à inexistência de estratégias para a produção agropecuária.
Na opinião de Rodrigues, "o governo federal não reconhece a importância e tem tratado o agronegócio brasileiro com profundo desprezo". Ele diz que o governo parece não levar em conta que o setor é responsável por 23% do Produto Interno Bruto (PIB); por 30% da geração de empregos e pelo desempenho positivo da balança comercial brasileira. No ano passado a balança do agronegócio fechou com saldo positivo de US$ 83 bilhões, enquanto o superávit do País foi de apenas US$ 2,5 bilhões.
Roberto Rodrigues observa que o governo dispõe dos instrumentos de política agrícola, mas o problema é que na hora de por em prática os assuntos relativos ao setor, estes estão dispersos nas diversas esferas do Executivo, como ministérios, autarquias e agências reguladoras, além serem afetados por decisões do Legislativo e do Judiciário. Ele defende que as questões da produção agropecuária e segurança alimentar devem ser tratadas como uma "Política de Estado", vinculada diretamente à Presidência da República.
Agricultura tropical. O domínio das técnicas de cultivo da agricultura tropical põe o Brasil num patamar diferenciado como fornecedor de alimentos para atender ao crescimento da demanda global. Rodrigues lembra que o aumento da produtividade no campo permitiu que nos últimos 20 anos a produção de grãos crescesse 220%, enquanto a área cultivada avançou 40%. Segundo ele, nos últimos 20 anos a produção brasileira de carnes teve crescimento expressivo: 90% em bovina, 238% em suína e 458% em aves. Neste período, a área de pastagem cedeu espaço para a soja, cana e florestas plantadas.
Paolinelli acredita que a grande vantagem do Brasil em relação aos seus concorrentes na produção de alimentos é o domínio da agricultura tropical. "Nossos concorrentes ficam admirados com o fato de conseguirmos cultivar três safras seguidas durante um ano", conta.
Ele lembra que o Brasil foi obrigado a desenvolver tecnologia própria para cultivo nos trópicos, porque não havia referência em outros países. O maior sucesso foi a soja, que, quando chegou ao Brasil, era cultivada apenas no paralelo 30, no Rio Grande Sul, em pouco mais de 200 mil hectares. A pesquisa agropecuária brasileira conseguiu adaptar a planta às condições climáticas do Cerrado e hoje a soja se espalha por 27,7 milhões de hectares.
Um dos trunfos citados por Roberto Rodrigues é o fato de o Brasil contar com um empresariado rural jovem, "com alta competência técnica e gerencial", que são herdeiros daqueles que sobreviveram às dificuldades impostas pelos diversos planos econômicos nas últimas décadas. Para evitar que o problema se repita, Rodrigues destaca a importância da adoção de um seguro de renda, que cubra os prejuízos decorrentes do descasamento entre preços e custos, além das perdas provocadas pelas adversidades climáticas.
40% será a expansão agrícola do Brasil até 2020, ante apenas 20% do restante do mundo. Daí as expectativas sobre o País e sua capacidade de fornecimento de alimentos. (OESP)

A fome não é um alvo fixo

Embora a expansão produtiva seja essencial num mundo que terá 9 bilhões de pessoas em 2050, ela não basta para vencer a batalha da fome.
Não há bala de prata para vencer a fome que enreda as vidas de 840 milhões de pessoas no planeta. A insegurança alimentar que a reproduz não é um alvo estático, mas um processo. Equacioná-la requer idêntica abrangência e dinamismo.
Esse discernimento é essencial diante de um desafio que se transforma sob impulsos variados, que vão desde legados estruturais de injustiça a eventos extremos, cada vez mais frequentes, de natureza ambiental, econômica ou especulativa.
Todos os recursos são bem-vindos na luta contra a fome; mas a tecnologia essencial é o compromisso político com a sua erradicação. Sem esse passaporte, dificilmente o futuro escapará de reproduzir as iniquidades do passado.
Subtrair espaços à incerteza que interliga o carrossel perverso requer uma agenda de capacitação de governos e de atores sociais, além de ferramentas específicas, de protagonismo público e privado, e legislações que salvaguardem os avanços na forma de políticas de Estado duradouras.
Embora a expansão produtiva seja imprescindível num mundo que terá 9 bilhões de bocas a alimentar em 2050, ela não basta para vencer a batalha da fome. Essa é uma guerra marcada sobretudo pelo desafio do acesso e da qualificação produtiva. Mantidas as tendências atuais, será preciso aumentar a produção em 60% para atender à demanda mundial em 2050 - ainda assim cerca de 300 milhões de pessoas continuarão excluídas do direito à alimentação se não superarmos as barreiras de acesso.
O voluntarismo, que acredita ser suficiente dar liberdade à oferta para saciar a demanda, esbarra nesse cenário desconcertante em que a fome perfila ao lado da fertilidade à espera de políticas públicas que as reconcilie.
Reverter esses paradoxos requer uma ação em diversas frentes. A agricultura familiar é um dos ativos estratégicos nessa travessia. Dois dados resumem seu potencial irradiador: cerca de 70% das pessoas em situação de insegurança alimentar vivem nas áreas rurais dos países em desenvolvimento, e 450 milhões de agricultores familiares - 85% do total nessa categoria - têm como principal recurso produtivo a sua própria força de trabalho. Acudir simultaneamente a urgência, por meio da transferência de recursos, e atacar a dimensão estrutural do problema, vinculando o lado produtivo com o social, foi o que fez do caso brasileiro um êxito reconhecido, a ponto de propiciar as bases para uma meta ainda mais ousada, o "Brasil Sem Miséria", e transformar o programa brasileiro de segurança alimentar, o "Fome Zero", em política referencial no mundo em desenvolvimento.
Nada mais ilustrativo que a amarração de diversas ações do que as compras locais da agricultura familiar para abastecer a alimentação escolar. Compare-se com a alternativa convencional, que durante muito tempo predominou em países pobres e em desenvolvimento, a chamada ajuda alimentar vinculada a importações subsidiadas de excedentes dos celeiros ricos. Frequentemente, seu efeito foi oposto ao benefício prometido. Em muitos países a dependência externa do abastecimento a preços deprimidos tornou inviável o cultivo local, acentuou o êxodo rural, inchou periferias miseráveis e amplificou a fome em vez de combatê-la. No entanto, dezenas de países mostram que há alternativas. Cerca de 60 países em desenvolvimento já alcançaram a Meta do Milênio, de reduzir pela metade a proporção de pessoas subnutridas. O Brasil é um deles e inspira outros países na luta contra a fome.
O papel da FAO é apoiá-los nessa caminhada. Para fazê-lo, a organização enfoca suas ações em torno de cinco objetivos que, juntos, ajudarão países a transformar o sonho da segurança alimentar em realidade: o fortalecimento do compromisso político contra a fome; o uso sustentável dos recursos naturais, a redução da pobreza rural, a facilitação de sistemas de alimentação mais eficientes e inclusivos, e o aumento da resiliência de comunidades rurais a choques externos. O desafio é grande, mas a esperança e as possibilidades também, com a consolidação do apoio à agricultura familiar e o fortalecimento da proteção social como linha de passagem para o crescimento sustentável e inclusivo das nações em desenvolvimento. (OESP)

Ondas de calor devem diminuir em 2025

Ondas de calor devem diminuir em 2025, aponta Climatempo. O pico de emissões em 2025 é uma boa notícia, decerto, mas a física é implacável...