sexta-feira, 29 de abril de 2022

Cientistas se mobilizam contra ideia apoiada por Bill Gates para conter aquecimento global

Geoengenharia solar: por que cientistas se mobilizam contra ideia apoiada por Bill Gates para conter aquecimento global.
Fumaça de incêndio na Catalunha

Em um futuro não muito distante, a Terra enfrenta trágicas consequências de um experimento criado para deter a mudança climática: despejar substâncias químicas no céu para formar uma barreira contra os raios solares que aquecem o planeta. A tentativa fracassa. O mundo então adentra uma realidade pós-apocalíptica.

Esse é o enredo de Expresso do Amanhã, uma produção de 2013 dirigida pelo sul-coreano Bong Joon-Ho, o cineasta consagrado por Parasita.

Nem tudo acima é ficção científica. A ideia colocada no filme como uma possível estratégia contra o aquecimento global realmente existe: é o princípio da geoengenharia solar.

Há um centro de pesquisa na prestigiada Universidade Harvard, nos EUA, dedicado a estudar o conceito. O bilionário Bill Gates é um de seus grandes entusiastas, doando milhões para pesquisas.

E também é realidade a monumental tarefa de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C e a ameaça no horizonte de catástrofes climáticas como rotina no mundo.

Em 04/04/22 o braço das Nações Unidas voltado para a mudança climática divulgou um novo relatório, que traz um ultimato: é agora ou nunca para mudar uma perspectiva de secas severas, calor extremo, enchentes devastadoras e extinção em massa de espécies.

Se objetivos traçados não forem alcançados e as mudanças tiverem resultados apenas modestos, a temperatura média no mundo vai subir numa faixa entre 2,1°C e 3,5°C.

Alguns especialistas alertam que a geoengenharia solar pode ganhar força como solução nesse momento de desespero, mesmo com a possibilidade de gerar efeitos colaterais irreversíveis na parte ambiental e perigosos na política - a técnica poderia ser usada como uma imprevisível arma de guerra.

Outros afirmam que não se pode abrir mão de pesquisar saídas diante da urgência da mudança climática - linha de raciocínio adotada por Bill Gates ao falar de geoengenharia.

Em janeiro deste ano, mais de 60 cientistas de vários países lançaram uma iniciativa para que seja simplesmente proibido o desenvolvimento da técnica, que só foi estudada em simulações de computador e necessita de testes de campo.

O abaixo-assinado diz que, além de potenciais resultados desastrosos, a geoengenharia solar não resolve completamente o problema do aquecimento global - um ponto admitido por partidários do conceito.

E poderia desviar atenção da obrigação mais importante e que vem sendo ignorada: a de reduzir sensivelmente as emissões do dióxido de carbono (CO2) que retém o calor na atmosfera.

A BBC News Brasil conversou com cinco cientistas do Brasil e dos EUA, entre críticos e defensores, para explicar as implicações da geoengenharia solar.

Como funciona a geonengenharia solar?

Erupção do vulcão Pinatubo nas Filipinas em 1991, que reduziu a temperatura do planeta nos anos seguintes.

Há diferentes técnicas que são classificadas como geoengenharia solar, incluindo algumas com intervenção sobre as águas dos oceanos em vez da atmosfera.

O princípio da técnica mais debatida hoje, no entanto, se inspira em grandes erupções vulcânicas e se chama injeção de aerossol na estratosfera.

Em 1991, o monte Pinatubo, nas Filipinas, promoveu a segunda maior irrupção de um vulcão no século 20. Deixou mais de 800 mortos e 10 mil desabrigados, além de um rastro de destruição.

Um fenômeno natural também foi constatado: as lavas e cinzas expelidas pelo Pinatubo fizeram com que toneladas de dióxido de enxofre na estratosfera atuassem como uma espécie de espelho para os raios solares.

"Quando você tem muitas e muitas toneladas de fuligem e partículas sólidas lá na alta atmosfera, a radiação solar encontra esses aerossóis ao penetrar na atmosfera e ela é refletida de volta para o espaço. A radiação solar não consegue passar e atingir a superfície da Terra, que teria a temperatura elevada", diz Tércio Ambrizzi, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP).

Os cientistas notaram que os efeitos da atividade vulcânica do Pinatubo em 1991 levaram a uma queda de 0,5°C na temperatura global nos anos seguintes - uma taxa considerada significativa.

"A ideia da geoengenharia solar é injetar aerossóis na estratosfera de forma a inibir esse influxo de energia solar. E com isso você estaria induzindo um resfriamento", afirma Ambrizzi.

Infográfico geoengenharia solar

"A gente sabe que a razão do desparecimento dos dinossauros foi a queda de um meteorito. Junto, há a teoria de que o impacto provocou uma série de explosões vulcânicas pelo planeta gerando uma camada de aerossol que impediu a entrada da radiação solar e baixou a temperatura global."

Para tentar reproduzir o fenômeno, a ideia é construir aeronaves especiais para atingir a estratosfera (numa faixa a cerca de 20-30 km de altitude) e despejar compostos químicos, como sulfatos e variações.

Esse objetivo é considerado bastante exequível do ponto de vista tecnológico.

Outro fator da geoengenharia solar vendido como vantagem é o custo do empreendimento: US$ 10 bilhões anuais nas estimativas mais altas - um valor baixo se comparado aos prejuízos futuros derivados do aquecimento global, calculados já na casa dos trilhões.

Mas Stephen M. Gardiner, da Universidade do Estado de Washington, que estuda questões éticas em problemas ambientais e o impacto sobre as gerações futuras, diz que é consenso "entre cientistas responsáveis" que o conceito é ainda altamente especulativo.

"Mesmo que nós decidíssemos impulsionar fortemente as pesquisas nesse campo, seria uma corrida contra o relógio para desenvolver algo que seria colocado em prática apenas daqui a décadas e inevitavelmente com grandes riscos".

Termômetro na cidade de Toulouse durante onda de calor na França.

Para Gardiner, a crescente atenção sobre a geoengenharia solar é produto do desespero que está tomando conta daqueles que estão conscientes da catástrofe climática no horizonte.

"Está saindo do controle. É difícil saber lidar com os fracassos persistentes das abordagens convencionais, como os acordos (climáticos) de Kyoto e Paris. Portanto, as pessoas estão começando a se agarrar a qualquer coisa. Mesmo ideias altamente especulativas, inerentemente arriscadas e potencialmente desestabilizadoras geopoliticamente como essa começam a ter atenção."

O professor da Universidade de Washington diz que a geoengenharia solar envolveria uma profunda concentração de poder político e necessitaria de novas instituições globais mais poderosas e mais éticas do que as que temos hoje em dia.

"Sem isso, quem manejaria o poder da geoengenharia? Parece inevitável que dessa forma seria uma superpotência, que criaria conflitos com outras grandes potências", afirma Gardiner.

Ambrizzi, da USP, diz que "você não tem o controle de onde vão os aerossóis injetados na atmosfera. Porque na alta atmosfera há fluxos de ventos, há uma circulação intensa na estratosfera. Sem esse controle, você pode desestabilizar regiões que estão equilibradas".

"Suponha que o Brasil resolva fazer esse experimento, mas a Argentina, não. As temperaturas médias começam a cair aqui, mas aumentam em território argentino ou diminuem muito mais do que as atuais. O governo argentino não deu consentimento para isso. Imagine, por exemplo, que o país perde toda a sua produção de vinho e resolve processar o Brasil."

Ele também aponta o alto grau de incerteza existente nos atuais modelos de previsão de tempo e clima, reforçando o caráter de imprevisibilidade da geoengenharia solar no estágio que se encontra.

Em defesa da pesquisa

David Keith, professor de física aplicada e de políticas públicas na Harvard Kennedy School, é um dos principais nomes citados quando se fala no tópico.

"Minha leitura é que há forte evidência de que a geoengenharia solar poderia reduzir significativamente alguns riscos climáticos na segunda metade deste século", diz Keith.

"Modelos climáticos mostram consistentemente que uma combinação de corte de emissões e de uma geoengenharia solar uniforme e consistente reduziria mais as temperaturas médias e máximas do que o corte de emissões sozinho".

Críticos dizem que geoengenharia solar poderia tirar foco do objetivo principal, cortar emissões de carbono à atmosfera.

"Dada a evidência de que a elevação adicional de 1°C no calor prejudica mais as regiões mais quentes do planeta e dado que os mais pobres e mais vulneráveis estão concentrados em regiões quentes, parece provável que a geoengenharia solar seria particularmente efetiva em reduzir os riscos nesses lugares", complementa.

Holly Jean Buck, autora do livro After Geoengineering - Climate Tragedy, Repair and Restoration (Após a Geoengenharia - Tragédia Climática, Reparação e Restauração, em tradução livre), defende as pesquisas por causa dos riscos que estão sendo oferecidos pela mudança climática.

Ela concorda que é preciso entender quais seriam os impactos da geoengenharia solar sobre o planeta e que são necessários muitos estudos antes de colocar a técnica em prática.

"Entretanto, o abaixo-assinado [contra o desenvolvimento da técnica] pede por medidas que impactariam a habilidade de uma pesquisa ser financiada, conduzida e avaliada de forma transparente."

Ambos reconhecem que há o risco de a geoengenharia solar tirar o foco do principal, o corte das emissões de carbono, e que a técnica só funciona como um complemento para esse objetivo.

'Paliativo'

Emilia Wanda Rutkowski, professora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, foi uma das signatárias do documento que pede uma moratória no desenvolvimento da geoengenharia solar.

"Tentar achar uma solução sem que se modifique a essência do problema [do aquecimento global] não é uma solução de fato. É um paliativo. E todo paliativo tende a mostrar um problema mais à frente que você não conseguiu perceber na hora da emergência", diz Rutkowski.

Ela diz que está se "empurrando com a barriga" a questão. "Então por que não se começa pelo que se sabe que é a causa essencial"?

Planeta Terra na beira do abismo!!!

BBC analisou algumas das alegações que mais viralizaram no ano passado e o que elas podem nos dizer agora sobre a negação das mudanças climáticas. (yahoo)

5 maneiras de salvar o planeta

5 maneiras de salvar o planeta, segundo cientistas da ONU.
Refinaria de petróleo na Escócia.

Os riscos das mudanças climáticas vêm sendo demonstrados há anos. Mas há menos atenção voltada às formas de realmente enfrentar o problema.

No início de abril, cientistas da ONU apresentaram um plano que eles acreditam que poderá ajudar as pessoas a evitar os piores impactos do aumento das temperaturas no planeta. O relatório, preparado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC, na sigla em inglês), basicamente convoca uma revolução sobre nossa forma de produção da energia necessária para as atividades humanas.

Para evitar os grandes perigos do aquecimento global, as emissões de carbono precisam parar de crescer nos próximos três anos e cair rapidamente em seguida. E, mesmo assim, será necessário usar tecnologia para retirar CO2 do ar e manter as temperaturas baixas.

Segundo os pesquisadores, existem cinco ideias fundamentais para manter a segurança do planeta:

1 - O carvão precisa se aposentar (de novo!)

O relatório do IPCC tem 63 páginas detalhadas, repletas de observações e complexas notas de rodapé. Toda essa verborragia não consegue esconder a mensagem central dos cientistas: se o mundo quiser se livrar dos perigos do aquecimento global, os combustíveis fósseis precisam ser eliminados.

Manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C exige que as emissões parem de crescer até 2025, segundo os pesquisadores, e sejam reduzidas em 43% até o final da década. A forma mais eficaz de alcançar esse objetivo é gerar energia de fontes sustentáveis, como eólica e solar.

Os autores indicam redução drástica dos custos dessas tecnologias, que atingiu cerca de 85% desde 2010. E, embora a guerra na Ucrânia esteja fazendo com que os governos europeus voltem a flertar com a ideia do uso de carvão, rico em carbono, os meios políticos claramente aceitam que a energia sustentável barata é o único caminho para eliminar a dependência de Putin no setor de energia.

Por isso, para o bem da temperatura do planeta (e da política atual), o IPCC acredita que o carvão deverá ser finalmente aposentado para sempre.

"Acho que esta é uma mensagem muito forte, não deve haver novas usinas movidas a carvão. Caso contrário, realmente será um risco para o limite de 1,5°C", afirma Jan Christoph Minx, professor da Universidade de Leeds, no Reino Unido, e um dos coordenadores do estudo do IPCC.

"Acho que a grande mensagem do relatório é que precisamos pôr fim à era dos combustíveis fósseis. E não é preciso simplesmente encerrá-la; precisamos encerrá-la com muita rapidez", segundo ele.

2 - O improvável vira realidade...

Alguns anos atrás, soluções tecnológicas para as mudanças climáticas eram geralmente consideradas ideias excêntricas. Desde pulverizar substâncias na atmosfera até resfriar a Terra bloqueando o Sol com escudos espaciais, diversas ideias foram ridicularizadas, criticadas e rapidamente esquecidas.

Mas, à medida que a crise climática se amplia e o corte das emissões de carbono parece ser difícil, os pesquisadores vêm sendo forçados a examinar novamente o papel da tecnologia para limitar e até reduzir o CO2 da atmosfera.

A ideia de remoção do dióxido de carbono da atmosfera agora é considerada totalmente normal, depois de ser endossada pelo IPCC no último relatório.

Os cientistas são claros: será realmente impossível manter as temperaturas baixas sem alguma forma de remoção de carbono, seja com árvores ou com máquinas de filtragem do ar.

Mas existe muita oposição dos ambientalistas. Parte deles acusa o IPCC de ceder aos países produtores de combustíveis fósseis e depositar ênfase demais em tecnologias que, essencialmente, permanecem sem comprovação.

"A principal desvantagem que vejo é o fato de que o relatório é muito tolerante quanto à rápida supressão dos combustíveis fósseis", segundo Linda Schneider, da Fundação Heinrich Böll, em Berlim, na Alemanha.

"Eu esperava que o relatório apresentasse os processos mais confiáveis e seguros para atingirmos o limite de 1,5°C, sem exagerar e depender de tecnologias que simplesmente não sabemos se irão funcionar", afirma ela.

3 - Reprimir a demanda é uma arma secreta

Uma das grandes diferenças entre este relatório e suas versões anteriores é que a ciência social tem forte presença. Ela se concentra principalmente na ideia de reduzir a demanda de energia das pessoas nos campos da moradia, mobilidade e nutrição.

Isso engloba uma série de questões - incluindo alimentação de baixo carbono, resíduos alimentares, como construímos nossas cidades e como levamos para as pessoas opções de transporte com maior economia de carbono.

Carros elétricos trazem grande diferença para as emissões do transporte, mas exigem investimentos em tecnologia de carregamento de energia para acelerar sua aceitação.

O IPCC acredita que as mudanças nessas áreas poderão limitar as emissões dos setores de consumo final em 40 a 70% até 2050, aumentando ainda o bem-estar das pessoas. É um objetivo ambicioso, mas o relatório é bem específico e detalhado - e, sim, será necessário ter estímulos e incentivos dos governos.

Mas parece ser uma forma mais ou menos tranquila de causar impactos reais.

4 - Resfriar o planeta com dinheiro...

Muitas vezes se postergou o combate às mudanças climáticas devido aos altos custos envolvidos. Mas essa impressão se alterou nos últimos anos, já que a conta financeira dos desastres climáticos vem crescendo de forma consistente.

Agora, o IPCC está anunciando novas orientações quanto aos custos. O ponto principal é que, para transformar o planeta, com o perdão do trocadilho, não será necessário mover o mundo.

O IPCC afirma que ainda existe muito dinheiro sendo gasto com combustíveis fósseis e não com soluções de energia limpa. Se os subsídios dos governos para os combustíveis fósseis fossem eliminados, as emissões seriam reduzidas em até 10% em 2030, segundo o Greenpeace.

O IPCC afirma que, com o passar do tempo, os modelos que incorporam os danos econômicos causados pelas mudanças climáticas demonstram que o custo global de limitar o aquecimento em 2°C ao longo deste século é menor que os benefícios econômicos globais da redução do aquecimento.

Já manter as temperaturas bem abaixo de 2°C custa um pouco mais, mas não muito, considerando os danos evitados e a ampla variedade de benefícios decorrentes, como ar e água mais limpos.

"Se você observar os cenários mais agressivos do relatório, custaria no máximo 0,1% do crescimento anual considerado do PIB", segundo Michael Grubb, professor do University College de Londres, outro dos coordenadores do relatório.

5 - Atacar os ricos... ou torná-los exemplos?

O relatório renova a ênfase no impacto desproporcional dos ricos sobre o planeta. Segundo o IPCC, 10% das residências com maiores emissões per capita contribuem com 45% das emissões domésticas de gases do efeito estufa causadas pelo consumo.

Essencialmente, o relatório afirma que as pessoas mais ricas do mundo gastam grande parte do seu dinheiro em mobilidade, incluindo aviões particulares.

Seria então o caso de submetê-los a aumentos de impostos ou outras formas de restringir suas emissões? Sim, pode ser o caso, mas alguns autores do IPCC acreditam que os ricos têm outros papéis a desempenhar para ajudar o mundo a zerar suas emissões.

"Os indivíduos ricos contribuem desproporcionalmente com maiores emissões, mas têm alto potencial de redução, mesmo mantendo alto nível de bem-estar e um padrão de vida decente", afirma Patrick Devine-Wright, um dos principais autores do IPCC, da Universidade de Exeter, no Reino Unido.

"Acho que existem indivíduos com alta posição socioeconômica que são capazes de reduzir suas emissões, tornando-se modelos de estilo de vida de baixo carbono, selecionando seus investimentos em negócios e oportunidades de baixo carbono e fazendo lobby em prol de políticas climáticas rígidas", segundo ele. (yahoo)

Níveis de CO2 e metano na atmosfera atingem novos recordes em 2021

Embora o dióxido de carbono permaneça na atmosfera por muito mais tempo, o metano é aproximadamente 25 vezes mais poderoso na retenção de calor na atmosfera.

Pelo segundo ano consecutivo, os cientistas da NOAA observaram um aumento anual recorde nos níveis atmosféricos de metano, um poderoso gás de efeito estufa que retém o calor e é o segundo maior contribuinte para o aquecimento global causado pelo homem depois do dióxido de carbono.

A análise preliminar da NOAA mostrou que o aumento anual do metano atmosférico durante 2021 foi de 17 partes por bilhão (ppb), o maior aumento anual registrado desde que as medições sistemáticas começaram em 1983. O aumento em 2020 foi de 15,3 ppb. Os níveis de metano atmosférico atingiram em média 1.895,7 ppb durante 2021, ou cerca de 162% acima dos níveis pré-industriais. A partir das observações da NOAA, os cientistas estimam que as emissões globais de metano em 2021 sejam 15% maiores do que no período 1984-2006.

Tendência de CH4: Este gráfico mostra a média global da abundância de metano atmosférico média mensal determinada a partir de locais de superfície marinha desde 1983

Enquanto isso, os níveis de dióxido de carbono também continuam a aumentar a taxas historicamente altas. A média da superfície global de dióxido de carbono durante 2021 foi de 414,7 partes por milhão (ppm), o que representa um aumento de 2,66 ppm em relação à média de 2020. Isso marca o 10º ano consecutivo em que o dióxido de carbono aumentou mais de 2 partes por milhão, o que representa a taxa sustentada de aumento mais rápida nos 63 anos desde o início do monitoramento.

Tendência de CO2: Este gráfico mostra a abundância média mensal de dióxido de carbono em média global em locais de superfície marinha desde 1980.

“Nossos dados mostram que as emissões globais continuam a se mover na direção errada em ritmo acelerado”, disse Rick Spinrad, Ph.D., Administrador da NOAA. “As evidências são consistentes, alarmantes e inegáveis. Precisamos construir uma Nação Preparada para o Clima para se adaptar ao que já está aqui e se preparar para o que está por vir. Ao mesmo tempo, não podemos mais adiar ações urgentes e eficazes necessárias para resolver a causa do problema – a poluição por gases de efeito estufa”.

O dióxido de carbono continua a ser a maior ameaça da mudança climática

Embora tenha havido um debate científico sobre a causa do aumento contínuo dos níveis de metano, a poluição por dióxido de carbono sempre foi o principal motor das mudanças climáticas causadas pelo homem. Estima-se que 36 bilhões de toneladas de dióxido de carbono foram emitidas na atmosfera no ano passado pela atividade humana; cerca de 640 milhões de toneladas de metano foram emitidas durante o mesmo período. O tempo de residência atmosférica do metano é de aproximadamente nove anos, enquanto parte do dióxido de carbono emitido hoje continuará a aquecer o planeta por milhares de anos.

Os níveis atmosféricos de dióxido de carbono são agora comparáveis ​​a onde eles estavam durante o meio da época do Plioceno, cerca de 4,3 milhões de anos atrás. Durante esse período, o nível do mar era cerca de 75 pés mais alto do que hoje, a temperatura média era 7 graus Fahrenheit mais alta do que nos tempos pré-industriais, e estudos indicam grandes florestas ocuparam áreas do Ártico que agora são tundra.

Dados de CO2: Este gráfico mostra as taxas médias anuais de crescimento de dióxido de carbono, com base em dados médios globais da superfície marinha, desde o início do monitoramento sistemático em 1959. As linhas horizontais indicam as médias decenais da taxa de crescimento.

“O efeito das emissões de dióxido de carbono é cumulativo”, disse Pieter Tans, cientista sênior do Laboratório de Monitoramento Global. “Cerca de 40% das emissões do Ford Modelo T de 1911 ainda estão no ar hoje. Estamos a meio caminho de dobrar a abundância de dióxido de carbono que estava na atmosfera no início da Revolução Industrial”. 

Controle de muitas fontes de metano tecnicamente possível hoje

Embora o dióxido de carbono permaneça na atmosfera por muito mais tempo, o metano é aproximadamente 25 vezes mais poderoso na retenção de calor na atmosfera e tem uma importante influência de curto prazo na taxa de mudança climática.

O metano na atmosfera é gerado por muitas fontes diferentes, como produção, transporte e uso de combustíveis fósseis, a partir da decomposição de matéria orgânica em áreas úmidas e como subproduto da digestão por animais ruminantes, como vacas. Determinar quais fontes específicas são responsáveis ​​por variações nos aumentos anuais de metano é complexo, mas os cientistas estimam que a produção e o uso de combustíveis fósseis contribuem com cerca de 30% das emissões totais de metano. Essas fontes industriais de metano são relativamente simples de identificar e controlar usando a tecnologia atual.

“Reduzir as emissões de metano é uma ferramenta importante que podemos usar agora para diminuir os impactos das mudanças climáticas no curto prazo e reduzir rapidamente a taxa de aquecimento”, disse Spinrad. “Não vamos esquecer que o metano também contribui para a formação de ozônio ao nível do solo, que causa cerca de 500.000 mortes prematuras a cada ano em todo o mundo.”

Pesquisas anteriores de metano da NOAA que utilizaram análises isotópicas de carbono estáveis ​​realizadas pelo Instituto de Pesquisa Ártica e Alpina da Universidade do Colorado indicam que fontes biológicas de metano, como pântanos ou agricultura de ruminantes, são o principal fator de aumentos pós-2006. Os cientistas da NOAA estão preocupados que o aumento do metano biológico possa ser o primeiro sinal de um ciclo de feedback causado em parte por mais chuva sobre as zonas úmidas tropicais que estariam em grande parte além da capacidade de controle dos humanos.

“Reduzir as emissões de metano fóssil é um passo necessário para mitigar as mudanças climáticas”, disse Xin Lan, membro do CIRES cientista que trabalha no Laboratório de Monitoramento Global da NOAA. “Mas a extrema longevidade das emissões de dióxido de carbono na atmosfera significa que precisamos reduzir agressivamente a poluição por combustíveis fósseis a zero o mais rápido possível, se quisermos evitar os piores impactos de um clima em mudança”.

Dados de CO2: Este gráfico mostra as taxas médias anuais de crescimento de dióxido de carbono, com base em dados médios globais da superfície marinha, desde o início do monitoramento sistemático em 1959. As linhas horizontais indicam as médias decenais da taxa de crescimento.

“O efeito das emissões de dióxido de carbono é cumulativo”, disse Pieter Tans, cientista sênior do Laboratório de Monitoramento Global. “Cerca de 40% das emissões do Ford Modelo T de 1911 ainda estão no ar hoje. Estamos a meio caminho de dobrar a abundância de dióxido de carbono que estava na atmosfera no início da Revolução Industrial”. 

Controle de muitas fontes de metano tecnicamente possível hoje

Embora o dióxido de carbono permaneça na atmosfera por muito mais tempo, o metano é aproximadamente 25 vezes mais poderoso na retenção de calor na atmosfera e tem uma importante influência de curto prazo na taxa de mudança climática.

O metano na atmosfera é gerado por muitas fontes diferentes, como produção, transporte e uso de combustíveis fósseis, a partir da decomposição de matéria orgânica em áreas úmidas e como subproduto da digestão por animais ruminantes, como vacas. Determinar quais fontes específicas são responsáveis ​​por variações nos aumentos anuais de metano é complexo, mas os cientistas estimam que a produção e o uso de combustíveis fósseis contribuem com cerca de 30% das emissões totais de metano. Essas fontes industriais de metano são relativamente simples de identificar e controlar usando a tecnologia atual.

“Reduzir as emissões de metano é uma ferramenta importante que podemos usar agora para diminuir os impactos das mudanças climáticas no curto prazo e reduzir rapidamente a taxa de aquecimento”, disse Spinrad. “Não vamos esquecer que o metano também contribui para a formação de ozônio ao nível do solo, que causa cerca de 500.000 mortes prematuras a cada ano em todo o mundo.”

Pesquisas anteriores de metano da NOAA que utilizaram análises isotópicas de carbono estáveis ​​realizadas pelo Instituto de Pesquisa Ártica e Alpina da Universidade do Colorado indicam que fontes biológicas de metano, como pântanos ou agricultura de ruminantes, são o principal fator de aumentos pós-2006. Os cientistas da NOAA estão preocupados que o aumento do metano biológico possa ser o primeiro sinal de um ciclo de feedback causado em parte por mais chuva sobre as zonas úmidas tropicais que estariam em grande parte além da capacidade de controle dos humanos.

“Reduzir as emissões de metano fóssil é um passo necessário para mitigar as mudanças climáticas”, disse Xin Lan, membro do CIRES cientista que trabalha no Laboratório de Monitoramento Global da NOAA. “Mas a extrema longevidade das emissões de dióxido de carbono na atmosfera significa que precisamos reduzir agressivamente a poluição por combustíveis fósseis a zero o mais rápido possível, se quisermos evitar os piores impactos de um clima em mudança”.

“Vai exigir muito trabalho duro para reverter essas tendências, e claramente isso não está acontecendo”, disse Ariel Stein, diretor do Laboratório de Monitoramento Global. “Portanto, é crucial que continuemos a manter sistemas integrados e robustos de monitoramento e verificação para ajudar a avaliar o estado atual da carga atmosférica de gases de efeito estufa, bem como determinar a eficácia das futuras medidas de redução de emissões de gases de efeito estufa”. (ecodebate)

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Estudo relaciona emissões de gases de efeito estufa e aumento do nível do mar

Técnicas avançadas de modelagem oceânica revelam como as emissões de gases de efeito estufa contribuem para oceanos mais quentes e o derretimento resultante do manto de gelo da Antártida Ocidental.

Um novo estudo dos cientistas Kaitlin Naughten e Paul Holland, da British Antarctic Survey (BAS), fornece a primeira evidência de que o aumento dos gases de efeito estufa tem um efeito de aquecimento de longo prazo no Mar de Amundsen, na Antártida Ocidental.

A perda de gelo do manto de gelo da Antártida Ocidental no Mar de Amundsen é uma das contribuições de crescimento mais rápido e mais preocupantes para o aumento global do nível do mar. Se a camada de gelo da Antártida Ocidental derreter, o nível global do mar pode subir até três metros. Os padrões de perda de gelo sugerem que o oceano pode estar aquecendo no Mar de Amundsen nos últimos cem anos, mas as observações científicas da região só começaram em 1994.

Infográfico mostrando o fortalecimento das correntes de água quente no Mar de Amundsen, que se acredita serem responsáveis pelo aumento do derretimento do manto de gelo da Antártida Ocidental.

No estudo – publicado na revista Geophysical Research Letters – os oceanógrafos usaram modelagem computacional avançada para simular a resposta do oceano a uma série de possíveis mudanças na atmosfera entre 1920-2013.

As simulações mostram que o Mar de Amundsen geralmente se tornou mais quente ao longo do século. Este aquecimento corresponde a tendências simuladas nos padrões de vento na região que aumentam as temperaturas ao conduzir correntes de água quente em direção e sob o gelo. Sabe-se que o aumento dos gases de efeito estufa torna esses padrões de vento mais prováveis e, portanto, acredita-se que a tendência dos ventos seja causada em parte pela atividade humana.

Dr Kaitlin Naughten, modelador de gelo oceânico da BAS e principal autor deste estudo, diz: “Nossas simulações mostram como o Mar de Amundsen responde às tendências de longo prazo na atmosfera, especificamente os ventos de oeste do Hemisfério Sul. Isso levanta preocupações para o futuro, porque sabemos que esses ventos são afetados por gases de efeito estufa. No entanto, também deve nos dar esperança, porque mostra que o aumento do nível do mar não está fora de nosso controle”.

Este estudo apoia as teorias de que as temperaturas dos oceanos no Mar de Amundsen estão aumentando desde antes do início dos registros. Ele também fornece o elo perdido entre o aquecimento dos oceanos e as tendências do vento, que são parcialmente causadas pelos gases de efeito estufa.

As temperaturas dos oceanos ao redor do manto de gelo da Antártida Ocidental provavelmente continuarão a subir se as emissões de gases de efeito estufa aumentarem, com consequências para o derretimento do gelo e os níveis globais do mar. Esses resultados sugerem, no entanto, que essa tendência pode ser contida se as emissões forem suficientemente reduzidas e os padrões de vento na região forem estabilizados.

O professor Paul Holland, cientista de oceanos e gelo da BAS e coautor do estudo, diz: “Mudanças nos ventos de oeste do Hemisfério Sul são uma resposta climática bem estabelecida ao efeito dos gases de efeito estufa. No entanto, o Mar de Amundsen também está sujeito a uma variabilidade climática natural muito forte. As simulações sugerem que tanto as mudanças naturais quanto as antropogênicas são responsáveis pela perda de gelo do manto de gelo da Antártida Ocidental causada pelo oceano”. (ecodebate)

Principais destaques e alertas do novo relatório do IPCC

As políticas públicas de clima adotadas no mundo até 2020 levarão a Terra a um aquecimento de 3,2°C, mais do que o dobro do limite do Acordo de Paris.

O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) lançou em 04/04/22 o 3º e último tomo de seu Sexto Relatório de Avaliação (AR6). O documento traz as contribuições do Grupo de Trabalho 3 do painel do clima, que trata de mitigação (redução de emissões de gases de efeito estufa).

Os 268 integrantes do grupo, de 65 países, inclusive o Brasil revisaram mais de 8.000 publicações científicas e responderam a 6.000 comentários nos rascunhos do documento, cujo sumário executivo foi lançado com atraso após negociações tensas sobre sua linguagem, que opuseram países desenvolvidos e países em desenvolvimento.

Conheça aqui algumas das principais conclusões do sumário:

• As emissões de gases de efeito estufa no mundo foram de 59 bilhões de toneladas em 2019, um valor 12% maior do que em 2010 e 54% maior do que em 1990. A última década teve o maior crescimento de emissões da história humana: 9,1 bilhões de toneladas a mais do que na década anterior – mesmo com a consciência da escala do problema e da urgência da ação.

• Desde a era pré-industrial até hoje, a humanidade já emitiu 2,4 trilhões de toneladas de CO2. Desse total, 58% foram emitidos entre 1850 e 1989, e 42% entre 1990 e 2019. Dezessete por cento de todo o carbono emitido foi lançado no ar apenas na última década.

• Para que a humanidade tenha uma chance de pelo menos 50% de estabilizar o aquecimento global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, como determina o Acordo de Paris, as emissões globais de gases de efeito estufa precisam atingir seu pico entre 2020 e 2025 e cair 43% até 2030. Só que desde 2010 elas cresceram 12%.

• As políticas públicas de clima adotadas no mundo até 2020 levarão a Terra a um aquecimento de 3,2°C, mais do que o dobro do limite do Acordo de Paris.

• O gás carbônico já emitido até hoje corresponde a 80% de tudo o que a humanidade pode emitir se quiser ter uma chance de 50% ou mais de estabilizar o aquecimento da Terra em 1,5°C, como preconizado pelo Acordo de Paris.

• A intensidade de carbono do setor industrial e da queima de combustíveis fósseis (o total de CO2 por unidade de energia produzida) caiu 0,3% por ano na última década. Para atingir a meta de 1,5°C de temperatura, essa queda precisaria ser 7,7% por ano, ou 25 vezes maior.

• Existe uma imensa diferença regional e social entre as emissões: 10% dos lares do mundo respondem por 35% a 45% das emissões de gases de efeito estufa, e 50% dos lares responde por 13% a 15% desse total. Os países mais pobres do mundo e as nações-ilhas, as principais vítimas dos impactos climáticos, contribuíram juntos com menos de 4% das emissões do mundo em 2019.

• Pelo menos 18 países, a partir do Protocolo de Kyoto (o primeiro acordo internacional de redução de emissões), vêm reduzindo de forma consistente suas emissões de gases-estufa há mais de uma década.

• O mundo tem hoje condições de cortar emissões pela metade em 2030 em relação a 2019 lançando mão de estratégias e tecnologias de mitigação que custam até US$ 100 a tonelada. Metade dessas estratégias custa menos de US$ 20 a tonelada, e no setor de energia, em especial em eólica e solar, há potencial de redução a custo negativo – ou seja, é mais barato adotar as renováveis do que seguir com as fósseis. Na última década, o preço da energia solar e das baterias de íon de lítio caiu 85%, o da energia eólica caiu 55%, enquanto a adoção de carros elétricos cresceu 100 vezes e a instalação de painéis solares cresceu 10 vezes.

• As metas climáticas (NDCs) adotadas em Paris e atualizadas até 2020 reduziram em 15% a 20% o hiato entre o que é emitido e o que é necessário emitir para estabilizar o clima. O chamado “gap de emissões” para uma chance de 50% de estabilizar o aquecimento em 1,5°C é de 16 bilhões a 23 bilhões de toneladas em 2030, se todas as NDCs forem cumpridas com régua e compasso.

• A infraestrutura fóssil existente e planejada hoje já tem emissões de carbono comprometidas (“locked-in”) suficientes para impedir o cumprimento da meta de 1,5°C. O recado tácito do IPCC é que esses projetos precisarão ser descontinuados ou ter suas emissões compensadas de alguma forma.

• Quanto mais rápida e profundamente a humanidade cortar emissões, menor será a necessidade da chamada “remoção de dióxido de carbono”, nome dado a estratégias que vão desde o reflorestamento até a extração direta de CO2 do ar (DACCS) e o armazenamento geológico de CO2 em termelétricas fósseis (CCS) ou em usinas de bioenergia (BECCS). Menos também é o risco de um “overshoot”, uma ultrapassagem temporária – mas cujo dano pode ser permanente – do limite de temperatura de 1,5°C.

• Em cenários de estabilização da temperatura em 1,5°C sem “overshoot” ou com um “overshoot” limitado, o uso de carvão mineral precisa cair 95%, o de petróleo 60% e o de gás natural 45% até 2050.

• Isso significa que a indústria fóssil poderá ter “ativos encalhados”, ou seja, investimentos que não poderão chegar ao mercado. Segundo o IPCC, para uma estabilização da temperatura global em 2°C, os ativos fósseis em risco de encalhe são de US$ 1 trilhão a US$ 4 trilhões entre 2015 e 2050. Ativos de carvão podem encalhar já em 2030. Isso é um alerta para o Brasil, que vem ampliando investimentos no pré-sal e neste ano sancionou uma lei permitindo a construção de novas termelétricas a carvão até 2040.

• As cidades são uma das principais preocupações do novo relatório do IPCC. Segundo o painel, as urbes podem se aproximar da emissão líquida zero por meio de mudanças no consumo energético e material, eletrificação do transporte e pelo sequestro de carbono no meio ambiente urbano. Sem medidas de mitigação, as cidades passarão de 29 bilhões a 40 bilhões de toneladas de CO2 e metano em 2050. Com medidas ambiciosas e imediatas, esse total cai para 3 bilhões de toneladas.

• O setor de construções, essencial para as cidades, também tem um enorme potencial de mitigação, e corre risco de “lock-in”, ou emissões comprometidas, dada a longa vida útil dos prédios. Desde 1990, as emissões da construção cresceram 50%, mas elas têm potencial de redução de 61% até 2050.

• Os veículos elétricos têm o maior potencial de mitigação no setor de transportes, que não deverá atingir a emissão líquida zero em 2050 e precisará ter seu carbono compensado de alguma forma. Os biocombustíveis sustentáveis – que não competem por terras com a produção de alimentos ou com comunidades tradicionais – também podem auxiliar no corte de emissões no curto e médio prazo. Já para a aviação e a navegação, segundo o IPCC, não existem hoje tecnologias escaláveis que possam dar conta de toda a redução necessária nesses setores. Novos biocombustíveis de alta densidade são uma das soluções no horizonte.

• O uso da terra (Afolu, na sigla em inglês), que inclui agropecuária e desmatamento, tem potencial de reduzir emissões de até 14 bilhões de toneladas por ano até 2050 a custos de US$ 100 ou menos por tonelada. Metade desse potencial está em estratégias e tecnologias de menos de US$ 20 a tonelada – a principal delas é a redução do desmatamento nos trópicos, outro tema de interesse direto do Brasil. Segundo o IPCC, medidas de mitigação no setor de Afolu não podem ser usadas como substituto para a redução em outros setores.

• Quando se considera os custos dos impactos climáticos e das medidas de adaptação, cortar emissões não impacta de forma significativa o PIB global. É esperado que o PIB do mundo dobre até 2050, enquanto trajetórias de mitigação compatíveis com 1,5°C a serem adotadas de agora a 2025 produziriam uma redução de 0,04 a 0,09 ponto percentual por ano na riqueza global.

• Os fluxos financeiros não estão alinhados com a necessidade. Para a meta de 1,5°C é preciso que o financiamento climático seja seis vezes maior do que é hoje. Dinheiro existe, segundo o IPCC – há liquidez de capital global para fechar as brechas de financiamento –, mas há barreiras de todos os tipos para que o recurso seja aplicado.

• Povos indígenas são citados nada menos do que 12 vezes no sumário executivo do Grupo 3 do AR6. Painel alerta para os potenciais benefícios e riscos de estratégias de mitigação que envolvam uso da terra para essas comunidades, para a necessidade de garantir os seus direitos territoriais e de incorporar os conhecimentos indígenas às políticas de redução de emissões de gases de efeito estufa.

O que é o IPCC?

Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas foi criado em dezembro/1988 pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Ele é um comitê composto de centenas de cientistas do mundo inteiro escolhidos pelos governos com a missão de avaliar periodicamente o estado da arte do conhecimento científico sobre as mudanças do clima. Essas avaliações são publicadas periodicamente, na forma dos chamados Relatórios de Avaliação. Cientistas e os relatórios se distribuem em 3 grupos de trabalho: o Grupo 1 (WG1), que trata da base física (as causas) das mudanças do clima, o Grupo 2 (WG2), que trata de impactos, vulnerabilidades (as consequências) e adaptação, e o Grupo 3 (WG3), que lida com a mitigação (as soluções).

O que é o documento publicado hoje?

Em seus 32 anos de existência o IPCC já publicou cinco grandes Relatórios de Avaliação: o FAR (First Assessment Report), em 1990; o SAR (Second Assessment Report), em 1995; o TAR (Third Assessment Report), em 2001; o AR4 (Fourth Assessment Report), em 2007, e o AR5 (Fifth Assessment Report), entre 2013 e 2014, além de uma série de relatórios especiais e outros documentos. Em 2021 começa a ser publicado o sexto relatório, o AR6.

Como o objetivo principal do IPCC é informar políticas públicas para combater a mudança do clima, cada Relatório de Avaliação tem um sumário executivo para tomadores de decisão, conhecidos pela sigla SPM (“Summary for Policymakers”). Os sumários são documentos dirigidos para políticos e tomadores de decisões, que resumem as principais conclusões técnicas dos relatórios. O documento lançado hoje é o relatório do Grupo 3 do AR6, que completa a trilogia dos relatórios deste ciclo. No segundo semestre o IPCC publicará um relatório-síntese, que amarra as conclusões dos três grupos.

Os governos interferem no IPCC?

Sim e não. A linguagem dos SPM é negociada nas assembleias do IPCC, das quais participam representantes de governos do mundo inteiro. Por isso os sumários tendem a ser conservadores, porque é preciso ajustar a escrita aos caprichos da diplomacia e às suscetibilidades de cada governo. No entanto, os sumários técnicos e os relatórios não são submetidos aos governos. E, o mais importante, os governos não mudam os dados nem as conclusões do painel – quem dá as cartas é a ciência.

O IPCC é alarmista?

Ao contrário: como reflete o consenso científico e os estudos mais aceitos da literatura, o IPCC tende a ser bastante conservador em seus relatórios, e mais conservador ainda em seus sumários para tomadores de decisão. Um exemplo clássico dessa cautela aconteceu em 2007, no AR4, com os dados sobre nível do mar: embora já houvesse estudos mostrando que o degelo da Antártida e da Groenlândia podia ser mais rápido do que o imaginado e que o mar poderia subir mais de 1 metro até o fim do século, o relatório ficou com uma estimativa mais baixa, 88 cm.

Quantos cientistas participam do IPCC?

O número varia a cada ciclo de avaliação. O AR6 teve 801 autores e revisores, sendo 21 brasileiros.

O que significa a linguagem estatística do IPCC?

Como trata de ciência e de cenários para o futuro, o IPCC não pode fazer previsões. Pode, no máximo, dizer qual é a probabilidade de um determinado fato, observação ou fenômeno. Em outras palavras, o painel precisa comunicar as incertezas inerentes a qualquer ciência. Para isso, lança mão de uma classificação estatística onde:

Virtualmente certo: 99% a 100% de probabilidade

Extremamente provável: 95% a 99% de probabilidade

Muito provável: 90% a 95% de probabilidade

Provável: 66% a 90% de probabilidade

Mais provável que improvável: mais de 50% de probabilidade

Tão provável quanto improvável: 33% a 66% de probabilidade

Improvável: menos de 33% de probabilidade

Muito improvável: menos de 10% de probabilidade

Extremamente improvável: menos de 5% de probabilidade

O painel também expressa intervalos de confiança no entendimento científico de uma questão. Pense na probabilidade de um mesmo resultado caso um evento se repita dez vezes, por exemplo. Assim:

Muito alta confiança: 9 em 10 chances

Alta confiança: 8 em 10 chances

Média confiança: 5 em 10 chances

Baixa confiança: 2 em 10 chances

Muito baixa confiança: 1 em 10 chance
Créditos e aviso

Este documento é uma compilação adaptada de alguns dos principais resultados do SPM (Sumário para Tomadores de Decisão) do Grupo de Trabalho 3 do IPCC em seu Sexto Relatório de Avaliação. Ele tem o objetivo de facilitar o acesso em português aos principais destaques do SPM. Este resumo não é feito pelo IPCC, nem representa de forma alguma o painel. (ecodebate)

Limitar o aquecimento global a 1,5°C pode ficar fora de alcance

Alerta do IPCC – Limitar o aquecimento global a 1,5°C pode ficar fora de alcance.
Summary for Policymakers of the IPCC Working Group III, Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change – Sem reduções imediatas e profundas de emissões em todos os setores, limitar o aquecimento global a 1,5°C está fora de alcance.

No entanto, há evidências crescentes de ação climática, de acordo com o novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Em 2010-2019, as emissões globais médias anuais de gases de efeito estufa atingiram os níveis mais altos da história da humanidade, mas a taxa de crescimento diminuiu. Desde 2010, houve reduções sustentadas de até 85% nos custos de energia solar e eólica e baterias. Uma gama crescente de políticas e leis melhorou a eficiência energética, reduziu as taxas de desmatamento e acelerou a implantação de energia renovável, de acordo com o relatório.

“Nós estamos num cruzamento. As decisões que tomamos agora podem garantir um futuro habitável. Temos as ferramentas e o know-how necessários para limitar o aquecimento”, disse o presidente do IPCC, Hoesung Lee. “Estou encorajado pela ação climática que está sendo tomada em muitos países. Existem políticas, regulamentos e instrumentos de mercado que estão se mostrando eficazes. Se forem ampliados e aplicados de forma mais ampla e equitativa, podem apoiar reduções profundas de emissões e estimular a inovação.”

O relatório Summary for Policymakers of the IPCC Working Group III, Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change, foi aprovado em 04/04/2022 por 195 governos membros do IPCC, por meio de uma sessão virtual de aprovação. É a  parte do Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do IPCC e segue relatórios sobre a base da ciência física e sobre impactos e adaptação.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse que o último relatório é “uma coletânea de promessas climáticas quebradas… um arquivo de vergonha”.

“As escolhas feitas pelos países agora farão ou quebrarão o compromisso de 1,5°C. Uma mudança para as energias renováveis ​​consertará nosso mix global de energia quebrado e oferecerá esperança a milhões de pessoas que sofrem impactos climáticos hoje. As promessas e planos climáticos devem ser transformados em realidade e ação, agora. É hora de parar de queimar nosso planeta e começar a investir na abundante energia renovável ao nosso redor”, disse ele em uma mensagem de vídeo.

O secretário-geral da OMM, Prof. Petteri Taalas, disse que o relatório deve formar a base para “o impulso crucialmente necessário do nível de ambição de mitigação climática”.

Ele disse que os relatórios do IPCC mostraram que todos os cantos da Terra já são afetados pelas mudanças climáticas e que todas as regiões do mundo têm um impacto no problema das mudanças climáticas hoje.

“Para concluir, temos 2 desafios urgentes pela frente. Adaptação e mitigação. Financiamento e iniciativas políticas visionárias e ações concretas são necessárias para o bem-estar das gerações atuais e futuras e de nossa biosfera”, disse o Prof. Taalas. A OMM e o PNUMA são copatrocinadores do prêmio Nobel IPCC.

Opções em todos os setores para pelo menos reduzir pela metade as emissões até 2030

Limitar o aquecimento global exigirá grandes transições no setor de energia. Isso envolverá uma redução substancial no uso de combustíveis fósseis, eletrificação generalizada, eficiência energética aprimorada e uso de combustíveis alternativos (hidrogênio).

“Ter as políticas, infraestrutura e tecnologia corretas para permitir mudanças em nossos estilos de vida e comportamento pode resultar em uma redução de 40-70% nas emissões de gases de efeito estufa até 2050. Isso oferece um potencial inexplorado significativo”, disse o Copresidente do Grupo de Trabalho III do IPCC Priyadarshi Shukla. “As evidências também mostram que essas mudanças no estilo de vida podem melhorar nossa saúde e bem-estar.”

As cidades e outras áreas urbanas também oferecem oportunidades significativas de redução de emissões. Isso pode ser alcançado por meio de menor consumo de energia (como a criação de cidades compactas e acessíveis), eletrificação do transporte em combinação com fontes de energia de baixa emissão e maior absorção e armazenamento de carbono usando a natureza. Existem opções para cidades estabelecidas, em rápido crescimento e novas.

“Vemos exemplos de edifícios com energia zero ou carbono zero em quase todos os climas”, disse Jim Skea, copresidente do Grupo de Trabalho III do IPCC. “A ação nesta década é fundamental para capturar o potencial de mitigação dos edifícios”.

“Nós sabemos o que fazer. Nós sabemos como fazer. E agora cabe a nós agir”, disse.

A redução de emissões na indústria envolverá o uso de materiais de forma mais eficiente, reutilização e reciclagem de produtos e minimização de resíduos. Para materiais básicos, incluindo aço, materiais de construção e produtos químicos, os processos de produção de gases de efeito estufa de baixo a zero estão em seu estágio piloto para quase comercial.

Este setor é responsável por cerca de um quarto das emissões globais. Alcançar o zero líquido será um desafio e exigirá novos processos de produção, eletricidade de baixa e zero emissões, hidrogênio e, quando necessário, captura e armazenamento de carbono.

A agricultura, silvicultura e outros usos da terra podem proporcionar reduções de emissões em larga escala e também remover e armazenar dióxido de carbono em escala. No entanto, a terra não pode compensar as reduções de emissões atrasadas em outros setores. As opções de resposta podem beneficiar a biodiversidade, nos ajudar a nos adaptar às mudanças climáticas e garantir meios de subsistência, alimentos e água e suprimentos de madeira.
Os próximos anos são críticos

Nos cenários avaliados, limitar o aquecimento a cerca de 1,5°C (2,7°F) exige que as emissões globais de gases de efeito estufa atinjam o pico antes de 2025, o mais tardar, e sejam reduzidas em 43% até 2030; ao mesmo tempo, o metano também precisaria ser reduzido em cerca de um terço. Mesmo se fizermos isso, é quase inevitável que excedamos temporariamente esse limite de temperatura, mas poderemos voltar a ficar abaixo dele até o final do século.

“É agora ou nunca, se quisermos limitar o aquecimento global a 1,5°C (2,7°F)”, disse Skea. “Sem reduções imediatas e profundas de emissões em todos os setores, será impossível.”

A temperatura global se estabilizará quando as emissões de dióxido de carbono atingirem zero líquido. Para 1,5°C (2,7°F), isso significa atingir emissões líquidas zero de dióxido de carbono globalmente no início da década de 2050; para 2°C (3,6°F), é no início da década de 2070.

Esta avaliação mostra que limitar o aquecimento a cerca de 2°C (3,6°F) ainda exige que as emissões globais de gases de efeito estufa atinjam o pico antes de 2025, o mais tardar, e sejam reduzidas em um quarto até 2030.

Fechando as lacunas de investimento

O relatório vai além das tecnologias e demonstra que, embora os fluxos financeiros sejam três a seis vezes menores do que os níveis necessários até 2030 para limitar o aquecimento abaixo de 2°C (3,6°F), há capital global e liquidez suficientes para fechar as lacunas de investimento . No entanto, depende de uma sinalização clara dos governos e da comunidade internacional, incluindo um alinhamento mais forte das finanças e políticas do setor público.

“Sem levar em conta a economia de custos de adaptação reduzidos ou impactos climáticos evitados, o Produto Interno Bruto (PIB) global seria apenas alguns pontos percentuais menor em 2050 se tomarmos as medidas necessárias para limitar o aquecimento a 2°C (3,6°F) ou menos, em comparação para manter as políticas atuais”, disse Shukla.

Alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

A ação climática acelerada e equitativa na mitigação e adaptação aos impactos das mudanças climáticas é fundamental para o desenvolvimento sustentável. Algumas opções de resposta podem absorver e armazenar carbono e, ao mesmo tempo, ajudar as comunidades a limitar os impactos associados às mudanças climáticas. Por exemplo, nas cidades, redes de parques e espaços abertos, pântanos e agricultura urbana podem reduzir o risco de inundações e os efeitos das ilhas de calor.

A mitigação na indústria pode reduzir os impactos ambientais e aumentar o emprego e as oportunidades de negócios. A eletrificação com energias renováveis ​​e mudanças no transporte público podem melhorar a saúde, o emprego e a equidade.

“As mudanças climáticas são o resultado de mais de um século de energia insustentável e uso da terra, estilos de vida e padrões de consumo e produção”, disse Skea. “Este relatório mostra como agir agora pode nos levar a um mundo mais justo e sustentável.”

As avaliações do IPCC fornecem aos governos, em todos os níveis, informações científicas que podem ser usadas para desenvolver políticas climáticas. As avaliações do IPCC são uma contribuição fundamental para as negociações internacionais para enfrentar as mudanças climáticas.

Os relatórios do IPCC são elaborados e revisados em várias etapas, garantindo objetividade e transparência. (ecodebate)

Degradação florestal na Amazônia afeta área três vezes maior que desmatamento

Entre março de 2023 e de 2024, INPE detectou aviso de degradação para 20,4 mil km², maior que os 18 mil km² do período anterior. É necessári...