sexta-feira, 31 de março de 2023

Brasil terá de alcançar emissões negativas até 2040 para atingir neutralidade

Estudo aponta desafios para o Brasil até 2050, com destaque para o papel do setor energético.

O Brasil terá de alcançar emissões negativas de CO2 entre 2035 e 2040, para atingir a neutralidade na geração líquida de gases de efeito estufa até 2050. Isso será possível quando a diferença entre o valor emitido e o capturado da atmosfera ficar em torno de 500 milhões de toneladas aponta estudo sobre transição energética produzido em parceria pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Empresa de Pesquisa Energética e Centro de Economia Energética e Ambiental da Coppe/UFRJ.

A análise mostra os desafios que o país terá que enfrentar no caminho para a descarbonização da economia, a partir de três cenários distintos de transição energética: “Transição Brasil”, “Transição Alternativa” e “Transição Global”.

Todos eles indicam crescimento na demanda por energia, a necessidade de atualizar e criar marcos regulatório para a transição energética e o fato de novas tecnologias e infraestrutura não terem atingido ainda o grau de desenvolvimento necessário para terem escala e competitividade.

O documento alerta que se o Brasil não conseguir eliminar o desmatamento ilegal até 2028, a meta de zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2050 século vai se tornar irrealista, mesmo com a aplicação de tecnologias que hoje ainda não estão maduras. O custo de compensação para cumprir o compromisso assumido no Acordo de Paris pode chegar a US$ 3,4 trilhões, considerando um cenário de preços de carbono mais elevados no longo prazo.

Para alcançar os resultados desejados, o setor energético precisará compensar parcialmente as emissões resultantes do desmatamento e do uso da terra que não forem reduzidas. Deverá lidar, além disso, com emissões remanescentes de setores de difícil abatimento, como transporte de carga a longa distância e processos industriais carbono-intensivos. O uso de energia no Brasil emite apenas 18% do total contabilizado no país, sendo que os setores de transportes, industrial e residencial respondem por mais de ¾ desta parcela.

Em todos os cenários de análise, projeta-se a expansão da capacidade de geração de energia elétrica, com predominância das fontes eólica e solar e redução da participação relativa da hidroeletricidade no parque gerador brasileiro para algo entre 30% e 55%. A participação das renováveis deve ultrapassar 90% do mix elétrico.

O crescimento da capacidade instalada de geração em pouco menos de 30 anos ficará entre 181GW e 221 GW, o que vai exigir a expansão das linhas de transmissão do Sistema Interligado Nacional. O estudo considera também um aumento da eficiência nas novas instalações de transmissão e de distribuição de eletricidade, com redução das perdas no transporte.

Se até o fim desta década o País não conseguir eliminar o desmatamento ilegal, não há viabilidade técnica para zerar a emissão de gases de efeito estufa até 2050, como prevê compromisso nacional no Acordo de Paris. Isso levará o País a ter de compensar suas emissões, tornando-se um comprador (e não um vendedor) de créditos de carbono.

Na área de combustíveis, é esperada redução no uso doméstico de petróleo e gás natural, que perderão espaço na matriz e responderão por entre 10% e 25% do atendimento energético. É esperada forte retração de derivados de petróleo, devido à substituição por biocombustíveis e à eletrificação dos transportes.

A produção de petróleo deve ser mantida, consolidando o país como um exportador relevante, em razão da menor intensidade de carbono do produto brasileiro. De acordo com o documento, o petróleo do Brasil será importante para garantir a segurança energética de muitos países, na transição para uma economia mais limpa.

Para o gás natural é esperado aumento da produção, que será absorvida pelo mercado interno, com importação marginal do insumo.

Na área de biocombustíveis, além do etanol e biodiesel, ganham destaque na substituição dos fósseis produtos avançados como o diesel verde, o bioquerosene de aviação, a gasolina verde e os biocombustíveis para uso marítimo.

Há espaço ainda para o hidrogênio, cuja produção pode alcançar entre 21 milhões e 32 milhões de toneladas em 2050. Para o hidrogênio verde, obtido pela eletrólise com eletricidade de fontes renováveis, calcula-se um potencial da ordem de 4 milhões de toneladas para exportação. Já para o biometano, que pode usar a infraestrutura do gás natural, a demanda prevista ficará entre 15 milhões e 18 milhões m3/dia em 2050.

Sem eliminar desmatamento ilegal, Brasil não conseguirá atingir a meta do Acordo de Paris.

Os 3 cenários de descarbonização apontados incorporam mudanças estruturais na oferta e na demanda de energia, agropecuária e floresta, para atingir a neutralidade. Para os cenários TB e TA, seriam evitadas aproximadamente 30 bilhões tCO2eq (toneladas de gás carbônico equivalente) no horizonte para emissões líquidas zero no fim do período de pouco menos de 30 anos. No TG, o esforço de mitigação é de cerca de 40 bilhões tCO2eq no período. (canalenergia)

Seca e estresse hídrico vão dobrar até 2050

Recursos limitados e demanda crescente pressionam a competição pela água, especialmente quando as bacias hidrográficas cruzam as fronteiras do país.

A futura escassez de água em rios transfronteiriços se intensificará em bacias que já estão sob estresse e é principalmente um problema local, relata uma nova dissertação de doutorado.

Hafsa Munia, pesquisador do Instituto Finlandês do Meio Ambiente SYKE, desenvolveu uma nova estrutura para entender globalmente a evolução da escassez transfronteiriça de água ao longo do tempo e avaliar as dependências a jusante do uso de água a montante. Sua dissertação de doutorado foi examinada na Universidade de Aalto em 21/02/23.

A tese constatou que, embora muitas áreas a jusante sejam altamente dependentes dos recursos hídricos a montante, o principal fator para o aumento da escassez de água tem sido, e será no futuro, o uso local da água. Portanto, é importante gerenciar o uso da água local e a montante e ações para evitar a escassez.

A análise constatou que nas últimas décadas a escassez de água nas bacias transfronteiriças se intensificou e se desenvolveu principalmente nas bacias que são fortemente irrigadas e densamente povoadas, por exemplo, Ásia Central e Meridional, China, sul da Europa, EUA, México e MENA Países da Região (Oriente Médio e Norte da África).

Às vezes é tentador culpar os outros

O trabalho que foi produzido tem importantes implicações políticas para melhorar a gestão da água em bacias transfronteiriças. No caso de recursos hídricos compartilhados, às vezes é tentador culpar os outros pela escassez de água, embora nem sempre seja o caso. Os gestores de recursos hídricos, portanto, precisam ter algumas informações sobre as questões-chave”, diz Hafsa Munia da SYKE.

“O objetivo desta dissertação foi explorar isso em escala global e contribuir para a gestão transfronteiriça em locais sem capacidade de obter dados mais confiáveis e realizar essas análises por conta própria. A visão global da análise também fornece uma visão comum do problema, moldando como as pessoas abordam esse problema. Desta forma, esta análise fornece informações que têm um efeito mais indireto do que direto na gestão, com percepções mais gerais sobre adaptação à escassez de água transfronteiriça e alocação de água”.

Mudanças climáticas e socioeconômicas podem ser consideradas questões preocupantes.

Sistema da Cantareira, que sofreu uma seca severa entre 2014 e 2015.

Estresse hídrico pode virar rotina e causar problemas no abastecimento de água e energia.

A mistura de falta de planejamento de longo prazo e mudanças climáticas acendem um sinal de alerta para o uso de recursos hídricos no país, tanto para água quanto para energia.

Recursos limitados e demanda crescente pressionam a competição pela água, especialmente quando as bacias hidrográficas cruzam as fronteiras do país. Um dos principais desafios é alocar recursos hídricos compartilhados e seus benefícios entre diferentes países.

No caso de águas transfronteiriças, os papéis das mudanças locais versus a montante no uso e disponibilidade de água devido a mudanças climáticas e socioeconômicas podem ser considerados questões especialmente preocupantes.

Quaisquer alterações a montante, devido a mudanças climáticas ou mudanças no uso da água, afetam diretamente a disponibilidade de água a jusante. Por exemplo, muitos desenvolvimentos socioeconômicos, que são principalmente direcionados em escalas locais a regionais, são conhecidos por impactar o ciclo hidrológico que pode afetar a vazão em escalas maiores, como em áreas a jusante.

As retiradas de água a montante do fluxo podem diminuir a disponibilidade de água para uso a jusante. As mudanças no clima afetariam a disponibilidade de água local e a montante. Compreender essas ligações montante-jusante é, portanto, uma base essencial para a gestão e planejamento integrados de terra e recursos hídricos na bacia hidrográfica compartilhada. Isso diferencia a análise de escassez de água transfronteiriça de outras análises de escassez de água.

É uma parte normal do planejamento em escala de bacia olhar para cenários de disponibilidade de água em cenários de mudanças climáticas e consumo de água. Nesta dissertação, o objetivo foi explorar esta ideia à escala global. O foco no estresse hídrico anual identificou a importância dos problemas de alocação de água em bacias compartilhadas e adicionou nuances ao entendimento existente sobre os impulsionadores do estresse hídrico.

Os potenciais pontos críticos identificados na análise fornecem informações aos formuladores de políticas para apoiar o planejamento de longo prazo da gestão hídrica nessas bacias.

Hotpots globais de estresse hídrico em 1980 (passado), 2010 (presente) e em 2050 (futuro) para diferentes cenários climáticos. (ecodebate)

quarta-feira, 29 de março de 2023

Impactos do aquecimento global no aumento do nível do mar

A elevação do nível do mar é um problema sério que está afetando as comunidades costeiras, as áreas baixas e as ilhas do mundo.

O aquecimento global, causado pela emissão de gases de efeito estufa, como dióxido de carbono e metano, é uma grande ameaça ao clima e ao ecossistema do nosso planeta.

Um dos impactos mais visíveis e significativos do aquecimento global é o aumento do nível do mar, causado pelo derretimento das camadas de gelo e geleiras, bem como pela expansão térmica da água do mar. Esse fenômeno representa uma ameaça significativa para as comunidades costeiras, ilhas baixas e outras áreas vulneráveis a inundações e erosão.

No século passado, o nível global do mar aumentou cerca de 20 cm, e essa tendência deve continuar nas próximas décadas. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o nível global do mar está projetado para subir mais 1-4 pés (30-120 cm) até o final deste século, dependendo do nível de emissões de gases de efeito estufa e outros fatores.

A elevação do nível do mar é um problema sério que está afetando as comunidades costeiras, as áreas baixas e as ilhas do mundo. O aumento do nível do mar tem consequências de longo alcance, como a perda de habitats, inundações e aumento das tempestades. Neste artigo, discutiremos o impacto do aquecimento global na elevação do nível do mar e suas consequências.

Os impactos do aumento do nível do mar já estão sendo sentidos em muitas partes do mundo. Em áreas baixas como Bangladesh, Maldivas e partes da costa da África, as inundações e a erosão estão se tornando mais frequentes e severas, levando ao deslocamento de milhões de pessoas. Em cidades como Miami, Nova York e Xangai, o aumento do nível do mar está exacerbando os efeitos das tempestades e inundações causadas pelas marés, causando bilhões de dólares em danos e perturbando a vida cotidiana.

Perda de mantos de gelo na Groenlândia e na Antártica:

Um dos principais impulsionadores do aumento do nível do mar é o derretimento das camadas de gelo e geleiras na Groenlândia e na Antártica. Essas vastas camadas de gelo contêm água suficiente para elevar o nível do mar em mais de 200 pés (60 metros), e seu derretimento está se acelerando devido ao aumento das temperaturas e mudanças nos padrões climáticos. À medida que o gelo derrete, ele flui para o oceano, fazendo com que o nível do mar suba.

Expansão Térmica da Água:

Outro fator que contribui para o aumento do nível do mar é a expansão térmica da água do mar. À medida que o oceano absorve calor da atmosfera, as moléculas de água se tornam mais energéticas e se espalham, fazendo com que o volume do oceano aumente. Este efeito é particularmente pronunciado nas primeiras centenas de metros do oceano, que aqueceram significativamente ao longo do século passado.

Para enfrentar o problema do aumento do nível do mar, é essencial reduzir as emissões de gases de efeito estufa e mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Isso pode ser alcançado por meio de uma combinação de medidas, incluindo a transição para fontes de energia renováveis, melhoria da eficiência energética e redução do desmatamento e outras mudanças no uso da terra. Além disso, devemos nos adaptar aos impactos do aumento do nível do mar desenvolvendo infraestrutura e práticas de construção que possam resistir a inundações e erosão, bem como realocando comunidades vulneráveis para terrenos mais elevados.

Em conclusão, o aquecimento global está causando o aumento do nível do mar, com sérias implicações para as comunidades costeiras, ilhas baixas e outras áreas vulneráveis. Os impactos do aumento do nível do mar já estão sendo sentidos e devem se tornar mais severos nas próximas décadas.

Para enfrentar esse problema, devemos tomar medidas urgentes para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e nos adaptar aos impactos das mudanças climáticas.

Mudanças climáticas já afetam o ciclo da água no planeta.

As mudanças climáticas já afetam a todos nós, mas, ainda podemos proteger nosso planeta e garantir um futuro sustentável para as próximas gerações. É urgente e necessário. (ecodebate)

A população do Haiti entre 1950 e 2100

O Haiti tem apresentado dificuldades para manter o crescimento econômico e avançar em termos sociais.
O Haiti é o país mais pobre do Hemisfério Ocidental. Ocupa cerca de um terço do lado ocidental da ilha Hispaniola (primeira terra das Américas visitada por Cristóvão Colombo, em 1492), enquanto a República Dominicana ocupa o lado oriental da ilha. O Haiti foi o primeiro país a acabar com a escravidão (em 1794) e o segundo país das Américas a conquistar a independência (depois dos Estados Unidos), em 1804.

No século XX o país foi ocupado por tropas americanas entre 1915 e 1934 e foi administrado por vários governos ditatoriais nas décadas seguintes. Para complicar, em 12/01/2010, um terremoto de grandes proporções, com magnitude de 7 na escala Richter, destruiu a maior parte da capital Porto Príncipe. Os desastres naturais aconteceram e se repetem e a instabilidade política inviabiliza a capacidade de governança estatal e a solução dos problemas sociais e ambientais.

Com uma área de 27,8 mil km2, o Haiti possui uma densidade demográfica de 420 habitantes por km2 em 2022, maior do que a densidade de Cuba (105 hab/km2) e bem superior à densidade brasileira (26 hab/km2). A população do Haiti era de 3,2 milhões de habitantes em 1950 e chegou a 11,6 milhões em 2022. Deve atingir o pico populacional com 16,5 milhões em 2082 e apresentar um pequeno decrescimento para 16,1 milhões de habitantes em 2100 (como mostra o gráfico abaixo do painel da esquerda).

A população haitiana em idade ativa, de 15-59 anos, era de pouco menos de 2 milhões de pessoas em 1950, ultrapassou 8 milhões atualmente, deve chegar perto de 10 milhões em 2070 e apresentar ligeiro declínio até o final do século (conforme mostra o gráfico abaixo, painel da direita).

Os gráficos abaixo mostram a evolução das taxas de fecundidade e a expectativa de vida. O Haiti tinha uma média em torno de 6 filhos por mulher durante toda a segunda metade do século passado, apresentou uma queda nas duas últimas décadas e deve ficar abaixo do nível de reposição na segunda metade do século (como mostra o gráfico abaixo, painel da esquerda).

A expectativa de vida ao nascer, que estava em torno de 35 anos em 1950, cresceu nos anos seguintes, embora tenha tido uma pequena queda na década de 1960 e uma grande queda em 2010, quando houve o terremoto em Porto Príncipe, que deixou 300 mil mortos, dezenas de milhares de feridos e mais de 1,5 milhão de desabrigados. Houve também uma queda durante a pandemia da covid-19. Na projeção média da Divisão de População da ONU a expectativa de vida ao nascer, para ambos os sexos, deve ficar pouco acima de 75 anos em 2100, abaixo da média mundial (como mostra o gráfico abaixo, painel da direita).

Mesmo com uma lenta transição demográfica já se nota uma alteração na estrutura etária do Haiti, pois a população jovem de 0-14 anos vai decrescer nas próximas décadas, como mostra o gráfico abaixo (painel da esquerda). Já o número de idosos (gráfico da direita) cresceu lentamente entre 1950 e 2022 e deve acelerar o crescimento na segunda metade do século XXI, chegando a 4 milhões de pessoas com 60 anos e mais de idade.

A lenta mudança da estrutura etária tem mantido as pirâmides etárias do Haiti com uma base larga, conforme mostram os gráficos abaixo. A pirâmide etária de 1950 tinha o modelo clássico de estrutura rejuvenescida e se manteve mais ou menos assim até 2022. Assim, o país mantém uma alta razão de dependência de jovens e uma baixa proporção de pessoas em idade ativa. Se a queda da fecundidade se aprofundar poderá haver o aproveitamento do 1º bônus demográfico, que é uma condição essencial para a redução da pobreza e a melhoria do padrão de vida da população. Na pirâmide de 2100 haverá uma redução da base e um formato mais retangular, que reflete uma taxa de fecundidade estável perto do nível de reposição.

O Haiti terá uma razão demográfica confortável no restante do século XXI, pois a razão de dependência vai diminuir de cerca de 100 na década de 1980 para menos de 60 em 2040, como mostra o gráfico abaixo. Se a economia reagir e conseguir gerar grande quantidade de emprego, o Haiti poderá avançar no processo de desenvolvimento humano. Mas se a economia fracassar, o país terá uma bolha de jovens, que na falta de perspectivas de mobilidade social ascendente, poderá criar instabilidade política e anomia social. Uma estrutura demográfica favorável só gera melhoria no padrão de vida se a economia reagir e aproveitar a janela de oportunidade.

O Haiti tem apresentado dificuldades para manter o crescimento econômico e avançar em termos sociais. O PIB do Haiti representava 0,075% do PIB mundial em 1980 e caiu para menos de 0,03% na atual década, conforme mostra o gráfico abaixo (lado esquerdo). A renda per capita do Haiti (em preços correntes em poder de paridade de compra) era de apenas US$ 1.686 em 1980, representando 56% da renda per capita mundial. Nas décadas seguintes a renda cresceu lentamente e chegou a US$ 3,2 mil em 2022, mas representando apenas 16% da renda per capita mundial.

Considerando a renda per capita em preços constantes (em ppp), o valor está mais baixo em 2023 do que em 1980. São 4 décadas de declínio. Portanto, houve empobrecimento relativo e até mesmo empobrecimento absoluto, caracterizando uma situação de “armadilha da pobreza”.

O Haiti tem uma renda per capita muito baixa, assim como um baixo padrão de consumo. Mesmo desta maneira, o Haiti tem um déficit ecológico. Segundo o Instituto Global Footprint Network o Haiti tinha, em 1961, uma Pegada Ecológica per capita de 0,65 hectares globais (gha) e uma Biocapacidade per capita de 0,54 gha. Portanto havia déficit ambiental. Mas com o elevado crescimento demográfico e o desmatamento a Pegada Ecológica per capita se manteve em 0,64 gha, mas a Biocapacidade per capita caiu para 0,25 gha em 2018. Assim, o déficit ecológico per capita passou para 0,39 gha, o que representa um déficit relativo de 156%, conforme mostra a figura abaixo.

O Haiti não conseguiu vencer a pobreza e além dos imensos desafios sociais é um país extremamente vulnerável aos problemas ambientais e climáticos. Após o terremoto de 2010, o país tem sofrido com os furacões que frequentemente atingem o Caribe. Nas primeiras décadas do século XX, a floresta tropical do Haiti ainda cobria 60% do território nacional. Nos anos 1950 havia caído para 20% e atualmente restou menos de 2% da cobertura vegetal do país.

Segundo estimativas da ONU, cerca de 30 milhões de árvores foram cortadas a cada ano, nas últimas décadas. Como resultado do desaparecimento da vegetação houve redução da fertilidade do solo, aumento da erosão e da desertificação. Assim, as chuvas e os ciclones tropicais (comuns naquela região) aumentam as torrentes de lama, contribuindo para a esterilidade do substrato natural.

Matéria do jornal El Pais (Pablo Ferri, 13/02/2023), relata que o Haiti está prisioneiro da violência e do poder de quadrilhas criminosas e de um Estado colapsado, enfrentando a implosão e o caos generalizado. Dezenas de gangues criminosas controlam grande parte da capital e sua região metropolitana, onde vivem três milhões de pessoas, um quarto da população do país. A polícia, com uma força de cerca de 10.000 soldados, não tem capacidade para lidar com a violência.

A Combinação de crise econômica, social e política, crise ambiental, o alto crescimento demográfico tende a agravar a extrema pobreza, condenando milhões de haitianos ao sofrimento e fazendo do país um lugar mais perigoso e inóspito para se viver. Na situação atual, o Haiti, por si só, não tem forças para superar suas dificuldades. Por isto tem crescido a emigração de haitianos. Para mudar o quadro, a comunidade internacional precisa ajudar o país a achar o caminho para a sustentabilidade econômica, social, demográfica e ambiental.

Crescimento populacional entre países pobres e ricos.

Fosso demográfico global: regiões com alto crescimento e com decrescimento populacional. (ecodebate)

Pesquisadores alertam para o risco de mudanças climáticas catastróficas

Segundo cientistas, não há estudos o suficiente tratando de cenários mais catastróficos gerados pelas mudanças climáticas.

Mudanças climáticas podem resultar na sexta extinção em massa no planeta.

O aquecimento global pode se tornar “catastrófico” para a humanidade se os aumentos de temperatura forem piores do que muitos preveem ou causarem cascatas de eventos que ainda temos que considerar, ou mesmo ambos.

O mundo precisa começar a se preparar para a possibilidade de um “fim de jogo climático”.

Isso é de acordo com uma equipe internacional de pesquisadores liderada pela Universidade de Cambridge, que propõe uma agenda de pesquisa para enfrentar cenários do pior ao pior. Estes incluem resultados que vão desde uma perda de 10% da população global até a eventual extinção humana.

Em um artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, os pesquisadores pedem ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que dedique um relatório futuro às mudanças climáticas catastróficas para estimular a pesquisa e informar o público.

“Há muitas razões para acreditar que a mudança climática pode se tornar catastrófica, mesmo em níveis modestos de aquecimento”, disse o principal autor Dr. Luke Kemp, do Centro para o Estudo do Risco Existencial de Cambridge.

“A mudança climática desempenhou um papel em todos os eventos de extinção em massa. Ajudou a derrubar impérios e moldou a história. Até o mundo moderno parece adaptado a um nicho climático específico”, disse ele.

“Os caminhos para o desastre não se limitam aos impactos diretos de altas temperaturas, como eventos climáticos extremos. Efeitos indiretos, como crises financeiras, conflitos e novos surtos de doenças podem desencadear outras calamidades e impedir a recuperação de desastres potenciais, como nuclear guerra”.

Kemp e colegas argumentam que as consequências do aquecimento de 3°C e além, e os riscos extremos relacionados, foram sub examinados.

A modelagem feita pela equipe mostra áreas de calor extremo (uma temperatura média anual superior a 29°C), podendo cobrir dois bilhões de pessoas até 2070. Essas áreas não são apenas algumas das mais densamente povoadas, mas também algumas das mais politicamente frágeis.

“Temperaturas médias anuais de 29°C afetam atualmente cerca de 30 milhões de pessoas no Saara e na Costa do Golfo”, disse o coautor Chi Xu, da Universidade de Nanjing.

“Até 2070, essas temperaturas e as consequências sociais e políticas afetarão diretamente duas potências nucleares e sete laboratórios de contenção máxima que abrigam os patógenos mais perigosos. Há um sério potencial para efeitos desastrosos”, disse ele.

O relatório do IPCC do ano passado sugeriu que, se o CO2 atmosférico dobrar em relação aos níveis pré-industriais – algo que o planeta está na metade do caminho –, há uma chance de aproximadamente 18% de as temperaturas subirem além de 4,5°C.

No entanto, Kemp é coautor de um estudo de “mineração de texto” de relatórios do IPCC, publicado no início deste ano, que descobriu que as avaliações do IPCC mudaram do aquecimento de alto nível para se concentrar cada vez mais em aumentos de temperatura mais baixos.

Isso se baseia em trabalhos anteriores que ele contribuiu para mostrar que os cenários de temperaturas extremas são “subexplorados em relação à sua probabilidade”. “Nós sabemos menos sobre os cenários que mais importam”, disse Kemp.

A equipe por trás do artigo da PNAS propõe uma agenda de pesquisa que inclui o que eles chamam de “quatro cavaleiros” do jogo climático: fome e desnutrição, clima extremo, conflito e doenças transmitidas por vetores.

O aumento das temperaturas representa uma grande ameaça ao suprimento global de alimentos, dizem eles, com crescentes probabilidades de “falhas no celeiro”, à medida que as áreas mais produtivas do mundo sofrem colapsos coletivos.

O clima mais quente e extremo também pode criar condições para novos surtos de doenças, à medida que os habitats das pessoas e da vida selvagem mudam e diminuem.

Os autores alertam que o colapso climático provavelmente exacerbaria outras “ameaças de interação”: desde o aumento da desigualdade e desinformação até colapsos democráticos e até novas formas de armas destrutivas de IA.

Um possível futuro destacado no artigo envolve “guerras quentes” nas quais superpotências tecnologicamente aprimoradas lutam pelo espaço cada vez menor de carbono e experimentos gigantes para desviar a luz solar e reduzir as temperaturas globais.

Mais foco deve continuar na identificação de todos os possíveis pontos de inflexão dentro da “Hothouse Earth”, dizem os pesquisadores: desde o metano liberado pelo derretimento do permafrost até a perda de florestas que atuam como “sumidouros de carbono” e até o potencial para o desaparecimento da cobertura de nuvens.

“Quanto mais aprendemos sobre como nosso planeta funciona, maior o motivo de preocupação”, disse o coautor Prof Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático.

“Entendemos cada vez mais que nosso planeta é um organismo mais sofisticado e frágil. Devemos fazer a matemática do desastre para evitá-lo”, disse.

1ª publicação A coautora Prof Kristie Ebi, da Universidade de Washington, disse: “Precisamos de um esforço interdisciplinar para entender como as mudanças climáticas podem desencadear morbidade e mortalidade em massa humana”.

Kemp acrescentou: “Sabemos que o aumento da temperatura tem uma ‘cauda gorda’, o que significa uma ampla gama de probabilidades mais baixas, mas resultados potencialmente extremos. Enfrentar um futuro de aceleração das mudanças climáticas, permanecendo cego para os piores cenários, é uma gestão de risco ingênua na melhor das hipóteses e fatalmente tola na pior”.

Falha climática global em cascata. Este é um diagrama de loop causal, no qual uma linha completa representa uma polaridade positiva (por exemplo, feedback de amplificação; não necessariamente positivo no sentido normativo) e uma linha pontilhada denota uma polaridade negativa (significando um feedback de amortecimento). (ecodebate)

segunda-feira, 27 de março de 2023

A relação entre mudanças climáticas e eventos climáticos extremos

Eventos climáticos extremos referem-se a fenômenos meteorológicos severos, como ondas de calor, ciclones tropicais, inundações, secas e tempestades, que ocorrem fora do padrão normal ou esperado.

As mudanças climáticas têm sido uma das principais preocupações mundiais nas últimas décadas. Essas mudanças têm um impacto significativo em vários aspectos da vida humana, incluindo a segurança alimentar, a saúde pública e a economia global.

Uma das consequências mais evidentes das mudanças climáticas é o aumento na frequência e na intensidade de eventos climáticos extremos, como enchentes, secas, furacões e ondas de calor. Neste artigo, exploraremos a relação entre as mudanças climáticas e os eventos climáticos extremos.

O que são mudanças climáticas?

As mudanças climáticas se referem a um conjunto de alterações significativas nas condições climáticas globais. Essas mudanças são causadas principalmente pela emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, provenientes de atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis, a agricultura intensiva e o desmatamento.

As mudanças climáticas têm causado um aumento gradual na temperatura média da Terra, o que, por sua vez, tem levado a um aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos.

Para entender a relação entre as mudanças climáticas e os eventos climáticos extremos, é importante primeiro entender como o clima funciona. O clima é determinado por vários fatores, incluindo a temperatura da superfície do mar, a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera e os padrões de circulação atmosférica. Quando esses fatores são alterados, o clima também muda.

As mudanças climáticas são causadas principalmente pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa, como dióxido de carbono (CO2), metano e óxido nitroso. Esses gases retêm o calor do sol na atmosfera, impedindo que ele escape de volta para o espaço e aquecendo a Terra. Como resultado, a temperatura média da Terra está aumentando, o que causa mudanças significativas no clima global.

Uma das consequências mais evidentes das mudanças climáticas é o aumento na frequência e na intensidade de eventos climáticos extremos.

O que são eventos climáticos extremos?

Eventos climáticos extremos referem-se a fenômenos meteorológicos severos, como ondas de calor, ciclones tropicais, inundações, secas e tempestades, que ocorrem fora do padrão normal ou esperado em um determinado local. Esses eventos podem ser mais intensos, mais frequentes ou durar mais do que o normal, e têm o potencial de causar grandes danos econômicos, sociais e ambientais.

A conexão entre eventos climáticos extremos e mudanças climáticas

Os eventos climáticos extremos são uma consequência direta das mudanças climáticas. O aquecimento global causado pelas emissões de gases de efeito estufa provenientes das atividades humanas aumenta a temperatura média global e a frequência e intensidade de eventos extremos. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) observou que “é extremamente provável que a atividade humana tenha sido a principal causa do aquecimento observado desde meados do século XX”.

O aumento da temperatura global, por exemplo, contribui para ondas de calor mais frequentes e intensas. O derretimento do gelo polar e do permafrost também contribui para o aumento do nível do mar, aumentando a probabilidade de inundações em áreas costeiras. Além disso, o aumento da temperatura da superfície do oceano aumenta a frequência e intensidade de ciclones tropicais, que podem causar danos significativos às comunidades costeiras.

As mudanças climáticas também afetam a frequência e intensidade de eventos extremos de precipitação. O aquecimento do ar aumenta a capacidade de retenção de água, o que significa que as tempestades podem ser mais intensas e produzir mais chuva do que o normal. Isso pode levar a inundações e deslizamentos de terra, que causam danos significativos às comunidades e infraestruturas.

Os impactos dos eventos climáticos extremos

Os eventos climáticos extremos podem ter impactos significativos na sociedade, na economia e no meio ambiente. As inundações, por exemplo, podem danificar ou destruir infraestruturas, como estradas, pontes e edifícios, e causar perda de vidas e desalojamento de comunidades inteiras. As secas podem afetar a produção agrícola e levar a escassez de alimentos e água potável. O aumento da frequência e intensidade de ciclones tropicais pode afetar negativamente a pesca e o turismo, que são importantes para a economia de muitos países costeiros.

O que podemos fazer para minimizar os impactos dos eventos climáticos extremos?

Existem várias medidas que podemos tomar para minimizar os impactos dos eventos climáticos extremos. Uma das principais é reduzir as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Isso pode ser feito através da adoção de fontes de energia renovável, como a energia solar e eólica, e da redução do consumo de energia em geral.

Além disso, é importante investir em infraestrutura resistente a eventos climáticos extremos. Isso inclui a construção de diques e barragens para proteger áreas costeiras e a melhoria das infraestruturas de transporte e abastecimento de água para minimizar os impactos de secas e inundações.

Também é importante que as comunidades se preparem para os eventos climáticos extremos, através da criação de planos de emergência e evacuação e da educação da população.

Secas, queimadas e enchentes. Sinais de alterações no clima que os geólogos vêm chamando de Antropoceno.

Eventos climáticos extremos cada vez mais constantes têm relação com a ação humana.

Cientistas debruçam sobre eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes no mundo. Ação humana e aquecimento global na mira. (ecodebate)

Eventos climáticos extremos já são realidade e exigem preparação

Clima já mudou, e adaptação é urgente, afirmam especialistas.

Além da extinção de espécies e do desequilíbrio de ecossistemas, os pesquisadores alertam que o aquecimento tornará mais frequentes episódios como temporais, inundações, secas e ondas de frio e calor.

A ação humana acumulada desde a Revolução Industrial, nos séculos 18 e 19, já produziu mudanças significativas no clima global, e adaptar moradias e cidades a essa realidade é uma necessidade que precisa de respostas urgentes, avaliam ambientalistas e pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil.

Eventos extremos, como as chuvas que deixaram mais de 50 vítimas no litoral norte de São Paulo durante o carnaval, tendem a ser mais frequentes, e o poder público precisa agir para reduzir a vulnerabilidade das populações a esses cenários, destacam.anos, recorrentes alertas dos pesquisadores do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) indicaram que a influência humana levou o planeta à trajetória de aquecimento mais rápida em 2 mil anos e já produziu uma temperatura média que supera o período pré-industrial em mais de 1°C.

Especialistas estimam que a temperatura global pode subir 1,8°C até 2100, mesmo se forem cumpridas todas as metas estabelecidas em 2015 pelo Acordo de Paris, firmado para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Sem o cumprimento de tais metas, cenários devastadores para a biodiversidade podem se concretizar com o aquecimento de até 3°C.

Mas, além da extinção de espécies e do desequilíbrio de ecossistemas, os pesquisadores alertam que o aquecimento tornará mais frequentes episódios como temporais, inundações, secas e ondas de frio e calor. No Brasil, tais problemas atingirão em cheio cidades desiguais e com problemas de infraestrutura, sistema de geração de eletricidade dependente do regime de chuvas e economia que tem a agropecuária como setor de peso.

Eventos extremos

São Sebastião (SP), 22/02/2023, Casas destruídas em deslizamentos na Barra do Sahy após tempestades no litoral norte de São Paulo.

Estudiosa do tema e presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell é categórica ao alertar que “não existem catástrofes naturais nas cidades brasileiras”. A avaliação da pesquisadora pode causar estranhamento diante de recorrentes eventos com dezenas e até centenas de vítimas, mas ela esclarece que nada disso é natural.

“É absolutamente catastrófico quando se sabe dos riscos climáticos e não se prepara para reagir, ou se prepara mal. Não há nenhuma naturalidade em desastres quando estamos falando de um ambiente urbano”, diz. “As mudanças climáticas têm, sim, um papel ao exacerbar esses riscos e exigem uma preparação maior. Ainda assim, pode haver danos residuais. Mas o que determina se vai ter tragédia, ou não, é como nós, humanos, nos preparamos para isso.”

A tempestade que atingiu as cidades paulistas na última semana foi a mais intensa já registrada por serviços meteorológicos no Brasil, com acumulado de 682 milímetros (mm) em 24 horas, segundo o Centro Nacional de Previsão de Monitoramento de Desastres (Cemaden). Isso equivale a dizer que, em cada metro quadrado da área mais atingida pelo temporal, caíram, em média, 682 litros de água da chuva — mais que a metade do volume de uma caixa d’água de mil litros em cada metro quadrado da cidade de Bertioga, onde a marca foi registrada. Em São Sebastião, município vizinho, o índice pluviométrico chegou a 626 mm em 24 horas.

O recorde anterior de temporal mais intenso tinha sido registrado há apenas um ano, quando a cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, foi inundada por 531 milímetros de chuva em 24 horas. A enxurrada deixou mais de 200 vítimas e devastou localidades como o Morro da Oficina, onde 90 pessoas morreram.

Casa alagada após temporais.

Eventos extremos serão mais frequentes e região Sul terá mais temporais, avaliam pesquisadores.

Ação humana leva à mais rápida trajetória de aquecimento em 2 mil anos; temperatura global pode subir 1,8°C até 2100.

Natalie Unterstell lembra que os temporais já são o principal motivo de decretos de calamidade ou estado de emergência em municípios brasileiros e tendem a se tornar mais frequentes principalmente no Sudeste e no Sul do país. “Todos os cenários de mudança do clima apontam o aumento das chuvas, principalmente nos verões, para além do que se tinha faturado para construir nossas cidades e nossas casas. Essas tempestades vão ter papel preponderante nessas regiões nas próximas décadas”, afirma.

A pesquisadora destaca que não existe mais a possibilidade de um cenário climático que não vá exigir adaptação nos próximos anos. O que está em jogo é quão drástica precisará ser a adaptação. “Será a 1,5°C, a 2°C, ou a 3°C? Quanto mais emissões, mais riscos e mais necessidades de adaptação”.

“Temos ameaças muito diferentes projetadas para cada região do país. O que os modelos de mudança do clima nos informam é que, em geral, as regiões Norte e Nordeste vão ter um ressecamento maior, com menos chuvas e dias mais secos. São regiões em que as vazões de rios ficam comprometidas por isso. No Sul e Sudeste, é o contrário. Os modelos projetam para as próximas décadas aumento no volume das chuvas”, explica. “O Centro-Oeste se destaca como a região que deve ter o maior aumento de temperatura. A depender do grau de aquecimento global, chegando a 3°C na média da temperatura global, a região não vai elevar só 3°C, mas muito mais do que isso, e é uma região já muito quente”.

O secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, ressalta que houve uma sucessão de eventos extremos nos últimos anos, incluindo temporais no Recife, na Bahia e no norte de Minas Gerais. Segundo Astrini, a comprovação de que um evento específico está relacionado às mudanças climáticas é uma conclusão que nem sempre fica clara, mas o acúmulo de eventos como esses já é considerado consequência das alterações no clima por especialistas.

“Estamos vendo isso de forma contínua no Brasil e ao redor do mundo também. No ano passado, o Paquistão ficou com um terço do país totalmente submerso por enchentes recordes. No mesmo período, entre a Etiópia e o Quênia, houve seca recorde. Então, já estamos vendo um comportamento de clima extremo que, no Brasil, está trazendo alguns momentos de seca, mas muita chuva”, diz. “Os temporais causam essa tragédia imediata, com deslizamentos que têm um custo em vidas que é muito mais mensurável, mas a questão da seca no Brasil tem impacto também preocupante. O Brasil é um país muito dependente das chuvas, principalmente por conta da geração de energia elétrica. Podemos ter crises hídricas, energéticas e na agricultura”.

Racismo ambiental

São Sebastião (SP), 22/02/2023, Casas destruídas em deslizamentos na Barra do Sahy após tempestades no litoral norte de São Paulo.

A previsão dos pesquisadores é que esse problema de escala global terá como principais vítimas aqueles que já acumulam outras vulnerabilidades sociais, como menor acesso à saúde, a moradias seguras, a empregos formais e a infraestrutura urbana. Por outro lado, são elas as pessoas que menos contribuíram para o aquecimento global, afirmam especialistas.

“As populações mais expostas são as mais pobres. É a população preta, é a população periférica, é a população que sofre mais com desigualdade social e com racismo. E são as mulheres, principalmente. As mudanças climáticas são uma fábrica de gerar pobreza e desigualdade social”, destaca Astrini.

“E o mais cruel de tudo isso é que essas pessoas são as que menos contribuem para o problema. Quem mais contribui com o problema é quem pode sair de helicóptero da Barra do Sahy [SP]. Quem polui o planeta são as pessoas mais ricas, e essas pessoas vão se adaptar mais facilmente. Elas perdem a casa, recebem o seguro e compram uma casa de praia em outro local. E as pessoas que consomem menos e têm uma pegada menor de carbono ficam com a maior parte da conta”.

Natalie Unterstell acrescenta que crianças e idosos também estão entre os grupos vulneráveis e concorda que as classes sociais de menor renda serão mais afetadas por terem menos recursos para se proteger e reagir a eventos climáticos extremos. Nesse contexto, a desigualdade racial também é um fator a ser considerado, diz a pesquisadora.

“É importante lembrar de algo que é chamado na literatura de racismo ambiental, que é muito presente na nossa realidade. As pessoas pobres, em geral, são pretas, pardas e indígenas nos centros urbanos, e essas populações são atingidas em cheio por estarem habitando áreas de risco. E isso se torna ainda mais complicado para crianças e idosos, porque eles têm mais dificuldade para fugir, nadar”, lembra a pesquisadora.

“Ao pensar na gestão desse risco, é preciso pensar nesses grupos sociais”.

Adaptação Climática

Morro da Oficina, em Petrópolis local mais atingido pela enchente há um mês.

O professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia – da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcos Freitas lembra que, em 1994, a defesa de sua tese de doutorado, na França, foi marcada por uma discussão acalorada de mais de três horas com um pesquisador que não acreditava nas mudanças climáticas.

“Deu um trabalho danado, mas, por fim, eu fui aprovado. Passados 30 anos da minha tese de doutorado, eu não tenho a menor dúvida de que o que está acontecendo agora é efeito desse 1,1°C a mais que a gente já está em relação à média de 1850 a 1900. Para cada 1°C a mais, a gente tem 7% a mais de evaporação no ciclo hidrológico, e isso causa chuvas mais intensas e eventos extremos”, diz o geógrafo, que coordena o Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais da Coppe/UFRJ.

Professor de duas disciplinas que discutem mudanças climáticas e vulnerabilidade climática na pós-graduação da UFRJ, Freitas diz que a engenharia precisa se debruçar com mais afinco sobre o tema para elaborar soluções inventivas e que o poder público aja sem demora para reduzir os riscos e proteger a população de um cenário que tende a se agravar.

“É importante que as políticas públicas que têm que atender a várias coisas, como problemas graves de distribuição de renda, de geração de emprego, de oferta de residências e saúde, comecem a ter um viés de adaptação à mudança do clima”, defende.

Entre as prioridades, Freitas sublinha o número de cerca de 10 milhões de pessoas que vivem em áreas de risco, segundo estimativa do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) com base em dados do Censo 2010. Freitas calcula que o investimento para garantir moradias seguras para essa população pode estar na casa de dezenas de bilhões de reais.

“Se considerarmos cinco pessoas por residência, são 2 milhões de residências. Se o custo de cada residência for de R$ 200 mil, estamos falando de R$ 50 bilhões. Pode parecer muito, mas, se dividirmos em 5 anos, são R$ 10 bilhões por ano. E, se for em 10 anos, são R$ 5 bilhões por ano. Isso é muito pouco perto do resultado que daria de geração de emprego e renda no Brasil e de melhoria da qualidade de vida das cidades e das pessoas”, afirma. “Esse programa poderia ser vinculado a uma agência multilateral importante, como o Banco Mundial, para não ter problemas de governança e poder passar de um governo para o outro independentemente de eleições”.

Para o geógrafo, que é especialista em economia do meio ambiente, o governo federal precisará disponibilizar recursos e ter um papel de liderança e interação internacional para facilitar o processo. Cada um à sua maneira, os entes da federação vão precisar contribuir para a adaptação climática.

“Os estados têm muita responsabilidade e podem ajudar. Estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo têm muitos recursos de royalties de petróleo e precisam se preocupar com a transição energética para fontes renováveis. Nada mais justo que esses lugares com acesso a tais recursos usem parte deles na adaptação às vulnerabilidades”, diz o professor.

“São os municípios que definem as políticas de ocupação e uso do solo, principalmente urbano. É importante também que tenham mapas bem feitos de áreas de risco e sistemas de alerta organizados”.

Márcio Astrini defende a realização de um estudo aprofundado em cada área de risco para avaliar onde soluções de engenharia podem evitar novos desastres e de onde a população precisará ser removida para locais seguros, com emprego e vínculos sociais garantidos.

“Dentro dessas soluções de engenharia, há medidas imediatas, como o treinamento dos municípios, a capacitação das defesas civis, a contratação de equipamento, a implantação de sirenes. Tem muita coisa que pode ser feita até chegar a obras mais pesadas ou remoções.” Astrini diz que, no plano federal, o governo precisará criar linhas orçamentárias para essa adaptação. “Os desastres em massa são uma nova realidade, em que os governos precisam inventar novas formas de lidar, principalmente novas formas orçamentárias”. (ecodebate)

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