sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Mudança climática acelerada ameaça nossa capacidade de adaptação

Um novo estudo alerta que a velocidade com que a Terra se aproxima de níveis críticos de mudança climática pode ser tão perigosa quanto ultrapassar esses limites.

Os pesquisadores mostraram que uma mudança climática muito rápida pode criar novos pontos de inflexão que afetam nossa capacidade de nos adaptarmos e sobrevivermos aos desafios ambientais.

O estudo, realizado por matemáticos da University College Cork e da University of Exeter, foi publicado na revista Earth System Dynamics. Os autores analisaram como a taxa de mudança climática influencia os pontos de inflexão, que são mudanças abruptas e irreversíveis nos sistemas humanos e naturais.

Até agora, os pontos de inflexão eram considerados como um resultado de atingir um nível crítico de mudança climática, como um aumento de temperatura ou um derretimento de gelo. No entanto, o novo estudo revela que a taxa de mudança também pode desencadear pontos de inflexão, mesmo antes de atingir os níveis críticos.

Isso significa que uma mudança climática mais lenta ou gradual pode nos dar mais tempo para nos adaptarmos e mitigarmos os impactos negativos, enquanto uma mudança climática mais rápida ou disruptiva pode colocar em risco nossa sobrevivência e a dos ecossistemas antes mesmo de chegarmos aos limites perigosos.

Além disso, a perturbação dos ecossistemas pode gerar novos efeitos em cascata nas redes socioecológicas, criando mais desafios e vulnerabilidades.

Os pesquisadores alertam que é preciso levar em conta a taxa de mudança climática, além dos níveis críticos, para evitar cenários catastróficos e garantir nossa adaptação e resiliência.

A inclinação induzida pela taxa pode ser uma preocupação ainda maior por causa das taxas sem precedentes de aquecimento global e intensidade das ondas de calor que estamos experimentando atualmente. (ecodebate)

Recorde de emissões globais de CO2 e o ano mais quente da história

O aquecimento global é uma ameaça existencial à vida na Terra e já provoca grandes prejuízos para a economia e o meio ambiente.

“Em vez de dominar a natureza em benefício da população, talvez devêssemos garantir o decrescimento populacional para possibilitar a sobrevivência do meio ambiente” - David Attenborough (1926 - )

Existe uma relação determinística entre o crescimento do volume da produção de bens e serviços, o aumento das emissões de gases de efeito estufa e a elevação da temperatura média global.

Ou dito de outra forma, o crescimento demoeconômico aumenta as emissões de CO2 que acelera a crise climática e gera recordes de calor e eventos meteorológicos extremos.

O gráfico abaixo – com dados do Energy Institute e da Divisão de População da ONU – mostra que enquanto a população mundial era de 3,3 bilhões de habitantes em 1965 e passou para 8 bilhões em 2022, as emissões globais de CO2 do setor de energia passaram de 11,2 bilhões de toneladas para 34,4 bilhões de toneladas no mesmo período. Houve uma queda das emissões durante a pandemia da covid-19 (que gerou uma recessão global), mas o ritmo de crescimento foi retomado e o montante de emissões de 2022 já superou o montante de 2019.

Até o século XX, a maior parte das emissões estavam concentradas na Europa Ocidental e nos Estados Unidos da América (EUA). Mas este cenário mudou no século XXI, com as emissões dos países em desenvolvimento crescendo em um ritmo muito mais rápido.

Atualmente, as emissões da China praticamente empatam com as emissões de toda a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), enquanto as emissões da Índia estão a ponto de ultrapassar as emissões conjuntas dos 27 países da União Europeia.

O fato é que existe uma forte correlação entre o crescimento populacional global e o aumento das emissões de CO2. O gráfico abaixo mostra como os dois crescimentos estão relacionados. A reta de tendência linear entre as duas variáveis indica que 97,23% da variabilidade das emissões globais está diretamente associada ao avanço do montante populacional, considerando o período 1965 a 2022.

Indubitavelmente, as parcelas mais ricas da população contribuem com uma maior parcela das emissões, mas não dá para ignorar o fato de que o maior número de trabalhadores e consumidores contribui para a acumulação de riqueza e para a manutenção da máquina de produção de bens e serviços que alimenta o consumismo mundial. Existe uma responsabilidade diferenciada, mas comum, pois o ser humano não tem uma relação simbiótica com a natureza e causa muitos danos aos ecossistemas.
Segundo a “Identidade Kaya”, existem 4 fatores que determinam as emissões de CO2, sendo eles o tamanho da população, a afluência da economia (renda per capita) e os outros dois ligados à tecnologia, como a intensidade energética e a intensidade de carbono. Dado o padrão tecnológico, os dois fatores mais influentes são a população e o estilo de vida propiciado pela renda per capita.

No artigo “O papel da população e da economia nas emissões de CO2 em Luxemburgo e Camarões” (Alves, 31/05/2023) mostrei que a despeito de Luxemburgo ter uma emissão per capita muito maior do que Camarões, as emissões totais do país pobre já são maiores do que no país rico.

Em 1950, Luxemburgo emitia 2 milhões de toneladas de carbono e Camarões emitia apenas 0,04 milhões de toneladas. Em 2021, Luxemburgo emitiu 2,28 milhões de toneladas de carbono e Camarões emitiu 2,54 milhões de toneladas. Ou seja, é preciso considerar o padrão de consumo, mas também o tamanho da população.

Como mostrei no artigo “Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico” (Alves, 2022), o crescimento da população e da economia aumenta o consumo e a queima de combustíveis fósseis, elevando as emissões de CO2 – o que expande a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera – escalando a temperatura da superfície do Planeta. Evidentemente, o aquecimento global é um fenômeno que ocorre no longo prazo, porém, já é perfeitamente perceptível no presente.

O mês de julho cravou a maior temperatura já registrada na Terra, em torno de 17º C, como mostra o gráfico abaixo do observatório europeu Copernicus. Nota-se que as temperaturas para o mês de julho estavam sistematicamente abaixo de 16ºC antes do século XXI. Mas nos últimos 20 anos, a temperatura subiu cerca de 1ºC.

Tudo indica que o ano de 2023 será o mais quente já registrado, pois as temperaturas já bateram recordes em junho e julho, como mostra o gráfico abaixo. Os restantes meses do segundo semestre devem apresentar altas temperaturas em decorrência do efeito do El Niño.

O aquecimento global é uma ameaça existencial à vida na Terra e já provoca grandes prejuízos para a economia e o meio ambiente. Nos três primeiros meses de 2023, as perdas provocadas por desastres naturais chegaram a US$ 63 bilhões ao redor do mundo, bem acima da mediana de US$ 38 bilhões de todo o século 21 para o mesmo período, segundo novo relatório sobre catástrofes globais produzido pela Aon, uma das maiores gestoras de risco do mundo.

As ondas letais de calor têm sido dramáticas no hemisfério norte nos últimos meses, provocando incêndios, eventos climáticos extremos, enchentes e mortes. Em junho, fortes chuvas atingem 7 províncias no sul da China e provocaram as maiores enchentes do país, impactando quase 500 mil pessoas. Em agosto, O tufão Doksuri varreu partes da China com chuvas fortes que causaram danos consideráveis, deixando pelo menos 62 mortos. Pequim registrou as chuvas mais fortes dos últimos 140 anos.

Mas o que mais assustou o mundo na semana passada foram os incêndios e as tempestades de fogo que tomaram conta da ilha havaiana de Maui. Foram os incêndios florestais mais mortais e destrutivos dos Estados Unidos em um século, pelo menos 80 mortes foram confirmadas com um número incerto de pessoas feridas.

Grande parte da cidade histórica, que foi capital do reino havaiano, acabou destruída pelo fogo e muitas pessoas tiveram de pular no mar para escapar do fogo e foram resgatadas pela guarda costeira. A perda de vidas e de dois séculos de construções históricas abalaram os residentes de Maui, que não esperavam o cenário apocalíptico das chamas consumindo um núcleo urbano rico e próspero.

Já existem muitos sinais de que a civilização humana está trilhando um caminho insustentável e muito perigoso. Evitar a ultrapassagem de 1,5ºC em relação ao período pré-industrial parece uma tarefa impossível. Mas ainda dá tempo para interromper o aquecimento antes do limiar de 2ºC.

Para tanto, a governança global precisa abandonar a esfera dos discursos e colocar em prática as ações necessárias para possibilitar o decrescimento demoeconômico, reduzir as emissões de CO2 e diminuir a Pegada Ecológica global. (ecodebate)

O que a comida tem a ver com as mudanças climáticas?

O que comemos e como esse alimento é produzido afeta nossa saúde, mas também o meio ambiente.

Os alimentos precisam ser cultivados e processados, transportados, distribuídos, preparados, consumidos e, às vezes, descartados. Cada uma dessas etapas cria gases de efeito estufa que retêm o calor do sol e contribuem para a mudança climática. Mais de um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa causadas pelo homem está ligada aos alimentos.

A maior parte dos gases de efeito estufa relacionados aos alimentos vem da agricultura e do uso da terra. Isso inclui, por exemplo:

• metano do processo digestivo do gado, óxido nitroso de fertilizantes usados para a produção agrícola, dióxido de carbono do corte de florestas para a expansão de terras agrícolas, outras emissões agrícolas decorrentes do manejo de esterco, cultivo de arroz, queima de resíduos agrícolas e uso de combustível nas fazendas.

Uma parcela muito menor das emissões de gases de efeito estufa dos alimentos é causada por: refrigeração e transporte de alimentos, processos industriais como a produção de papel e alumínio para embalagens, a gestão do desperdício alimentar.

Quais alimentos causam mais emissões de gases de efeito estufa?

O impacto climático dos alimentos é medido em termos de intensidade das emissões de gases de efeito estufa. A intensidade das emissões é expressa em quilogramas de “equivalentes de dióxido de carbono” – que inclui não apenas o CO2, mas todos os gases de efeito estufa – por quilograma de alimento, por grama de proteína ou por caloria.

Alimentos de origem animal, especialmente carne vermelha, laticínios e camarão cultivado, geralmente estão associados às maiores emissões de gases de efeito estufa. Isto é porque:

• A produção de carne geralmente requer pastagens extensas, que geralmente são criadas pelo corte de árvores, liberando dióxido de carbono armazenado nas florestas.

• Vacas e ovelhas emitem metano à medida que digerem grama e plantas.

• Os dejetos do gado nas pastagens e os fertilizantes químicos usados nas lavouras para alimentação do gado emitem óxido nitroso, outro poderoso gás de efeito estufa.

• As fazendas de camarão geralmente ocupam terras costeiras anteriormente cobertas por florestas de mangue que absorvem grandes quantidades de carbono. A grande pegada de carbono de camarões ou camarões se deve principalmente ao carbono armazenado que é liberado na atmosfera quando os manguezais são derrubados para criar fazendas de camarão.

Alimentos à base de plantas – como frutas e vegetais, grãos integrais, feijões, ervilhas, nozes e lentilhas – geralmente usam menos energia, terra e água e têm menor intensidade de gases de efeito estufa do que os alimentos de origem animal.

Aqui estão três gráficos que mostram a pegada de carbono de diferentes produtos alimentícios. As emissões podem ser comparadas com base no peso (por quilo de alimento) ou em termos de unidades nutricionais (por 100 gramas de proteína ou por 1000 quilocalorias), o que nos mostra a eficiência com que diferentes alimentos fornecem proteína ou energia.

– As emissões são medidas em quilogramas de equivalentes de dióxido de carbono, kgCO2eq, que leva em conta não apenas o dióxido de carbono, mas também outros gases de efeito estufa, como metano e óxido nitroso, convertendo-os em equivalentes de dióxido de carbono com o mesmo potencial de aquecimento global.

– A carne bovina combina gado de corte e gado leiteiro. | Mariscos e peixes são cultivados. | Queijo e leite incluem todos os laticínios, ou seja, fontes animais, como vaca, cabra, ovelha, búfalo, camelo.

– Base de Dados Internacional FAO INFOODS e Balanços Alimentares

– Nosso mundo em dados

Como podem ser reduzidas as emissões relacionadas com os alimentos?

Reduzir as emissões do setor de alimentos exige mudanças em todas as etapas, dos produtores aos consumidores.

Para os produtores de alimentos, melhores práticas agrícolas, como melhor manejo de fertilizantes, pastagem rotativa para manter o solo saudável para armazenar carbono e a restauração de terras degradadas podem reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa. A carne está associada a uma ampla gama de intensidades de emissões, dependendo das práticas agrícolas e das condições locais, portanto, há espaço para que práticas mais sustentáveis ganhem espaço.

Para os consumidores, uma mudança para dietas ricas em vegetais pode fazer uma grande diferença. Quando apropriado, mudar para dietas com mais proteínas vegetais (como feijão, grão de bico, lentilha, nozes e grãos), uma quantidade reduzida de alimentos de origem animal (carne e laticínios) e menos gorduras saturadas (manteiga, leite, queijo, carne, óleo de coco e óleo de palma) pode levar a uma redução significativa nas emissões de gases de efeito estufa em comparação com os padrões alimentares atuais na maioria dos países industrializados. Também fornece benefícios significativos para a saúde, incluindo redução de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2.

Ao mesmo tempo, reduzir o desperdício de alimentos é fundamental. Quase 1 bilhão de toneladas de alimentos – 17% de todos os alimentos disponíveis para os consumidores em todo o mundo – vão para as lixeiras todos os anos. Produzir, transportar e deixar esse alimento apodrecer contribui com mais de 8% das emissões globais de gases de efeito estufa. Se o desperdício de alimentos fosse um país, seria o terceiro maior país emissor do mundo.

O que você pode fazer?

Coma refeições mais saudáveis

Comece a comer uma dieta mais rica em vegetais e equilibrada  – que forneça energia e nutrientes de vários grupos de alimentos diferentes – e reduza os alimentos mais difíceis do nosso planeta.

Carnes e laticínios podem ser fontes importantes de proteínas e micronutrientes, principalmente em países de baixa renda, onde as dietas carecem de diversidade. Mas na maioria dos países de alta renda, mudar para mais alimentos à base de plantas promove melhor saúde e reduz significativamente seu impacto ambiental em comparação com a dieta média à base de carne.

O que você come é muito mais importante do que a distância que o alimento percorreu ou quanta embalagem ele tem. O transporte e a embalagem normalmente respondem por apenas uma pequena fração das emissões de gases de efeito estufa dos alimentos.

Corte seu desperdício de alimentos

Pense em como você compra, prepara e descarta os alimentos. Quando você joga fora comida, também está desperdiçando energia, terra, água e fertilizantes que foram usados para produzi-la, embalá-la e transportá-la.

Compre apenas o que você precisa – e use o que você compra. E não deixe de comprar  frutas  e vegetais de aparência imperfeita. Caso contrário, eles podem ser jogados fora.

Cerca de 800 milhões de pessoas no mundo ainda passam fome hoje. Pare o desperdício, economize dinheiro, reduza as emissões e ajude a preservar os recursos para as gerações futuras.

Se você precisar jogar fora alimentos, a compostagem de suas sobras pode reduzir a quantidade de metano e CO2 liberados pelos resíduos orgânicos.

Experimente uma receita sustentável

Dê uma olhada  nessas receitas  dos principais chefs que estão preparando pratos que não são apenas deliciosos, mas também bons para você e para o planeta.

Compre com um saco reutilizável

A produção, uso e descarte de plásticos contribuem para as mudanças climáticas. Em vez de uma sacola plástica, use sua própria sacola reutilizável e reduza a quantidade de  resíduos plásticos em nosso mundo. (ecodebate)

Derretimento do permafrost pode liberar patógenos antigos e perigosos

Derretimento de permafrost no Planalto Peel, nos Territórios do Noroeste, Canadá, expõe o permafrost rico em gelo e sedimentos.

Patógenos antigos que escapam do derretimento do permafrost têm potencial real para danificar comunidades microbianas e podem potencialmente ameaçar a saúde humana, de acordo com um novo estudo.

Patógenos antigos que escapam do derretimento do permafrost têm potencial real para danificar as comunidades microbianas e podem ameaçar a saúde humana, de acordo com um novo estudo de Giovanni Strona do Centro de Pesquisa Conjunta da Comissão Europeia e colegas, publicado em 27/07/23 na revista de acesso aberto PLOS Computational Biologia.

A ideia de que patógenos “viajantes no tempo” presos no gelo ou escondidos em instalações laboratoriais remotas poderiam se libertar para causar surtos catastróficos inspirou gerações de romancistas e roteiristas. Enquanto o derretimento das geleiras e do permafrost está dando a muitos tipos de micróbios adormecidos a oportunidade de ressurgir, as ameaças potenciais à saúde humana e ao meio ambiente representadas por esses micróbios têm sido difíceis de estimar.

Em um novo estudo, a equipe de Strona quantificou os riscos ecológicos representados por esses micróbios usando simulações de computador. Os pesquisadores realizaram experimentos de evolução artificial em que patógenos semelhantes a vírus digitais do passado invadem comunidades de hospedeiros semelhantes a bactérias. Eles compararam os efeitos de patógenos invasores na diversidade de bactérias hospedeiras com a diversidade em comunidades de controle onde não ocorreu invasão.

A equipe descobriu que, em suas simulações, os antigos patógenos invasores podiam sobreviver e evoluir na comunidade moderna, e cerca de 3% se tornaram dominantes. Enquanto a maioria dos invasores dominantes teve pouco efeito na composição da comunidade maior, cerca de 1% dos invasores produziram resultados imprevisíveis. Alguns causaram a extinção de até um terço das espécies hospedeiras, enquanto outros aumentaram a diversidade em até 12% em comparação com as simulações de controle.

Os riscos representados por esse 1% de patógenos liberados podem parecer pequenos, mas, devido ao grande número de micróbios antigos regularmente liberados nas comunidades modernas, os eventos de surto ainda representam um risco substancial.

As novas descobertas sugerem que os riscos representados por patógenos que viajam no tempo – até agora confinados a histórias de ficção científica – podem de fato ser poderosos impulsionadores de mudanças ecológicas e ameaças à saúde humana. (ecodebate)

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Pan-Amazônia já perdeu 17% de sua cobertura nativa

Mapa da Pan-Amazônia. In Guimarães, Filipe & Porto, Jadson & Pizzio, Alex. (2022). Política pública em turismo na Amazônia Legal: Metodologia para análise da atividade política dos Deputados Federais.

Os dados de desmatamento da Amazônia surpreendem por extensão e velocidade. Quase 125 milhões de hectares de vegetação nativa do bioma foram destruídos até 2021.

Só que em 1985 a área desmatada ocupava 50 milhões de hectares. Isso significa que em apenas 37 anos foram desmatados 75 milhões de hectares de vegetação nativa – 50% a mais do que havia sido desmatado historicamente até 1985.

Desse total, 74 milhões de hectares foram convertidos para atividades agropecuárias e silvicultura, que passaram de 49 milhões de hectares em 1985 para 123 milhões de hectares em 2021.

O Brasil, que responde por 61,9% do território amazônico, perdeu 61,5 milhões de hectares de vegetação natural, ou 82% do que foi devastado no período de 1985 a 2021.

Os dados fazem parte da Coleção 4 de mapas anuais de cobertura e uso da terra do Projeto MapBiomas Amazônia, iniciativa resultante da colaboração entre a RAISG (Rede Amazônica de Informações Socioambientais Georreferenciadas) e a Rede MapBiomas, que mapeia as mudanças de uso da terra em todos os nove países amazônicos (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela).

Segundo os autores, as perdas têm sido enormes, praticamente irreversíveis e sem perspectiva de reversão dessa tendência. Os dados acendem a luz amarela e dão um sentido de urgência à necessidade de uma ação internacional integrada, decisiva e contundente.

Em 2021, a Amazônia havia perdido 17% de sua cobertura vegetal natural. No Brasil a área de vegetação nativa do bioma amazônico é de 79% em 2021, ou seja, a devastação já adentrou a faixa de risco traçada pelos cientistas, entre 20% e 25% de perda da cobertura florestal.

Se a tendência atual verificada pelo MapBiomas Amazônia continuar, o bioma, que é um sumidouro de carbono de importância planetária, chegará a um ponto sem volta, afetando irreversivelmente seus serviços ecossistêmicos.

O mapeamento também mostra que as geleiras dos Andes amazônicos, que fornecem água para milhões de pessoas e alimentam as nascentes dos grandes rios da região, perderam 46% de seu gelo no período analisado.

A atividade minerária, por sua vez, expandiu-se 1107% (mais de 1.000%, passando de 47 mil hectares em 1985 para mais de 571 mil hectares em 2021).

BOLÍVIA

Na Bolívia, que responde por 8,4% do território amazônico, a área coberta por vegetação florestal nativa caiu de 48 milhões de hectares para 43 milhões de hectares entre 1985 e 2021. Nesse período, a área de agropecuária e silvicultura na parte boliviana do bioma saltou de 2 milhões de hectares para 8 milhões de hectares. A área de vegetação nativa do bioma amazônico boliviano é de 85,5% em 2021.

BRASIL

No Brasil, que responde por 61,9% do território amazônico, a área coberta por vegetação florestal nativa caiu de 442 milhões de hectares para 382 milhões de hectares entre 1985 e 2021 – uma perda de 60 milhões de hectares, ou 80% do total perdido no período no bioma como um todo. Nesse período, a área de agropecuária e silvicultura na parte brasileira do bioma praticamente triplicou, passando de 36 milhões de hectares para 98 milhões de hectares. A área de vegetação nativa do bioma amazônico brasileiro é de 79% em 2021 – a mais baixa entre todos os países amazônicos.

COLÔMBIA

Na Colômbia, que responde por 6% do território amazônico, a área coberta por vegetação florestal nativa caiu de 45,1 milhões de hectares para 42,6 milhões de hectares entre 1985 e 2021. Nesse período, a área de agropecuária e silvicultura na parte colombiana do bioma passou de 2,4 milhões de hectares para 4,6 milhões de hectares. A área de vegetação nativa do bioma amazônico colombiano é de 89,5% em 2021.

EQUADOR

No Equador, que responde por apenas 1,6% do território amazônico, a área coberta por vegetação florestal nativa caiu de 10,3 milhões de hectares para 9,8 milhões de hectares entre 1985 e 2021. Nesse período, a área de agropecuária e silvicultura na parte equatoriana do bioma passou de 1,3 milhão de hectares para 1,9 milhão de hectares. A área de vegetação nativa do bioma amazônico equatoriano é de 83% em 2021.

GUIANA

A Guiana, que responde por apenas 2,5% do território amazônico, a área coberta por vegetação florestal nativa caiu de 18,8 milhões de hectares para 18,7 milhões de hectares entre 1985 e 2021. A área de vegetação nativa do bioma amazônico guianense é de 97,4% em 2021.

GUIANA FRANCESA

A Guiana Francesa, que responde por apenas 1% do território amazônico, a área coberta por vegetação florestal nativa caiu de 8,21 milhões de hectares para 8,16 milhões de hectares entre 1985 e 2021. Nesse período, a área de agropecuária e silvicultura na parte guianense do bioma passou de 200 mil hectares para 400 mil hectares. A área de vegetação nativa do bioma amazônico guianense é de 98,1% em 2021 – a mais alta entre todos os países amazônicos.

PERU

No Peru, que responde por 11,4% do território amazônico, a área coberta por vegetação florestal nativa caiu de 73 milhões de hectares para 70 milhões de hectares entre 1985 e 2021. Nesse período, a área de agropecuária e silvicultura na parte peruana do bioma passou de 6 milhões de hectares para 9,5 milhões de hectares. A área de vegetação nativa do bioma amazônico peruano é de 87% em 2021.

SURINAME

No Suriname, que responde por 1,7% do território amazônico, a área coberta por vegetação florestal nativa caiu de 13,8 milhões de hectares para 13,7 milhões de hectares entre 1985 e 2021. Nesse período, a área de agropecuária e silvicultura na parte surinamesa do bioma passou de 110 mil hectares para 150 mil hectares. A área de vegetação nativa do bioma amazônico surinamês é de 96,7% em 2021.

VENEZUELA

Na Venezuela, que responde por 5,6% do território amazônico, a área coberta por vegetação florestal nativa caiu de 38,6 milhões de hectares para 37,9 milhões de hectares entre 1985 e 2021. Nesse período, a área de agropecuária e silvicultura na parte venezuelana do bioma passou de 0,9 milhão de hectares para 1,3 milhão de hectares. A área de vegetação nativa do bioma amazônico venezuelano é de 94% em 2021. (ecodebate)

É possível evitar o colapso da Amazônia?

Para salvar a Amazônia, há a necessidade de zerar o desmatamento, zerar toda a degradação até 2030 e manter a floresta com grandes projetos de restauração florestal.

“Nós temos que realmente zerar o desmatamento, a degradação, e o uso do fogo imediatamente, para ontem. Para salvar o Planeta, para proteger o Planeta, combater a emergência climática, proteger a biodiversidade, não se pode fazer essa diferenciação desmatamento legal versus ilegal”. Carlos Nobre

16 perguntas do jornalista ambiental Norbert Suchanek ao renomado cientista Carlos Nobre, pesquisador da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia (https://www.aamazoniaquequeremos.org)

Norbert Suchanek: No total, qual porcentagem da floresta amazônica já foi desmatada?

Carlos Nobre: Em toda a Amazônia, 6,5 milhões km2 originalmente de florestas já temos cerca de um pouco mais de 1 milhão km2 desmatados, cerca de 18 %. E nós temos quase outro 17 %, também 1 milhão km2 de áreas degradadas, em vários estágios de degradação. A maior parte dessas áreas desmatadas e degradadas estão no sul da Amazônia do Oceano Atlântico, sul do Pará, norte do Mato Grosso, Sul do Estado do Amazonas, Rondônia, Acre, Sudeste da Bolívia e também um segundo arco de desmatamento que é entre 400 e 1.300 metros subindo para os Andes, no Peru, no Equador e na Colômbia.

Quão longe ou quão perto estamos do “point of no return” do ecossistema amazônico? Quão perto estamos do colapso da Amazônia?

Carlos Nobre: De fato, nós não estamos longe do ponto de não retorno. Nós temos que realmente zerar o desmatamento, a degradação, e o uso do fogo imediatamente, para ontem. Deve ter uma moratória desse tipo de mudança do uso da terra, em todo o sul da Amazônia, porque ali está muito na beira do ponto de não retorno.

A estação seca está quatro a cinco semanas mais longas, nos últimos 40 anos, em toda essa região de mais de dois milhões de quilômetros quadrados. A estação seca está 2,5°C mais quente e 25 % mais seca: além de ser mais longa está com menos chuva. Em toda essa região a floresta já virou uma fonte de carbono. Ela libera mais carbono do que remove da atmosfera. Então, se nós continuarmos com o aquecimento global e continuarmos com desmatamento e degradação, nós vamos passar desse ponto de não retorno em não mais de 20 a 30 anos, no máximo.

Por isso, é fundamental zerar o desmatamento, a degradação e o fogo na Amazônia imediatamente e passar a restaurar grande parte desses dois milhões de quilômetros quadrados desmatados e degradados. Nós precisamos restaurar grande parte dessa vegetação alterada.

De acordo com o programa de proteção da Amazônia (PPCDAm), o presidente Lula da Silva quer acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia brasileira até 2030. Isso significa que o desmatamento legal vai continuar?

Carlos Nobre: Quase todos os países amazônicos, inclusive o Brasil, assinaram durante a COP 26, em Glasgow 2021, um acordo, que hoje já 134 países assinaram, de zerar o desmatamento de todas as florestas do mundo até 2030. Então, essa deve ser a meta mais importante. Por mais que no marco legal brasileiro se permita desmatar 20 % e em alguns lugares até 50 % na Amazônia. Na verdade, para proteger a Amazônia nós não podemos ter a consideração de desmatamento legal versus ilegal. Governos dos países amazônicos, como a Colômbia, está atuando numa direção de zerar todo o desmatamento. Então essa deve ser uma política do Brasil também.

Então para salvar o Planeta, para proteger o Planeta, combater a emergência climática, proteger a biodiversidade, não se pode fazer essa diferenciação desmatamento legal versus ilegal.

A meta do Governo Lula de desmatamento zero até 2030 é suficiente para salvar a Amazônia?

Carlos Nobre: Para salvar a Amazônia, há a necessidade de zerar o desmatamento, zerar toda a degradação até 2030 e manter a floresta com grandes projetos de restauração florestal. Nós lançamos na COP 27, o Painel Científico para a Amazônia – um projeto de restaurar grandes áreas de toda a Amazônia, principalmente nessas áreas dos arcos de desmatamento.  Nós chamamos esse projeto de “Arcos da Restauração Florestal”.

O atual PPCDAm quer ao mesmo tempo zerar o desmatamento e ampliar a área de floresta pública federal sob concessão florestal até 5 milhões de hectares para exploração de madeira seletiva.  Isto faz sentido?

Carlos Nobre: Amazônia têm um enorme potencial de exploração dos produtos da floresta em pé. Esse é o grande potencial econômico da Amazônia.  Infelizmente, a exploração de madeira, a exploração seletiva de madeira é quase toda ilegal, ela leva uma enorme degradação da Amazônia. Esse não é o caminho para a Amazônia.

O que o governo Lula deveria fazer com as mais de 50 milhões de hectares de terras públicas não destinadas na Amazônia Legal?

Carlos Nobre: É lógico que há uma enorme área de terras públicas não destinadas, chamadas terras devolutas. Na Amazônia temos 560 mil quilômetros quadrados de terras federais e estaduais não destinadas. É muito importante que elas sejam mantidas como florestas. Pode-se ter restauração florestal em grande escala em áreas que já foram desmatadas das terras públicas. 

Já temos mais de 20 milhões de hectares desmatados em terras indígenas, unidades de conservação e nessas terras públicas não destinadas. Então, é muito importante ter um megaprojeto de restauração florestal, como nós lançamos na COP 27, e que seja no mínimo 50 milhões de hectares.  O Brasil pode ser o país com o maior projeto de restauração florestal do mundo, principalmente na Amazônia, mas também na Mata Atlântica e no Cerrado. Esse deve ser o grande caminho. Parte de terras não destinadas têm que ser usadas para a demarcação dos territórios indígenas, e parte para criar um grande número de unidades de conservação e sistemas agroflorestais bastantes produtivos para uma nova bioeconomia de floresta em pé.

Os governos Lula no passado foram responsáveis por grandes projetos hidrelétricos, como as duas grandes barragens no Rio Madeira e Belo Monte no Rio Xingu, ambas na Amazônia. Existe um risco de novas grandes hidrelétricas na Amazônia?

Carlos Nobre: Sem dúvida não há mais necessidade de hidrelétrica para geração de energia no Brasil.  Não há necessidade de grandes hidrelétricas na Amazônia, nem de pequenas hidrelétricas. Por que? Porque elas interrompem o fluxo dos rios, mudam toda uma ecologia que evoluiu em dezenas de milhões de anos. E você causa um enorme risco para os ecossistemas amazônicos de um modo geral e os ecossistemas aquáticos principalmente.

Várias formas renováveis de energia, principalmente energia solar e a energia eólica, têm um enorme potencial e são mais baratas. E na Amazônia existe também a energia chamada hidrocinética* para as populações ribeirinhas. Não me parece que, na política do terceiro governo Lula, hidrelétricas voltarão.

*(Hidrocinética: Geração de eletricidade com microturbinas hidrocinéticas que só usam a corrente dos rios, sem impacto para a biodiversidade e as espécies aquáticas.)

Como o senhor avalia as usinas hidrelétricas existentes na Amazônia? Qual é a contribuição delas para a proteção do clima? Ou o contrário: As usinas hidrelétricas estão aquecendo o clima global?

Carlos Nobre: De fato, os reservatórios de muitas hidrelétricas na Amazônia acabam sendo reservatório de matérias orgânicas que fluem pelos rios e ficam estacionadas ali.  Elas não são mais transportadas até os oceanos e ficam nos fundos dos reservatórios. Aí há uma reação química com pouco oxigênio, anaeróbica como se fala, que gera o gás metano que sobe. Metano é um gás inúmeras vezes mais poderoso, como gás do efeito estufa, do que o gás carbônico. Esse é um problema.

Hidrelétricas com grandes reservatórios, como Belo Monte e Tucuruí, não são com emissão zero – é bom mencionar isso. Portanto, não há mais necessidade global de hidrelétricas para proteção do clima, para reduzir emissões.

Para o cientista Philip Martin Fearnside, a pavimentação da BR-319 é uma das maiores ameaças da Amazônia e vai aumentar o desmatamento. Qual é a sua avaliação?

Carlos Nobre: Completamente de acordo com o professor Philip Fearnside, um dos grandes cientistas amazônicos. Uma pavimentação da BR 319 vai trazer um enorme risco. Até porque o governador do estado do Amazonas disse que uma vez pavimentado, o governo do estado vai criar estradas laterais Leste-Oeste que vão cruzar a BR 319 até o oeste do Amazonas.

E  95 % dos desmatamentos da Amazônia estão a 5,25 km de cada lado das estradas. Então, não é possível ter uma infraestrutura sustentável com estradas. A pavimentação da BR 319 e a proposta do governador do estado do Amazonas de construir estradas leste-oeste vai fazer explodir o desmatamento no maior estado com florestas tropicais. Então, não se deve pavimentar a BR 319.

Tem algum sinal de que Lula e seu governo vão concluir ou abandonar este projeto da BR-319?

Carlos Nobre: Não é possível ainda fazer uma avaliação do sinal do governo Lula sobre abandonar ou não a pavimentação da BR-319, vamos esperar que o governo comece a pensar numa infraestrutura sustentável para a Amazônia. Eu espero realmente que o governo Lula não avance com infraestruturas que vão significar o aumento dos desmatamentos.

Como cientista climático, como o senhor avalia os projetos de exploração de petróleo e gás já existentes e os planejados nos estados amazônicos? A produção de petróleo e gás na Amazônia pode continuar e ainda expandir, como a Petrobrás e alguns políticos querem?

Carlos Nobre:  O IPCC Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas e toda a Ciência já vem dizendo há décadas que nós não temos mais que abrir novas explorações de carvão, petróleo e gás natural. Nós temos que reduzir em 50 % as emissões até 2030 e zerar as emissões até 2050. 

70% das emissões são queima de combustível fóssil global. Nós estamos com um enorme risco climático, veja o que está acontecendo com as ondas de calor na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia.

Então, nós não temos mais que explorar um único novo poço de petróleo, poço de gás natural e exploração de carvão. Não há a menor dúvida que não há mais como fazer isso em lugar nenhum no mundo e muito menos no Brasil, porque o Brasil tem um gigantesco potencial das energias renováveis. Esse é o caminho do Brasil. Não temos mais que abrir novos poços de petróleo, carvão e gás natural.

Sobre o projeto de óleo e gás na Bacia Sedimentar do Solimões, uma das regiões mais preservadas da Amazônia.  O governo Lula vai parar este projeto de petróleo?

Carlos Nobre: De novo. A Petrobras, não se deve permitir exploração de novos poços de petróleo ou de carvão, ou de gás natural, em qualquer lugar do mundo, inclusive na Amazônia. Senão nós vamos colocar o Planeta numa trajetória de suicídio ecossistêmico, suicídio ambiental, suicídio até humano.

Como o senhor vê o risco da produção de biocombustíveis sustentáveis, a partir do cultivo da cana-de-açúcar ou do dendê – ou soja e milho – na Amazônia?

Carlos Nobre: Logicamente, nós não devemos permitir em hipótese nenhuma a expansão da produção de biocombustíveis, seja o bioetanol da cana-de-açúcar ou do milho, o biodiesel do dendê ou da soja na Amazônia, porque isso é um vetor do desmatamento.

A muito longo prazo, estamos falando aí de 20 anos para a frente, a fonte de energia sustentável é a energia solar e a energia eólica. Os biocombustíveis poderão ser utilizados um pouquinho para bioquerosene de aviação, mas não pode mais ser um grande combustível para todo mundo, para todo Brasil. E, portanto, esse é o caminho que nós temos que tratar a eletrificação da frota. E lógico, o grande potencial hoje é o hidrogênio verde. O hidrogênio verde para ser um futuro combustível de caminhões e ônibus de longas trajetórias.

O senhor apresentou um projeto de reflorestamento na COP27, com a proposta de restaurar não menos que 50 milhões de hectares. O projeto tem apoio do atual governo brasileiro?

Carlos Nobre: Sim, o Painel Científico para a Amazônia, o qual eu sou o copresidente, lançou a ideia do chamado Arcos da Restauração Florestal para restaurar pelo menos 50 milhões de hectares, principalmente em todo o sul da Amazônia, do Atlântico até a Bolívia. Nós também temos que restaurar o outro arco do desmatamento que é na parte andina da Amazônia, da floresta, entre 400 e 1.300 metros do Peru, Colômbia e Equador.

O estado do Pará já começou projetos muito importantes de restauração florestal e o Ministério do Meio Ambiente está discutindo grandes restaurações florestais. Também começa a surgir financiamentos para restauração florestal de áreas privadas, através do mercado de carbono.

Hoje o preço do mercado de carbono já chegou entre US$ 15 a 20 por tonelada.  Então, o mercado voluntário de carbono, o REDD plus, já começa a trazer enorme benefício para esses projetos de restauração.

Só para lhe dar um número: um hectare de restauração florestal, no preço do mercado de carbono hoje, já gera US$ 200 a 300 por ano e isso é muito mais, duas a três vezes, o que a pecuária na Amazônia gera de lucro.

O que você deseja como resultado da Cúpula da Amazônia? O que deve ser decidido pelas lideranças do Brasil e dos demais países amazônicos, em Belém?

Carlos Nobre: Claro que nós temos uma grande expectativa positiva para um acordo da Cúpula dos Países Amazônicos em Belém, com todos os presidentes dos países amazônicos, possivelmente também com o presidente da França, Macron. É a primeira vez que ela acontece e no sentido de que ela seja muito determinante quase que para fazer uma equivalência, vamos dizer assim, à União Europeia.

A União Europeia foi criada muitas décadas e décadas atrás, e, por exemplo, na luta contra a emergência climática a União Europeia é a mais avançada do mundo.

É muito importante que os oito países amazônicos, mais a Guina Francesa, cheguem num grande acordo. Como criar uma União Europeia de países amazônicos para combater o desmatamento, a degradação, a grilagem de terra, o crime ambiental e o crime organizado, mineração ilegal, tráfico de drogas, e a pesca ilegal, pois tudo isso explodiu na Amazônia.

Quais são suas esperanças para a Amazônia?

Carlos Nobre: Eu sou muito esperançoso, porque no Painel Científico para a Amazônia, nós concluímos que temos que zerar o desmatamento, a degradação e o fogo na Amazônia rapidamente. E criar um grande projeto de restauração florestal para remover uma grande quantidade de carbono, combater a emergência climática e, principalmente, para tentar evitar o ponto de não retorno.

Espero que todos os países amazônicos coloquem uma direção econômica para a Amazônia, para a nova bioeconomia de floresta em pé e rios fluindo – que nós propusemos também no Painel Científico para a Amazônia: uma bioeconomia com a floresta sendo mantida em pé, com produção de centenas de produtos da biodiversidade amazônica.

Então, esse é o potencial, uma bioeconomia de floresta em pé, rios fluindo exatamente para manter a biodiversidade dos ecossistemas aquáticos. Essa bioeconomia de floresta em pé e rios fluindo vai melhorar muito a economia dos países amazônicos e vai melhorar muito a vida de dezenas de milhões de amazônidas em todos os países amazônicos.

Muito obrigado pela oportunidade dessa entrevista.

Carlos Nobre é um cientista brasileiro com doutorado em Meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), EUA. O trabalho de Nobre é focado principalmente na Amazônia e seus impactos no sistema terrestre. Ele também foi membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Foi Secretário Nacional de Políticas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e Presidente da Agência Brasileira de Pós-Graduação (CAPES). É membro estrangeiro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Mundial de Ciências e da Royal Society e co-presidente do Painel Científico para a Amazônia.  https://www.aamazoniaquequeremos.org.

Norbert Suchanek é jornalista e autor alemão especializado em cobertura de ciência ambiental desde 1988. Ele trabalha no Rio de Janeiro - Email: Norbert.suchanek@online.de

(ecodebate)

Cerrado precisa proteger e recuperar áreas degradadas

Cerrado precisa de ações de proteção e recuperação de áreas degradadas.
Cerrado queimado e desmatado.

No Bioma Cerrado a recuperação de áreas degradadas, de acordo com Ministério do Meio Ambiente – MMA (2007b), é uma ação recomendada, já que das 431 áreas de conservação, 34% precisam ser recuperadas, sendo de grande importância socioeconômica e ambientais, tais recuperações.

O acelerado ritmo de conversão da vegetação natural do Cerrado em áreas agropecuárias está causando impactos nos serviços ecossistêmicos do bioma.

Para frear o problema, é necessário implantar ações de proteção mais rígidas, complementadas com um planejamento territorial focado na formação de corredores ecológicos e na recuperação de pastagens degradadas. Este é o alerta feito por pesquisadores brasileiros em carta publicada na revista científica Nature Sustainability.

Segundo maior bioma da América do Sul, com uma área de 2 milhões de quilômetros quadrados (km2), o equivalente ao território do México, o Cerrado é a savana mais biodiversa do mundo, com mais de 11.600 espécies de plantas nativas. Conhecido também como “berço de águas” no Brasil, abriga diversas bacias hidrográficas que abastecem as regiões Sul e Sudeste.

Porém, vem registrando recordes de desmatamento – um aumento de 16,5% entre agosto/2022 e julho/2023, alcançando 6.300 km2 destruídos no período. Os dados são do sistema de alertas Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), divulgados no último 03/08/23. Foi o pior resultado desde o início da medição, entre 2017 e 2018. A maior parte dos alertas está na área conhecida como Matopiba, que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Quase 75% do desmatamento do bioma está na região.

Em 2022, a derrubada da vegetação no Cerrado já havia sido 25% maior do que no ano anterior, chegando a 10.689 km2. É quase igual ao total desmatado no mesmo período na Amazônia (11.568 km2), que abrange um território duas vezes maior.

“É reflexo. Há menos ações para coibir o desmatamento no Cerrado do que na Amazônia, por exemplo, ao passo que atividades derivadas dessa conversão dão lucro. Contudo, suas funções ambiental, econômica e social interessam, igualmente, ao planeta. O próprio acordo MERCOSUL-União Europeia tem entraves relacionados à sustentabilidade na cadeia de produção agropecuária, mas ainda negligencia o Cerrado. É necessário e vantajoso priorizá-lo nas discussões diplomáticas”, diz à Agência FAPESP o primeiro autor da carta, Michel Eustáquio Dantas Chaves, pós-doutorando na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática (DIOTG-Inpe) apoiado pela FAPESP.

Segundo os pesquisadores, a perda da vegetação vem contribuindo para eventos climáticos extremos, aumentando a temperatura, reduzindo a capacidade de as plantas lançarem umidade no ar (evapotranspiração) e alterando o regime de chuvas, com consequente ameaça à viabilidade de sistemas de cultivo múltiplos e à produtividade.

“Ritmo recente de desmatamento está alto e afeta condições edafoclimáticas (características do meio ambiente, como: clima, relevo, temperatura, umidade do ar, precipitação pluvial para a atividade agrícola e outras) vitais. Isso compromete até o futuro da produção nacional, podendo desencadear crises ambientais e socioeconômicas, bem como afetar políticas de segurança alimentar”, explica Chaves.

Precaução

Na carta publicada em Nature Sustainability, com o título Reverse the Cerrado’s neglect (Revertendo o descaso com o Cerrado), os cientistas alertam que o bioma tem sido excluído de esforços que possam garantir a sustentabilidade.

Citam como exemplo a Moratória da Soja – um pacto feito entre organizações não governamentais, agroindústrias e governos com o compromisso de não comprar commodities de áreas desmatadas – só aplicada para a Amazônia, alguns projetos de lei (PL-2633/2020, PL-510/2021 e PL-337/2022) e a nova regra da Comissão Europeia sobre a importação de produtos sem desmatamento. Essas normas deixam parte do Cerrado desprotegido, como “zona de sacrifício” para desenvolvimento agrícola.

“O momento exige estratégias que unam provisão de serviços ecossistêmicos e produção agrícola. O Cerrado é peça-chave nesse desafio, mas geralmente é lembrado apenas por seu potencial agrícola. Sua condição de ser a savana mais biodiversa do mundo, regular o clima, fornecer água e estocar carbono acaba negligenciada. Propusemos mecanismos para que o Cerrado seja respeitado como o motor da capacidade agroambiental brasileira”, completa Chaves.

Ele assina o artigo juntamente com o pesquisador Guilherme Mataveli, do INPE, que também recebe apoio da FAPESP (23/03206-0 e 19/25701-8), e mais quatro cientistas: Ieda Sanches e Marcos Adami (DIOTG-Inpe), Rafaela Aragão (Griffith University) e Erasmus zu Ermgassen (Université Catholique de Louvain).

O grupo destaca que investimentos tecnológicos feitos no Cerrado desde os anos 1970 elevaram a produtividade brasileira de grãos de 1.258 para 4.048 kg/hectare, indicando ser viável conciliar atividade agrícola e políticas de conservação. Vê como igualmente positivo o recente restabelecimento e expansão do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento (PPCD) para todos os biomas brasileiros.

O plano visa estabelecer atividades produtivas sustentáveis, monitoramento e controle ambiental, ordenamento fundiário e territorial e instrumentos normativo-econômicos para reduzir o desmatamento e as emissões de CO2, em linha com os compromissos nacionais assumidos no Acordo de Paris e na Conferência das Partes das Nações Unidas (COP).

Os cientistas avaliam, porém, que a implementação do PPCD no Cerrado depende de políticas específicas para o bioma, que envolvam esforços coordenados entre os governos municipais, estaduais e federal, além da necessidade de aumentar o número de agentes fiscalizadores e incluir agricultores e comunidades tradicionais nas políticas públicas e no debate sobre compensação para quem preserva a vegetação nativa por meio de Pagamentos por Serviços Ambientais, previstos na Lei 14.119/2021.

“O PPCD visa reduzir desmatamento ilegal. Porém, o Cerrado tem mais de 330 mil km2 de vegetação que podem ser desmatados legalmente [excedentes de reserva legal]. Precisamos integrar a proteção do capital natural a políticas estruturais de desenvolvimento educacional e tecnológico”, destacam.

Para Chaves, fortalecer sistemas de monitoramento é essencial para a sustentabilidade. Desde 2017, o INPE mantém o Projeto de Desenvolvimento de Sistemas de Prevenção de Incêndios Florestais e Monitoramento da Cobertura Vegetal no Cerrado Brasileiro.

Recentemente, o pesquisador e Ieda Sanches publicaram na revista Remote Sensing Applications: Society & Environment um estudo mostrando como é possível identificar culturas agrícolas com mais precisão a partir de dados de campo, conhecimento sobre calendários agrícolas, machine learning, índices espectrais e cubos de dados produzidos pelo projeto Brazil Data Cube, desenvolvido pelo INPE.

“Reduzir incertezas ajuda a conferir segurança jurídica, recuperar soberania epistêmica agroambiental e apoiar políticas públicas. Logo, investir em iniciativas tecnológicas que possibilitem isso não é gasto. É investimento”, conclui. (ecodebate)

Degradação florestal na Amazônia afeta área três vezes maior que desmatamento

Entre março de 2023 e de 2024, INPE detectou aviso de degradação para 20,4 mil km², maior que os 18 mil km² do período anterior. É necessári...