Incêndio florestal na Rússia.
Cidades e vilarejos se esvaziam no vale do Indo. Centenas de milhares de paquistaneses continuam a fugir das inundações que já causaram 1.500 mortes em um mês. Tanto no Paquistão quanto na Rússia, na China e na Índia, as catástrofes naturais fizeram deste um verão trágico. Mas seriam elas tão naturais assim?
Mais do que o clima ou o meio ambiente, “é a intervenção do homem que cria a catástrofe”, acredita o venezuelano Salvano Briceno, que dirige em Genebra a Estratégia Internacional de Redução de Desastres das Nações Unidas [United Nations International Strategy for Disaster Reduction - ISDR].
Há dez anos, essa agência faz parcerias com as agências da ONU, o Banco Mundial e organizações humanitárias, para que as estratégias de adaptação à mudança climática e de combate contra a pobreza integrem a prevenção das catástrofes. Com progressos muito lentos.
Le Monde: Que lição o sr. aprendeu com a situação no Paquistão?
Salvano Briceno: Tanto lá como em outros lugares, não são levados em conta os riscos naturais, vistos erroneamente como inevitáveis. Permitiram que as pessoas se instalassem às margens dos rios, nas planícies de inundação. Lugares onde os riscos eram bem conhecidos. É a principal causa da catástrofe. Não são os riscos naturais que matam as pessoas. Se a maior parte das vítimas morreu no norte, foi porque a guerra tornou a região vulnerável e fez muitos desabrigados.
Le Monde: Para o senhor, as catástrofes se devem antes de tudo a fatores humanos?
Briceno: O planejamento rural e a política de construção têm uma responsabilidade essencial na construção das catástrofes. Elas não são naturais. É a ação do homem que transforma o risco natural em desastre.
Na Rússia, a má gestão das florestas foi uma das principais causas dos incêndios que destruíram o país. Na China, o crescimento urbano descontrolado e o desmatamento favorecem os deslizamentos de terra. No Haiti, no dia 12 de janeiro, os habitantes de Porto Príncipe foram mortos por sua pobreza, não pelo terremoto. Um mês mais tarde, um terremoto semelhante atingiu o Chile, com muito menos mortos. A diferença foi a miséria, a urbanização dos terrenos de risco, a falta de normas de construção. Todos os anos, um mesmo furacão faz devastações mortais no Haiti, mas nenhuma vítima em Cuba ou na República Dominicana.
Le Monde: Como inverter a tendência?
Briceno: É preciso parar de considerar a catástrofe como um evento implacável, entender que são as condições de desenvolvimento econômico, social, urbano que criam o risco ou o reduzem. Como nem sempre se podem evitar os riscos naturais, isso significa que é preciso implantar uma estratégia de redução do risco, hoje amplamente inexistente, que substitua a atual política de gestão dos desastres. Por enquanto, só se sabe responder à crise: é muito mais simples. A resposta das equipes de resgate chinesas frente aos deslizamentos de terra mostra que a China é bem melhor para administrar as catástrofes do que para gerir os riscos.
O crescimento urbano deve ainda levar em conta o papel dos espaços naturais. É preciso reforçar os ecossistemas não somente para manter a biodiversidade, mas também por sua função de redução dos riscos, que ainda não é reconhecida. E se o crescimento das favelas ainda é inevitável em muitos países, os governos podem guiar os pobres para zonas menos vulneráveis.
Le Monde: Estamos na metade do percurso da década de ações para a prevenção dos desastres naturais adotada pela ONU em Hyogo, no Japão, em 2005. Houve progressos concretos?
Briceno: Estamos no meio do caminho da conscientização, mas bem no comecinho da implantação. Alguns países, como Bangladesh, fizeram coisas incríveis para diminuir a mortalidade durante os ciclones. Grupos de países como os da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) se comprometeram a incluir o Marco de Ação de Hyogo em sua legislação.
Existe uma conscientização do lado das grandes agências internacionais e dos financiadores, mas esses atores não enxergam com facilidade a longo prazo. Toda ajuda internacional é centrada no curto prazo. Ora, a educação, os sistemas de alerta, as regras de construção, isso se constrói a longo prazo.
Le Monde: A negociação sobre o clima pode mudar a situação?
Briceno: Sim. A questão da redução dos riscos de catástrofe foi incluída na negociação sobre o clima em 2007, no plano de ação de Bali. Ainda é uma das bases da negociação para a adaptação dos países pobres à mudança climática.
Quando finalmente chegarmos a um acordo internacional, será um grande avanço: o financiamento pelos países ricos dessas estratégias de adaptação liberará muitos recursos.
E para se adaptarem à mudança climática, os países vulneráveis deverão começar reduzindo os riscos associados às imprevisibilidades naturais. (EcoDebate)
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