segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O direito a decidir aquilo que comemos

Frequentemente quando se fala do impacto da crise alimentar e da dificuldade para acessar uma alimentação sã e saudável olhamos para os países do Sul. Na atualidade, 925 milhões de pessoas no mundo passam fome e estas se encontram, majoritariamente, nos países empobrecidos. Estas circunstancias ocorrem em um período onde se produzem mais alimentos que nunca na história, com um aumento de produção de 2% nos últimos vinte anos enquanto que a população cresce a um ritmo de 1,14%. Portanto, comida existe, mas a crescente mercantilização dos alimentos têm feito que o acesso às mesmas se converta em praticamente impossível para amplas parcelas da população. Entretanto, mais além do impacto dramático destas políticas agrícolas e alimentares na geração da fome no mundo, ha que assinalar, também, suas consequências no aumento das mudanças climáticas, a deslocalização alimentar, a crescente descampesinação do mundo rural, a perda de agro-diversidade, etc…, especialmente nos países do sul global, mas também aqui. Na Catalunha, por exemplo, somente 2,46% da população ativa se dedica a agricultura e esta porcentagem se reduz ano após ano, uma vez que se constata um envelhecimento progressivo do setor, já que o relevo geracional é muito escasso. Se calcular que a incorporação de jovens no campo é dez vezes inferior ao de sete anos atrás. Se em 2001, 478 jovens se somaram a atividade camponesa catalã; em 2008, somente o fizeram 49, segundo dados do sindicato Unió de Pagesos. O empobrecimento dos camponeses é uma realidade inegável. A renda agrária na Cataluña caiu desde 2001 em 43,7%, situando-se muito abaixo da renda geral. O encarecimento dos custos de produção e a baixa remuneração que os camponeses recebem por seus cultivos seriam algumas das causas principais que explicariam essa tendência. O sistema agro-industrial têm gerado uma progressiva desvinculação entre produção de alimentos e consumo, favorecendo a apropriação por parte de um punhado de empresas, que controlam cada um dos componentes da cadeia agroalimentar (sementes, fertilizantes, transformação, distribuição), com a consequente perda de autonomia dos camponeses. Para descrever a estrutura do atual modelo de distribuição de alimentos se costuma utilizar a metáfora do “ relógio de areia”, onde umas poucas empresas monopolizam o setor gerando um gargalo da garrafa que determina a relação entre produtores e consumidores. Na atualidade, o diferencial entre o preço pago na origem, ao camponês, e o que pagamos no supermercado se situa em torno de uns 500% em média, sendo a grande distribuição quem fica com o maior lucro. Por esse motivo, os diferentes sindicatos campesinos reclamam uma Lei de Margens comerciais e que lhes pague um preço digno por seus produtos. Frente a este modelo agrícola, desde metade dos anos 90, diferentes movimentos sociais vêm reivindicando o direito dos povos a soberania alimentar. Uma demanda que implica recuperar o controle das políticas agrícolas e alimentares, o direito a decidir sobre aquilo que comemos, que os bens naturais (água, terra, sementes…) estejam em mãos dos camponeses. Uma proposta que é baseada na solidariedade internacional e que não tem que se confundir com os discursos chauvinistas partidários do “primeiro o nosso”. Na Catalunha, esta soberania alimentar implica o acesso a terra de quem quer incorporar-se a atividade agrícola, apostar por um banco de terras, e denunciar a crescente especulação com o território. É urgente, como reivindica a plataforma Catalã Somos o que semeamos, uma moratória de cultivo de transgênicos e deixar bem claro que a coexistência é impossível. Catalunha e Aragão são as principais zonas da União Européia onde se cultivam transgênicos, inclusive variedades proibidas em outros países. Faz falta uma nova Política Agrária Comum (PAC), enquanto soberania alimentar, priorizando uma produção, uma distribuição e um consumo de proximidade, um modelo agrícola vinculado a agroecologia, investimentos e serviços públicos e de qualidade no mundo rural e uma legislação sanitária adequada para a transformação artesã e a comercialização local. Sem um entorno rural e camponês vivo, outro mundo e outro consumo não serão possíveis. Como diz a Via Campesina, hoje “comer se converteu em um ato político” (EcoDebate)

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