terça-feira, 5 de julho de 2011

Quando o Nilo secar

Um novo conflito desponta na África. Com a alta nos preços dos alimentos e a redução dos embarques de commodities pelos exportadores, os países que dependem de grãos importados estão entrando em pânico. Países ricos como Arábia Saudita, Coreia do Sul, China e Índia baixaram em planícies férteis do continente africano para adquirir enormes extensões de terra para produzir trigo, arroz e milho para o consumo em casa. Algumas aquisições de terras são imensas. A Coreia do Sul, que importa 70% dos cereais que consome, comprou 688 mil hectares do Sudão para cultivar trigo. Na Etiópia, uma empresa saudita arrendou quase 10 mil hectares para cultivar arroz. A Índia arrendou dezenas de milhares de hectares neste mesmo país africano para plantar milho, arroz e outras culturas. E em países como Congo e Zâmbia, a China compra terra para produzir biocombustíveis.
Estas apropriações de terras reduzem a oferta de alimentos em países africanos já propensos à fome e enfurecem os agricultores locais, que veem seus governos venderem suas terras ancestrais a estrangeiros. Elas também representam uma grave ameaça para a mais nova democracia na África: o Egito.
O Egito é um país de comedores de pão. Seus cidadãos consomem anualmente 18 milhões de toneladas de trigo, mais da metade das quais vêm de fora. O Egito é o maior importador mundial de trigo, e o trigo subsidiado - no qual o governo coloca US$ 2 bilhões anuais - é visto como um direito por 60% das famílias egípcias que dele dependem.
Enquanto o Egito tenta construir uma democracia funcional após a deposição do presidente Hosni Mubarak, as apropriações de terra ao sul colocam em risco sua capacidade de pôr o pão na mesa, pois todo grão consumido no Egito é importado ou produzido com água do Rio Nilo, que corre para o norte através de Etiópia e Sudão antes de atingir o Egito. Como a precipitação pluviométrica no Egito é de desprezível a inexistente, sua agricultura é totalmente dependente do Nilo.
Infelizmente para o Egito, dois dos alvos favoritos para aquisições de terra são Etiópia e Sudão, que juntos acomodam três quartos da Bacia do Rio Nilo. As demandas por água são tais que pouca coisa sobra do rio quando ele deságua no Mediterrâneo. O Acordo sobre as Águas do Nilo, que Egito e Sudão assinaram em 1959, concedeu 75% do fluxo do rio ao Egito, 25% ao Sudão e nada à Etiópia.
Esta situação está mudando na medida em que governos estrangeiros ricos e o agribusiness internacional se apoderam de grandes extensões de terras aráveis ao longo do Nilo Superior. Embora estes acordos sejam tipicamente descritos como aquisições de terras, são também, na verdade, aquisições de água.
Quando competir pela água do Nilo, o Cairo terá de lidar com vários governos e interesses comerciais que não faziam parte do acordo de 1959. Além disso, a Etiópia anunciou planos para construir uma enorme hidrelétrica em seu trecho do Nilo que reduziria ainda mais o fluxo de água para o Egito.
Desafio
Como o rendimento do trigo egípcio já está entre os mais altos do mundo, o país tem pouco potencial para aumentar sua produtividade agrícola. Com sua população de 81 milhões - projetada para alcançar 101 milhões até 2025 - encontrar água e alimento é um desafio.
Os apuros do Egito poderiam se tornar parte de um cenário maior e mais problemático. O Sudão, com 44 milhões de habitantes, e a Etiópia, com 83 milhões, estão crescendo ainda mais rapidamente, aumentando a necessidade de água para produzir comida. Projeções da ONU mostram que a população combinada desses três países aumentará dos 208 milhões atuais para 272 milhões até 2025 - e 360 milhões até 2050.
Evitar conflitos perigosos em torno da água requererá três iniciativas transnacionais. Primeira, os governos precisam fazer frente à ameaça populacional assegurando que todas as mulheres tenham acesso ao planejamento familiar e provendo educação para as moças da região. Segunda, os países precisam adotar tecnologias de irrigação mais eficientes e plantar culturas que consomem menos água.
Por último, pelo bem da paz e da cooperação futura para o desenvolvimento, os países da Bacia do Rio Nilo deveriam se unir na proibição das apropriações de terras por governos estrangeiros e empresas de agribusiness. Como não há precedentes para isso, a ajuda internacional para negociar essa proibição, semelhante ao papel do Banco Mundial na facilitação do Tratado de Águas do Indo de 1960, entre Índia e Paquistão, seria necessária.
Nenhuma destas iniciativas será fácil, mas todas são fundamentais. Sem elas, a elevação dos preços do trigo poderá solapar a revolução da esperança no Egito e a competição pela água do Nilo poderá se tornar mortífera. (OESP)

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