O consumo insustentável e os oceanos à beira de uma catástrofe
Nos últimos dez anos a
população de atuns vermelhos diminuiu 90%. Um atum de 150 quilos como este é
raridade. O mais nobre dos peixes foi dizimado. Só restam peixinhos ridículos.
E estão ameaçados.
O rápido esgotamento dos estoques
pesqueiros e a crescente degradação dos ecossistemas marinhos são temas que
muitas pessoas já ouviram falar, mas, definitivamente, não se importam ou não
se preocupam.
A acidificação dos oceanos, em
razão do aumento da concentração do CO2 atmosférico, o aquecimento global e as
mudanças climáticas ameaçam os ecossistemas marinhos e, diante da inação
global, esta ameaça é crescente.
Como se não bastasse, a
superexploração em razão do consumo insustentável, ameaçam os oceanos ainda
mais rapidamente do que o aumento da concentração do CO2 atmosférico.
O
relatório da FAO ‘The State of World Fisheries and Aquaculture 2012 ’ foi
bastante noticiado, inclusive no EcoDebate, mas a reação foi mínima, tanto no
Brasil como nos EUA e Europa.
Como em
outros temas relacionados à crise ambiental global, a maioria das pessoas
prefere manter-se alheia ao problema. Não questiono a opção consumista alienada
destas pessoas, mas tenho o direito de discutir que isto tem um ‘preço’, a ser
pago pelas próximas gerações, nossos filhos e netos.
Segundo o relatório, 30% dos peixes do mundo são superexplorados (e podem desaparecer) e outros
57% estão próximos do limite de extração sustentável.
O relatório da FAO reafirma que a
pesca comercial em grande escala já captura 80% de todas espécies oceânicas
além de sua capacidade máxima de reposição e que a sobrepesca continua a
crescer.
A redução dos ‘estoques’ oceânicos
vem sendo compensada pela piscicultura comercial, que, de acordo com o
relatório, já oferta 50% dos peixes consumidos em escala global. Em 2002 a
piscicultura respondia por 1/3 da oferta.
A tendência de crescimento da
piscicultura parece ser uma boa notícia, na medida em que, aparentemente,
reduzirá a pressão sobre os cardumes oceânicos. Parece, mas não é.
A piscicultura precisa alimentar os
peixes ao máximo, no menor tempo possível, para que atinjam tamanho e peso com
valor comercial. Para isto usam rações e óleos produzidos a partir de pequenas
espécies como sardinha. Estas pequenas espécies, que são de fundamental
importância na cadeia alimentar, também estão sob imensa pressão de sobrepesca
e a piscicultura é uma das razões.
As pequenas espécies, que,
aparentemente, tem pequeno valor comercial, são intensamente capturadas para
produção de rações. Um terço da
captura mundial de peixe é desperdiçado na produção de ração animal,
sendo que as rações preparadas a partir de peixes representam 37% (31,5 milhões
de toneladas) do total de peixes retirados dos oceanos a cada ano e 90 % das
capturas transformam-se em farinha e óleo de peixe. Em 2002, 46% de farinha de
peixe e óleo de peixe foram utilizadas como alimento para a aqüicultura
(piscicultura), 24% para alimentar porcos e 22% para a alimentação de aves.
Um terço do
que acaba nas redes de pesca é jogado fora – Três em cada 10 peixes
são mortos por engano e são jogados de volta na água. Todos os anos, 250 mil
tartarugas são mortas pelos ganchos destinados aos peixes-espada. Mais de 70%
dos estoques populacionais de peixes da Europa progressivamente são
empobrecidos pelo uso excessivo das redes.
Os peixes compõem uma fração
importante na nossa alimentação e seu consumo continua a aumentar em escala
maior do que o aumento da população humana. É um grande mercado, pouco regulado
e fiscalizado, que ainda não se preocupa com a sustentabilidade.
A indústria
pesqueira mundial viola o ‘Código de Conduta para a Pesca Responsável’ da ONU,
de acordo com um estudo que diz que nenhum país merece nota maior do que 6,0 em
gestão de pesca. Quatro das cinco nações que mais capturam peixes tiveram nota
abaixo de 5,0 num total de 10,0; Brasil ficou com conceito de 3,3
Quatro dos cinco países que mais
capturam peixes em áreas costeiras no mundo -China, Peru, Japão e Chile-
receberam nota abaixo de 5,0 num estudo que avaliou o grau de adesão da pesca
mundial a práticas pesqueiras sustentáveis. O levantamento, que analisou os 53
países que mais pescam no mundo (e respondem por 96% do que é retirado dos
oceanos), concluiu que todos têm gestão pesqueira reprovável.
Um estudo
recente afirmou que a pesca em pequena escala é a melhor esperança de uma pesca
sustentável, porque, em tese, a pesca em pequena escala já seria
suficiente para atender a demanda de recursos pesqueiros para alimentação
humana. Mas não conseguiria suprir a demanda para produção de rações para
alimentação animal.
Não é à toa que o bacalhau, em 20
anos, deixará de estar nas nossas mesas. Mas quem se importa com isto, desde
que esteja ‘presente’ no próximo almoço de páscoa.
Aliás, todas as 61 espécies
conhecidas de atum entraram para a lista de animais ameaçados de extinção. Mas,
novamente, e daí?
Estes são fatos amplamente
noticiados, mas, nem por isto, adquiriram importância no cotidiano da maioria
das pessoas.
No Brasil, o Censo da Vida Marinha divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) indica
que, das 1.209 espécies de peixes catalogadas na costa e nos estuários, 32 são
sobre-exploradas. O caso dos crustáceos é ainda pior: a sobrepesca afeta 10 de
27 espécies.
A indústria
pesqueira atual é insustentável, para não dizer irresponsável
Um novo componente de ameaça aos
ecossistemas marinhos vem do crescimento de consumo dos suplementos alimentares
a base de Ômega 3, m tipo específico de gordura encontrada mais frequentemente em peixes.
Uma parte da sobrepesca visa a
produção de óleos Ômega 3, mas a redução dos ‘estoques’ pesqueiros ameaçava o
crescimento vertiginoso do consumo deste óleo de peixes e a industria descobriu
uma nova fonte, o krill.
Mike Adams, editor do portal
NaturalNews, em interessante artigo [Questioning Krill Harvesting: Why
Krill Oil Isn't an Eco-Friendly or Sustainable Source of Marine Omega-3 Oils]
questiona a sustentabilidade da produção de óleos Omega a partir da captura de
krill.
O krill está na base da cadeia
alimentar oceânica e, de acordo com o artigo, a sua biomassa sofreu uma redução
de 80% nas últimas décadas. Ou seja, a indústria de óleos Ômega 3 encontrou uma
‘solução’ para a redução dos estoques pesqueiros que, ao longo do tempo, irá
reduzir ainda mais estes estoques.
Mas e daí? Os óleos Ômega 3 são
importantes para a saúde humana e quem se importa como foi produzido ou de onde
ele vem?
Reafirmo que não questiono as
opções de quem quer que seja, mas também reafirmo que temos a obrigação moral
de reconhecer os impactos sociais, econômicos e ambientais destas opções.
Graças ao consumo insustentável de
hoje, os que aqui estiverem em 2050 consumirão muito menos, simplemente porque
haverá muito menos que consumir.
E esta será uma das consequências
de nossas opções, inclusive de fazer de conta que os problemas não existem.
(EcoDebate)
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