Estudo
quantifica perda em unidades de conservação desde 1981; hidrelétricas
concentram redução nos últimos cinco anos.
O
Brasil perdeu mais de 45 mil km2 de áreas protegidas nos últimos 30
anos - uma área maior do que a do Estado de Rio de Janeiro - segundo
levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco. O
estudo, ainda não publicado em revista científica, contabilizou todos os eventos
de redução, desclassificação e reclassificação (RDR) em unidades de conservação
do País desde 1981.
Desmate
ilegal no Parque Nacional da Amazônia em Itaituba, no Pará
Os
dados cobrem um período de mais de 30 anos, mas é nos últimos 5 que a história
se complica, por conta, principalmente, das obras de infraestrutura do governo
federal na Amazônia ligadas ao setor elétrico. Quase 70% dos casos de RDR no
País ocorreram a partir de 2008. "O que era para ser uma exceção vai se
tornar a regra? Essa é a dúvida", diz o pesquisador Enrico Bernard, do
Departamento de Zoologia da universidade, que orientou o trabalho do estudante
de graduação Luan Amim (leia entrevista na página ao lado).
No
período todo, os pesquisadores registraram 48 eventos de RDR. Entre 1981 e
2000, houve apenas dois. Em 2001, ocorre um primeiro pico de oito eventos,
relacionados à aprovação da lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
da Natureza (Snuc), em julho de 2000. "Foram eventos de adequação à nova
lei", explica Bernard.
Em
2008, começa um novo pico. Só em 2010, último ano do governo Lula, houve 14
eventos de RDR. Nos dois primeiros anos da gestão de Dilma Rousseff, foram 10,
incluindo 8 eventos de redução em unidades de conservação federais e 2 de
reclassificação em unidades estaduais.
Eletricidade
O
setor mais associado a casos de RDR foi o de geração e transmissão de
eletricidade, principalmente na Amazônia. Segundo o estudo, ele foi o motivador
de 21 eventos (44% do total), incluindo 11 declassificações (em que unidades de
conservação deixaram de existir), 9 reduções e 1 reclassificação. "A maior
parte desses eventos ocorre a partir de 2010, com a publicação do plano de
energia do governo, que aponta a Amazônia como grande reservatório de energia
do Brasil", afirma Bernard.
Cerca
de 40% da Amazônia Brasileira já é "coberta" por unidades de
conservação e terras indígenas, segundo o último relatório da Rede Amazônica de
Informações Socioambientais Georreferenciadas (Raisg), divulgado no início
deste mês. Assim, à medida que aumenta a demanda por eletricidade e os projetos
de geração de energia se multiplicam, a briga por espaço entre áreas protegidas
e obras de infraestrutura tende a se agravar.
"Acho
que vamos ver com mais frequência e mais intensidade a alteração dos limites
legais de áreas protegidas na Amazônia", avalia Bernard.
Além
do setor elétrico, aparecem com destaque na lista de "motivadores" a
especulação imobiliária, com 7 eventos, e o agronegócio, com 5.
Há
apenas dois casos de "reclassificação positiva", em que áreas
protegidas tiveram seu status de proteção elevado para categorias mais rígidas
de conservação: o da Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) do Murici, em
Alagoas, que foi reclassificada como Estação Ecológica (Esec) em 2001; e o da
Área de Proteção Ambiental (APA) de Jericoacoara, no Ceará, que passou a Parque
Nacional em 2002.
O
estudo não levou em conta territórios indígenas, apenas unidades de conservação
estaduais e federais.
ACMbio
Roberto
Vizentin, presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), admite a existência de uma relação direta entre o aumento de ações de
RDR e as demandas do setor energético nos últimos anos. "Geralmente os
potenciais hidrelétricos se concentram na Amazônia, e boa parte passa por
unidades de conservação e terras indígenas", afirma Vizentin. "É uma
situação real que acaba obrigando o governo a tomar decisões. Não há como tapar
o sol com a peneira, é preciso fazer as opções."
Ele
garante, porém, que o crescente impacto observado no estudo refletiu o
crescimento no País desde a última década e não deverá ter um aumento
substancial nos próximos anos. "Entendo que a tendência é estabilizar o
número de ações em unidades de conservação. Uma coisa era o País há cinco ou
dez anos. O grosso da afetação está concluído", afirma Vizentin.
Segundo
o presidente do ICMBio, o órgão ainda teve de atender a demandas específicas do
governo, como a exclusão de áreas de pesquisa em mineração em algumas UCs.
Outro obstáculo, afirma, envolve questões burocráticas. "Não conseguimos
criar a Estação Ecológica de Maués (município a 276 quilômetros de Manaus), por
exemplo. Apesar de termos alinhado tudo na esfera federal, o governo do
Amazonas não aceitou as condições. Então, a coisa não é assim tão simples",
diz Vizentin.
A
estação, de Proteção Integral, foi sugerida pelo governo como compensação aos
danos ambientais causados pela construção de três usinas hidrelétricas que
serão implantadas no Rio Tapajós, no Pará.
"É
preciso conduzir os processos do PAC de tal maneira que se reduza as perdas de
biodiversidade. Temos tentado compensar estas perdas, indicando a criação de
outras áreas", afirma Vizentin. "O esforço é para mostrar que
modificar uma área nem sempre tem como resultado a perda biológica."
A
reportagem do Estado procurou os ministérios do Meio Ambiente e de Minas e
Energia, que optaram por não comentar o estudo da UFPE.
Sistema Nacional não resolveu
falta de plano de manejo
Criado
há 12 anos, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) não resolveu o
problema da falta de plano de manejo e zona de amortecimento em diversas
unidades no País. Especialistas da área jurídica afirmam que a lei federal,
mesmo com muitos avanços, não define responsabilidades sobre o entorno de
algumas áreas de proteção.
"O
problema ocorre principalmente com as unidades criadas antes da publicação do
Snuc, em 2000. É preciso que o Ministério Público Federal exija que os planos
de manejo sejam implementados", diz Luiz Fazzio, especialista em Meio
Ambiente e Sustentabilidade do escritório Braga Nascimento e Zilio. O advogado
cita o caso da Mata de Santa Genebra, área remanescente de Mata Atlântica em
Campinas. "É uma unidade criada pelo governo Sarney, em 1985, e
administrada pelo município. A indefinição ameaça a licença ambiental de todos
os empreendimentos num raio de 2 quilômetros, que inclui zona industrial",
diz Fazzio. (OESP)
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