segunda-feira, 5 de agosto de 2013

As políticas verdes corretas

“Na prática, é improvável que consigamos políticas puramente verdes para setores produtivos, com foco apenas no desenvolvimento e difusão de tecnologias verdes e sem considerações de competitividade, ganhos comerciais e crescimento no emprego. Objetivos indiretos, mas politicamente importantes, como empregos “verdes”, com muita probabilidade continuarão sendo uma plataforma mais atraente para promover políticas de apoio a setores produtivos do que tecnologias limpas ou energias alternativas”, escreve Dani Rodrik, professor de ciências sociais no Institute for Advanced Studies e autor de “The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy” (O paradoxo da globalização: democracia e o futuro da economia mundial, em inglês), em artigo publicado no jornal Valor, 15-07-2013.
Segundo ele, “do ponto de vista mundial, seria muito melhor se os receios quanto à competitividade nacional levassem a uma guerra de subsídios que expandisse a oferta de tecnologias limpas do que a uma guerra tarifária que a restringisse. Até agora, o que se vê é o primeiro caso, mas não há forma de determinar se essa tendência vai continuar nem por quanto tempo”.
Eis o artigo.
O futuro de nosso planeta depende de uma rápida transição da economia mundial para o crescimento “verde” – modos de produção baseados em tecnologias “limpas” que reduzam de forma significativa as emissões de dióxido de carbono e outros gases causadores do efeito estufa. Os créditos de carbono, no entanto, continuam muito mal precificados, em consequência de subsídios aos combustíveis fósseis e pela ausência da tributação necessária para enfrentar os efeitos das “externalidades globais” nas mudanças climáticas.
Nesse contexto, subsídios que promovam o desenvolvimento de tecnologias verdes – como a eólica, a solar, a bioenergética, a geotérmica, a de hidrogênio e a de células de tecnologia, entre outras – são duplamente importantes. Primeiro, porque incentivam pioneiros a investir em empreendimentos arriscados e incertos, que resultam em esforços de pesquisa e desenvolvimento com benefícios sociais de alto valor. Segundo, porque combatem os efeitos da má precificação do carbono nos rumos das mudanças tecnológicas.
Essas duas considerações dão motivos para que os governos promovam e apoiem tecnologias verdes. Esse apoio, de fato, tornou-se amplo, tanto nas economias emergentes como nas avançadas. Observando-se esses países, encontra-se uma série imensa de iniciativas governamentais voltadas a encorajar o uso de energias renováveis e a estimular investimentos em tecnologias verdes.
É bem provável que objetivos indiretos, mas importantes, como empregos “verdes”, continuarão sendo uma plataforma mais atraente para promover políticas de apoio a setores produtivos do que tecnologias limpas ou energias alternativas.
Embora alcançar-se um preço adequado para o carbono seja uma forma muito melhor de enfrentar as mudanças climáticas, a maioria dos governos aparentemente prefere recorrer a subsídios e regulamentações para aumentar a lucratividade dos investimentos em fontes de energia renovável. Muitas vezes, a motivação das autoridades parece ser ajudar os setores produtivos domésticos a concorrer internacionalmente.
Normalmente, consideraríamos essa motivação competitiva, em sua essência, como uma política de “empobrecer seu vizinho”. Questões de participação de mercado são de “soma zero” do ponto de vista global para setores produtivos tradicionais e quaisquer recursos investidos em gerar ganhos nacionais chegam à custa de perdas externas.
Mas, no contexto do crescimento verde, esforços nacionais para impulsionar setores produtivos domésticos verdes podem ser algo desejável para o mundo, mesmo se a motivação for comercial e provinciana. Quando repercussões em outros países agem contra a tributação do carbono e o subsídio ao desenvolvimento tecnológico em indústrias limpas, estimular as indústrias verdes por motivos competitivos é algo bom, não ruim.
Opositores de políticas nacionais para setores produtivos baseiam-se em dois argumentos. O primeiro é o de que os governos não têm as informações necessárias para escolher apropriadamente que setores ou firmas apoiar. O segundo: uma vez que governos começam a fomentar determinados segmentos, tornam-se vulneráveis à manipulação política e à busca de vantagens por firmas e lobistas com boas conexões. Nos Estados Unidos, a recuperação judicial em 2011 da Solyndra – uma fabricante de células solares que quebrou depois de ter recebido mais de meio bilhão de dólares em garantias de empréstimos do governo – ilustra as duas falhas.
Na realidade, o primeiro desses argumentos – a falta de onisciência – é em grande parte irrelevante, enquanto o problema da busca de vantagens via conexões políticas pode ser superado por meio de uma estrutura institucional adequada. Boas políticas nacionais para setores produtivos não dependem da capacidade do governo de escolher firmas que vão ser bem-sucedidas; fracassos são parte necessária e inevitável de um programa bem elaborado.
Embora seja cedo demais para chegar a um veredicto conclusivo sobre o programa de garantias de crédito dos EUA, está claro que o caso da Solyndra não pode ser avaliado sem levar em conta os muitos sucessos que o programa gerou. A Tesla Motors, que recebeu uma garantia de crédito de US$ 465 milhões em 2009, viu suas ações decolarem e pagou o empréstimo antecipadamente. Uma avaliação dos programas de eficiência do Departamento de Energia dos EUA (1) concluiu que os benefícios líquidos somaram US$ 30 bilhões – um retorno excelente para um investimento em torno a US$ 7 bilhões (em dólares de 1999) ao longo de 22 anos. Curiosamente, boa parte do impacto positivo resultou de três projetos relativamente modestos no setor de construção.
Políticas inteligentes requerem mecanismos que reconheçam erros e revisem estratégias de forma correspondente. Objetivos claros, metas mensuráveis, monitoramento atento, avaliação adequada, regras bem elaboradas e profissionalismo são salvaguardas institucionais úteis. Mesmo com sua adoção sendo algo difícil, essas salvaguardas constituem uma tarefa bem menos complicada do que a de escolher projetos que venham a ser bem-sucedidos. Além disso, uma política explícita de fomento a setores produtivos – conduzida de forma consciente e que leve em conta possíveis armadilhas – tem mais probabilidade de superar as barreiras políticas e de informação usuais do que uma que seja adotada sub-repticiamente, como muitas vezes é o caso.
Políticas verdes para setores produtivos não são nocivas quando as estratégias nacionais assumem a forma de subsídio aos setores domésticos, mas quando tributam setores verdes estrangeiros ou restringem seu acesso ao mercado. O caso dos painéis solares serve de alerta. As disputas comerciais entre China, por um lado, e os EUA e Europa, por outro, vêm atraindo bastante atenção. Por sorte, trata-se de uma exceção e não da regra em termos de políticas nacionais verdes. Até agora, restrições comerciais desempenharam um papel relativamente pequeno em relação aos subsídios para setores domésticos.
Na prática, é improvável que consigamos políticas puramente verdes para setores produtivos, com foco apenas no desenvolvimento e difusão de tecnologias verdes e sem considerações de competitividade, ganhos comerciais e crescimento no emprego. Objetivos indiretos, mas politicamente importantes, como empregos “verdes”, com muita probabilidade continuarão sendo uma plataforma mais atraente para promover políticas de apoio a setores produtivos do que tecnologias limpas ou energias alternativas.
Do ponto de vista mundial, seria muito melhor se os receios quanto à competitividade nacional levassem a uma guerra de subsídios que expandisse a oferta de tecnologias limpas do que a uma guerra tarifária que a restringisse. Até agora, o que se vê é o primeiro caso, mas não há forma de determinar se essa tendência vai continuar nem por quanto tempo. (EcoDebate)

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