“Na prática, é
improvável que consigamos políticas puramente verdes para setores produtivos,
com foco apenas no desenvolvimento e difusão de tecnologias verdes e sem
considerações de competitividade, ganhos comerciais e crescimento no emprego.
Objetivos indiretos, mas politicamente importantes, como empregos “verdes”, com
muita probabilidade continuarão sendo uma plataforma mais atraente para
promover políticas de apoio a setores produtivos do que tecnologias limpas ou
energias alternativas”, escreve Dani Rodrik, professor de ciências sociais no
Institute for Advanced Studies e autor de “The Globalization Paradox: Democracy
and the Future of the World Economy” (O paradoxo da globalização: democracia e
o futuro da economia mundial, em inglês), em artigo publicado no jornal Valor,
15-07-2013.
Segundo ele, “do
ponto de vista mundial, seria muito melhor se os receios quanto à competitividade
nacional levassem a uma guerra de subsídios que expandisse a oferta de
tecnologias limpas do que a uma guerra tarifária que a restringisse. Até agora,
o que se vê é o primeiro caso, mas não há forma de determinar se essa tendência
vai continuar nem por quanto tempo”.
Eis o artigo.
O futuro de nosso
planeta depende de uma rápida transição da economia mundial para o crescimento
“verde” – modos de produção baseados em tecnologias “limpas” que reduzam de
forma significativa as emissões de dióxido de carbono e outros gases causadores
do efeito estufa. Os créditos de carbono, no entanto, continuam muito mal
precificados, em consequência de subsídios aos combustíveis fósseis e pela
ausência da tributação necessária para enfrentar os efeitos das “externalidades
globais” nas mudanças climáticas.
Nesse contexto,
subsídios que promovam o desenvolvimento de tecnologias verdes – como a eólica,
a solar, a bioenergética, a geotérmica, a de hidrogênio e a de células de
tecnologia, entre outras – são duplamente importantes. Primeiro, porque
incentivam pioneiros a investir em empreendimentos arriscados e incertos, que
resultam em esforços de pesquisa e desenvolvimento com benefícios sociais de
alto valor. Segundo, porque combatem os efeitos da má precificação do carbono nos
rumos das mudanças tecnológicas.
Essas duas
considerações dão motivos para que os governos promovam e apoiem tecnologias
verdes. Esse apoio, de fato, tornou-se amplo, tanto nas economias emergentes
como nas avançadas. Observando-se esses países, encontra-se uma série imensa de
iniciativas governamentais voltadas a encorajar o uso de energias renováveis e
a estimular investimentos em tecnologias verdes.
É bem provável que
objetivos indiretos, mas importantes, como empregos “verdes”, continuarão sendo
uma plataforma mais atraente para promover políticas de apoio a setores
produtivos do que tecnologias limpas ou energias alternativas.
Embora alcançar-se um
preço adequado para o carbono seja uma forma muito melhor de enfrentar as
mudanças climáticas, a maioria dos governos aparentemente prefere recorrer a
subsídios e regulamentações para aumentar a lucratividade dos investimentos em
fontes de energia renovável. Muitas vezes, a motivação das autoridades parece
ser ajudar os setores produtivos domésticos a concorrer internacionalmente.
Normalmente,
consideraríamos essa motivação competitiva, em sua essência, como uma política
de “empobrecer seu vizinho”. Questões de participação de mercado são de “soma
zero” do ponto de vista global para setores produtivos tradicionais e quaisquer
recursos investidos em gerar ganhos nacionais chegam à custa de perdas
externas.
Mas, no contexto do
crescimento verde, esforços nacionais para impulsionar setores produtivos
domésticos verdes podem ser algo desejável para o mundo, mesmo se a motivação
for comercial e provinciana. Quando repercussões em outros países agem contra a
tributação do carbono e o subsídio ao desenvolvimento tecnológico em indústrias
limpas, estimular as indústrias verdes por motivos competitivos é algo bom, não
ruim.
Opositores de
políticas nacionais para setores produtivos baseiam-se em dois argumentos. O
primeiro é o de que os governos não têm as informações necessárias para
escolher apropriadamente que setores ou firmas apoiar. O segundo: uma vez que
governos começam a fomentar determinados segmentos, tornam-se vulneráveis à
manipulação política e à busca de vantagens por firmas e lobistas com boas
conexões. Nos Estados Unidos, a recuperação judicial em 2011 da Solyndra – uma
fabricante de células solares que quebrou depois de ter recebido mais de meio
bilhão de dólares em garantias de empréstimos do governo – ilustra as duas
falhas.
Na realidade, o
primeiro desses argumentos – a falta de onisciência – é em grande parte
irrelevante, enquanto o problema da busca de vantagens via conexões políticas
pode ser superado por meio de uma estrutura institucional adequada. Boas
políticas nacionais para setores produtivos não dependem da capacidade do
governo de escolher firmas que vão ser bem-sucedidas; fracassos são parte
necessária e inevitável de um programa bem elaborado.
Embora seja cedo
demais para chegar a um veredicto conclusivo sobre o programa de garantias de
crédito dos EUA, está claro que o caso da Solyndra não pode ser avaliado sem
levar em conta os muitos sucessos que o programa gerou. A Tesla Motors, que
recebeu uma garantia de crédito de US$ 465 milhões em 2009, viu suas ações
decolarem e pagou o empréstimo antecipadamente. Uma avaliação dos programas de
eficiência do Departamento de Energia dos EUA (1) concluiu que os benefícios
líquidos somaram US$ 30 bilhões – um retorno excelente para um investimento em
torno a US$ 7 bilhões (em dólares de 1999) ao longo de 22 anos. Curiosamente,
boa parte do impacto positivo resultou de três projetos relativamente modestos
no setor de construção.
Políticas
inteligentes requerem mecanismos que reconheçam erros e revisem estratégias de
forma correspondente. Objetivos claros, metas mensuráveis, monitoramento
atento, avaliação adequada, regras bem elaboradas e profissionalismo são
salvaguardas institucionais úteis. Mesmo com sua adoção sendo algo difícil,
essas salvaguardas constituem uma tarefa bem menos complicada do que a de
escolher projetos que venham a ser bem-sucedidos. Além disso, uma política
explícita de fomento a setores produtivos – conduzida de forma consciente e que
leve em conta possíveis armadilhas – tem mais probabilidade de superar as
barreiras políticas e de informação usuais do que uma que seja adotada
sub-repticiamente, como muitas vezes é o caso.
Políticas verdes para
setores produtivos não são nocivas quando as estratégias nacionais assumem a
forma de subsídio aos setores domésticos, mas quando tributam setores verdes
estrangeiros ou restringem seu acesso ao mercado. O caso dos painéis solares
serve de alerta. As disputas comerciais entre China, por um lado, e os EUA e
Europa, por outro, vêm atraindo bastante atenção. Por sorte, trata-se de uma
exceção e não da regra em termos de políticas nacionais verdes. Até agora,
restrições comerciais desempenharam um papel relativamente pequeno em relação
aos subsídios para setores domésticos.
Na prática, é
improvável que consigamos políticas puramente verdes para setores produtivos,
com foco apenas no desenvolvimento e difusão de tecnologias verdes e sem
considerações de competitividade, ganhos comerciais e crescimento no emprego.
Objetivos indiretos, mas politicamente importantes, como empregos “verdes”, com
muita probabilidade continuarão sendo uma plataforma mais atraente para
promover políticas de apoio a setores produtivos do que tecnologias limpas ou
energias alternativas.
Do ponto de vista
mundial, seria muito melhor se os receios quanto à competitividade nacional
levassem a uma guerra de subsídios que expandisse a oferta de tecnologias
limpas do que a uma guerra tarifária que a restringisse. Até agora, o que se vê
é o primeiro caso, mas não há forma de determinar se essa tendência vai
continuar nem por quanto tempo. (EcoDebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário