‘O capitalismo sustentável é uma contradição em seus termos’
Crítico feroz do
neoliberalismo, de seus ícones e verdades, de suas políticas de “crescimento”
que destroem a natureza, do consumo que empobrece as vidas, do Estado que as
administra (não sem constrangimentos) e da esquerda (conservadora e
antropocêntrica). “A felicidade, diz, tem muitos outros caminhos”.
Enquanto esperamos
que a Tinta Limóm Ediciones termine a edição (mais ou menos alterada) do livro
de entrevistas com Eduardo Viveiros de Castro, o sítio Lobo Suelto!
convida à leitura da última – muito transcendental – conversa com o
antropólogo brasileiro.
Qual é a sua
percepção acerca da participação política da sociedade brasileira?
Prefiro começar com
uma “des-generalização”: vejo a sociedade brasileira profundamente dividida em
relação à visão sobre o país e seu futuro. A ideia de que existe “um” Brasil –
no sentido de que as ideias de “unidade” e “brasilidade” não são triviais –
parece uma ilusão politicamente conveniente (para os setores dominantes), mas
antropologicamente equivocada. Há, pelo menos, dois ou muito mais “Brasis”.
O conceito
geopolítico de estado-nação unificado não é descritivo, mas normativo. Há
rachaduras profundas na sociedade brasileira. Há setores da população com uma
vocação conservadora enorme, que não necessariamente compreendem uma classe
específica, apesar de que as chamadas “classes médias”, ascendentes ou
descendentes, estão bem representadas aqui. Grande parte da chamada “sociedade
brasileira” – temo que seja a maioria – se sentiria muito satisfeita com um
regime autoritário, especialmente se conduzido midiaticamente por uma
autoridade paternal de personalidade forte. Mas, esta é uma das coisas que a
minoria liberal que existe no país – e, inclusive, é uma certa minoria
“progressista” – prefere manter-se envolta em um silêncio constrangedor.
Repete-se o tempo todo, e para qualquer propósito, que o povo brasileiro é
democrático, “cordial” e amante da liberdade e da fraternidade, o que é uma
ilusão muito perigosa.
É assim que vejo a
“participação política do povo brasileiro”: como a de um povo fragmentado, dividido,
polarizado. Uma polarização que não necessariamente condiz com as divisões
políticas (partidos oficiais etc.). O Brasil segue como uma sociedade
visceralmente escravocrata, obstinadamente racista e moralmente covarde.
Enquanto não nos darmos conta deste inconsciente, não iremos “em frente”.
Em outras ocasiões,
fui claro: insurreições esporádicas e uma certa indiferença pragmática em
relação aos poderes constituídos, é o que se evidência entre os mais pobres –
ou os mais alheios ao drama montado pelos setores de cima, na escala social –
que inspiram modestas utopias e moderado otimismo por parte daqueles que a
história situou na confortável posição de “pensar o Brasil”. Nós, em suma.
O que é
necessário para mudar isto?
Falar, resistir,
insistir, olhar além do imediato. E, obviamente, educar. Mas, não “educar o
povo” (como se a elite fosse muito educada e devesse – ou pudesse – conduzir o
povo até um nível intelectual superior), mas criar as condições para que as
pessoas se eduquem e acabem educando a elite – e, quem sabe, inclusive, se
livrem dela.
O panorama da
educação do Brasil é, hoje, o de um deserto. Um deserto! E não vejo nenhuma
iniciativa consistente para tentar cultivar neste deserto. Pelo contrário,
tenho pesadelos de conspirações, em que sonho que os projetos de poder não se
interessam realmente em modificar o panorama da educação do Brasil: domesticar
a força de trabalho – se é isto que está se tentando (ou planejando) – não é,
de nenhuma maneira, o mesmo que educar.
Isto é apenas um
pesadelo, obviamente: não é assim, não pode ser assim… Espero que não seja
assim. Mas o fato é que não se vê uma iniciativa para mudar a situação.
Considerando a espetacular abertura de dezenas de universidades sem a mínima
infraestrutura física (para não falar de boas bibliotecas, um luxo quase
impensável no Brasil), enquanto a escola secundária segue muito deficitária,
com professores que ganham uma miséria, com as greves dos professores
universitários reprimidas, como se fossem ladrões. A “falta” de educação – que
é uma forma de instrução muito particular e perversa, imposta de cima para
baixo – é talvez o principal fator responsável pelo conservadorismo reacionário
de grande parte da sociedade brasileira. Por fim, é urgente uma reforma radical
da educação brasileira.
Em “A floresta e a
escola”, Oswald de Andrade sonhava. Infelizmente, parece que já deixamos de ter
uma e ainda não temos a outra. Pois sem escola, já não cresce a floresta.
Por onde se
começa a reforma da educação?
Começa-se de baixo, é
claro, a partir da escola primária. A educação pública deveria ter uma política
unificada, orientada a partir de uma – com perdão da expressão – “revolução
cultural”. Ela não será alcançada através da redistribuição da renda (ou
melhor, com o aumento da quantidade de migalhas que caem da mesa dos ricos)
apenas para comprar um televisor e para assistir ao BBB, e ver a mesma merda.
Não é assim que se redistribui a cultura, a educação, a ciência e a sabedoria.
Deve-se oferecer ao povo as condições de fazer cultura ao invés de consumir
aquela produzida “para” eles.
Está havendo uma
melhora nos níveis de vida dos mais pobres, e talvez também nos da velha classe
média. Uma melhora que vai durar todo o tempo em que a China continuar
comprando do Brasil ao invés de comprar da África. Mas, apesar da melhora no
chamado “nível de vida”, não vejo nenhuma melhora real na qualidade de vida, na
vida cultural ou espiritual, se me permite usar essa palavra arcaica. Pelo
contrário. Será que é necessário destruir as forças vivas, naturais e culturais
das pessoas, do povo brasileiro de instrução, para construir uma sociedade
economicamente mais justa? Duvido.
Neste
cenário, atualmente, quais são os temas capazes de mobilizar a sociedade
brasileira?
Vejo a “sociedade
brasileira” magnetizada – ao menos em termos de sua autorrepresentação
normativa, por parte dos meios de comunicação – por um patriotismo oco, uma
espécie de besta orgulhosa, deslumbrados pela certeza de que, de uma vez por
todas, o mundo se inclinou frente ao Brasil. Copa do Mundo, Jogos Olímpicos.
Não vejo mobilização acerca de temas urgentíssimos, como poderiam ser o da
educação e da redefinição da nossa relação com a terra, quer dizer, com o que
há debaixo do território. Natureza e cultura, enfim, que agora se encontram,
não apenas, mediadas, midiatizadas, pelo mercado, mas mediocrizadas por ele. O
Estado se uniu ao Mercado contra a natureza e a cultura.
E estas
questões não mobilizam?
Existe certa
preocupação da opinião pública por questões ambientais, um pouco mais do que em
relação às questões da educação, o que não deixa de ser algo para se lamentar,
pois as duas vão juntas. Contudo, tudo me parece “too little, too late”:
muito pouco e muito tarde. Está se demorando tempo demais para difundir a
consciência ambiental. Uma conscientização que o planeta requer, com absoluta
urgência, de todos nós. E esta inércia se traduz na escassa pressão sobre os
governos, corporações e empresas que apenas investem nesse conto chinês do
“capitalismo verde”. Em particular, evidencia-se muito pouca pressão sobre as
grandes empresas, sempre distraídas e incompetentes quando se trata do problema
da mudança climática.
Não se vê a sociedade
realmente mobilizada, por exemplo, por Belo Monte, uma monstruosidade provada e
comprovada, mas que conta com o apoio desinformado (é o que se deduz) de uma
parte significativa da população do sul e do sudeste, para onde irá a maior
parte da energia que não for vendida – a um preço extremamente barato – para
multinacionais de alumínio fazerem latas de saquê – no baixo Amazonas – para o
mercado asiático.
Necessitamos de um
discurso político mais agressivo em relação às questões ambientais. É
necessário, sobretudo, falar com as pessoas, chamar a atenção a respeito de que
o saneamento básico é um problema ambiental, de que a dengue é um problema
ambiental. Não se pode separar a dengue do desmatamento e do saneamento.
Temos que convencer aos mais pobres de que melhorar as condições ambientais é
assegurar as condições de existência das pessoas.
No entanto, a
esquerda tradicional, como está sendo demonstrado, apresenta-se completamente
inútil para articular um discurso sobre os temas ambientais. Quando suas
cabeças mais pensantes falam, parece haver a sensação de estar “indo para
trás”, tratando desastradamente de capturar e de reduzir um tema novo ao já
conhecido, um problema muito real que não está em seu DNA ideológico e
filosófico. Mesmo quando a esquerda não se alinha com o insustentável projeto
“ecocida” do capitalismo, revela sua origem comum a este, com as névoas e obscuridades
da metafísica antropocêntrica do cristianismo.
Enquanto continuarmos
sustentando que melhorar a vida das pessoas é lhes dar mais dinheiro para
comprar uma televisão, ao invés de melhorar o saneamento, abastecimento de
água, saúde e educação primária, nada mudará. Escuta-se o governo dizer que a
solução é consumir mais, mas não se percebe a menor ênfase para abordar estes
aspectos literalmente fundamentais da vida humana nas condições do presente
século.
Isto não significa,
obviamente, que os mais favorecidos pensem melhor e que possam ver além dos
mais pobres. Não há nada mais estúpido que estas Land Rovers que vemos em São
Paulo ou no Rio de Janeiro, andando com adesivos do Greenpeace, de slogans
ecológicos, coladas no para-brisa. As pessoas vão às ruas nestes 4×4 e bebem um
diesel venenoso… Gente que pensa que o contato com a natureza é fazer um Rally
no Pantanal.
É uma questão
difícil: falta educação básica, falta o compromisso dos meios de comunicação,
falta agressividade política no tratamento da questão do meio ambiente.
E sempre que se pensa
que existe um problema ambiental, algo que está longe de ser o caso dos
governantes atuais, estes mostram, ao contrário, e, por exemplo, a preocupação
em formar jovens que possam manobrar com segurança e, ao mesmo tempo, mantém
firme sua aposta no transporte individual, em carros, em uma cidade como São
Paulo, em que já não cabe nem uma agulha. Um governo que não se cansa de se
orgulhar pela quantidade de carros produzidos por ano. É absurdo utilizar os números
da produção de veículos como um indicador de prosperidade econômica. Essa é uma
proposta podre, uma visão estreita e uma proposta muito empobrecedora para o
país.
Você está
dizendo que os apelos ao consumo vêm do próprio governo, mas também há um apelo
muito forte procedente do mercado. Como avalia isto?
O Brasil é um país
capitalista periférico. O capitalismo industrial-financeiro é visto por quase
todo o mundo como uma evidência palpável, o modo inevitável em que se vive no
mundo atual. Diferentemente de alguns companheiros de caminhada, eu entendo que
o capitalismo sustentável é uma contradição em seus termos. E que nossa atual
forma de vida econômica é realmente evitável. Então, simplesmente, nossa forma
de vida biológica (quer dizer, a espécie humana) não será mais necessária e a
Terra irá favorecer outras alternativas.
As ideias de
crescimento negativo, ou de objeção ao crescimento, ou a ética da suficiência
são incompatíveis com a lógica do capital. O capitalismo depende do crescimento
contínuo. A ideia de manter certo nível de equilíbrio em relação ao intercâmbio
de energia com a natureza não se ajusta na matriz econômica do capitalismo.
Este impasse,
gostemos ou não, será “resolvido” pelas condições termodinâmicas do planeta em
um período muito mais curto do que pensávamos. As pessoas fingem não saber o
que está se passando, preferem não pensar nisso, mas o fato é que temos que nos
preparar para o pior. E o Brasil, pelo contrário, sempre se prepara para o
melhor. Este otimismo nacional frente a uma situação planetária é extremamente
preocupante, assim como perigoso… E a aposta de que vamos bem dentro do
capitalismo é um tanto ingênua, se não desesperada…
O Brasil segue como
um país periférico, uma plantação “high tech” que abastece com matérias-primas
o capitalismo central. Vivemos de exportar nossa terra e nossa água em forma de
soja, açúcar, carne bovina, para os países industrializados: são estes quem têm
a última palavra, os que controlam o mercado. Estamos bem neste momento, mas de
modo nenhum em condições de controlar a economia mundial. Se a coisa muda um
pouco para um lado ou para o outro, o Brasil simplesmente pode perder esse
lugar no qual se encontra hoje. Para não mencionar, claro, o fato de que
estamos vivendo uma crise econômica mundial que se tornou explosiva em 2008,
que está longe de terminar e que ninguém sabe aonde irá parar. O Brasil, neste
momento de crise, é uma espécie de contracorrente do tsunami, mas quando a onda
quebrar vai molhar muita gente. Deve-se falar sobre estas coisas.
E como você
avalia a macropolítica em relação a esta realidade, as políticas
macroeconômicas, com as realidades rurais do Brasil, os indígenas ribeirinhos?
O projeto de Brasil,
que tem a atual coalizão do governo sob o mando do Partido dos Trabalhadores
(PT), considera os ribeirinhos, os indígenas, os campesinos, os quilombolas
como pessoas com atraso, um atraso sociocultural, e que devem ser conduzida
para outro estado. Esta é uma concepção tragicamente equivocada. O PT é
visceralmente paulista, o projeto é uma “paulistização” do Brasil. Transformar
o interior do país em um país de fantasia: muita festa de peão de vaqueiro,
caminhonetes 4×4, muita música country, botas, chapéus, rodeios, touros,
eucaliptos, gaúchos. E do outro lado, cidades gigantescas e impossíveis como
São Paulo.
O PT vê a Amazônia
brasileira como um lugar para civilizar, para domar, para obter benefícios
econômicos, para capitalizar. Em uma lamentável continuidade entre a
geopolítica da ditadura e a do governo atual, este é o velho “bandeirantismo”
que hoje faz parte do projeto nacional. Mudaram as condições políticas formais,
mas a imagem do que é ou deveria ser a civilização brasileira, daquilo que é
uma vida digna de ser vivida, do que é uma sociedade que está em sintonia
consigo mesmo, é muito, muito similar.
Estamos vendo hoje
uma ironia muito dialética: o governo, liderado por uma pessoa perseguida e
torturada pela ditadura, realizando um projeto de sociedade que foi adotado e
implementado por esta mesma ditadura: a destruição da Amazônia, a mecanização,
a “transgenização” e a “agrotoxicação” da agricultura, migração induzida pelas
cidades.
E por detrás de tudo
isso, certa ideia de Brasil que se vê, no início do século XXI, como se devesse
ser, ou como se fosse, o que os Estados Unidos eram no século XX. A imagem que
o Brasil tem de si mesmo é, em vários aspectos, aquela projetada pelos Estados
Unidos nos filmes de Hollywood nos anos 50: muitos carros, muitas autopistas,
muitas geladeiras, muitas televisões, todo mundo feliz. Quem pagou por tudo
isso? Entre outros, nós. Quem irá nos pagar agora? A África, outra vez? Haiti?
Bolívia? Para não falar da massa de infelicidade bruta gerada por esta forma de
vida (e de quem se enriquece com isto).
Isto é o que vejo com
tristeza: cinco séculos de maldade continuam aí. Sarney é um capitão hereditário,
como os que vieram de Portugal para saquear e devastar a terra dos índios.
Nosso governo “de esquerda” governa com a permissão da oligarquia e necessita
destes capangas para governar. Pode-se fazer várias coisas, desde que a melhor
parte fique com ela. Toda vez que o governo ensaia uma medida que a ameaça, o
Congresso – que sabemos como é eleito –, a imprensa bombardeia, o PMDB sabota.
Há uma série de becos
para os quais eu não vejo saída ou que não têm saída no jogo da política
tradicional, com suas regras. Vejo um caminho possível pelo lado do movimento
social – que hoje está desmobilizado. Mas, se não for pelo lado do movimento
social, seguiremos vivendo neste paraíso subjetivo de que um dia tudo vai ficar
bem. O Brasil é um país dominado politicamente pelos grandes proprietários de
terra e grandes empreiteiros que jamais sofreram uma reforma agrária e ainda
dizem que atualmente não é mais necessário fazê-la.
Acredita que
as coisas começarão a mudar quando chegarmos a um limite?
É provável que a
crise econômica mundial afete ao Brasil em algum momento próximo. Contudo, o
que vai ocorrer, com certeza, é que o mundo vai passar por uma transição
ecológica, climática e demográfica muito intensa durante os próximos 50 anos,
com epidemias, fome, secas, catástrofes, guerras, invasões. Estamos vendo como
as condições climáticas mudaram muito mais rápido do que pensávamos. E há
grandes possibilidades de desastres, de perdas de colheitas, de crises
alimentares. Neste meio tempo, hoje em dia, o Brasil até se beneficia, mas um
dia a fatura irá chegar. Climatologistas, geofísicos, biólogos e ecologistas
são profundamente pessimistas sobre o ritmo, as causas e consequências da
transformação das condições ambientais em que se desenvolve a vida atual da
espécie. Por que deveríamos ser otimistas?
Acredito que se deve
insistir que é possível ser feliz sem ficar hipnotizado por este frenesi de
consumo que os meios de comunicação impõem. Não sou contrário ao crescimento
econômico no Brasil, não sou tão estúpido para pensar que tudo se resolveria
mediante a distribuição do dinheiro de Eike Batista entre os agricultores do
nordeste semiárido ou cortando os subsídios à classe política-mafiosa que
governa o país. Não que não seja uma boa ideia. Sou contrário, isto sim, ao
crescimento da “economia” do mundo, e sou a favor de uma redistribuição das
taxas de crescimento. E também sou, obviamente, a favor de que todos possam
comprar uma geladeira e, por que não, uma televisão. Sou a favor de uma maior
utilização das tecnologias solar e eólica. E estaria encantado em deixar de
dirigir o carro, se pudéssemos trocar este meio de transporte absurdo por
soluções mais inteligentes.
E como vê os
jovens neste contexto?
É muito difícil falar
de uma geração a qual não se pertence. Nos anos 1960, tínhamos ideias confusas,
mas ideais claros: pensávamos que poderíamos mudar o mundo e imaginávamos que
tipo de mundo queríamos. Acredito que, em geral, os horizontes utópicos têm
retrocedido enormemente.
Algum
movimento recente no Brasil ou no mundo chamou a sua atenção?
No Brasil, a
aceleração difusa do que poderíamos chamar de uma cultura “agro-sulista”, tanto
da direita quanto da esquerda, pelo interior do país. Vejo isto como a
consumação do projeto de branqueamento da nacionalidade, deste modo muito peculiar
da elite governante no poder acertar as contas com seu próprio passado
(passado?) escravista.
Outra mudança
importante é a consolidação de uma cultura popular vinculada ao movimento
evangélico popular. O evangelismo da Igreja Universal do Reino de Deus associa,
por certo, a religião ao consumo.
O como você
vê o surgimento das redes sociais, nesse contexto?
Essa é uma das poucas
coisas a respeito das quais sou muito otimista: o relativo e progressivo
enfraquecimento do controle total dos meios de comunicação de cinco ou seis
conglomerados midiáticos. Esse enfraquecimento está muito vinculado à
proliferação das redes sociais, que são grande novidade na sociedade brasileira
e que estão contribuindo para que circule um tipo de informação que não tinha lugar
na imprensa oficial. E estão habilitando formas, antes impossíveis, de
mobilização. Há movimentos inteiramente produzidos pelas redes sociais, como a
marcha contra a homofobia, o churrasco da “gente diferenciada”, os diversos
movimentos contra Belo Monte, a mobilização pelas florestas.
As redes são nossa
saída de emergência frente à aliança mortal entre o governo e os meios de
comunicação. São um fator de desestabilização – no melhor sentido da palavra –
do poder dominante. Se puder ocorrer alguma mudança importante na cena
política, acredito que será através da mobilização pelas redes sociais.
E por isso se
intensificam as tentativas de controlar estas redes, em todo o mundo, por parte
do poder constituído. Contudo, controlar o acesso é um instrumento vergonhoso,
como o caso do “projeto” da banda larga brasileira, que parte do reconhecimento
de que o serviço será de baixa qualidade. Uma decisão tecnológica e política
antidemocrática e antipopular, equivalente ao que se faz com a educação:
impedir que a população tenha acesso pleno à circulação das produções
culturais.
Parece, às vezes, que
haveria uma conspiração para evitar que os brasileiros tenham uma boa educação
e um acesso à Internet de qualidade. Essas duas coisas andam de mãos dadas e
têm o mesmo efeito, que é o aumento da inteligência social que, diga-se de
passagem, é necessário vigiar com muito cuidado.
Você imagina
um novo modelo político?
Um amigo que
trabalhava no Ministério do Meio Ambiente, na época de Marina Silva,
criticava-me dizendo que meu discurso, feito à distância do Estado,
era romântico e absurdo, que tínhamos que tomar o poder. Eu respondia que, se
tomássemos o poder, tínhamos que, sobretudo, saber como mantê-lo depois, pois
aí é que a coisa se complica. Não tenho um desenho, um projeto político para o
Brasil, eu não pretendo saber o que é melhor para o povo brasileiro em geral, e
em seu conjunto. Só posso expressar minhas preocupações e indignações, apenas
aí é que me sinto seguro.
Penso, de qualquer
forma, que se deve insistir na ideia de que o Brasil tem – ou a esta altura
tinha – as condições geográficas, ecológicas, culturais para desenvolver um
novo estilo de civilização, que não seja uma cópia empobrecida do modelo da
América do Norte e da Europa. Poderíamos começar a experimentar, timidamente,
algum tipo de alternativa aos paradigmas tecno-econômicos desenvolvidos na
Europa moderna.
Todavia, imagino que
se algum país do mundo irá fazer isso, esse país é a China. É certo que os
chineses têm 5.000 anos de história cultural praticamente contínua e o que nós
temos para oferecer são apenas 500 anos de dominação europeia e uma triste
história de etnocídio, deliberado ou não. Ainda assim, é imperdoável a falta de
inventividade da sociedade brasileira – ao menos de sua elite política e
intelectual – que já perdeu várias ocasiões de gerar soluções socioculturais –
tal como o povo brasileiro historicamente ofereceu – e articular, assim, uma
civilização brasileira minimamente diferente da que propõem os comerciais de
televisão.
Temos que mudar
completamente e, primeiramente, a relação secularmente depredadora da sociedade
nacional com a natureza, com a base físico-biológica de sua própria
nacionalidade. Já é hora de começar uma nova relação com o consumo, menos
ansioso e mais realista frente à situação de crise atual. A felicidade tem
muitos outros caminhos. (ecodebate)
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