
O Brasil tem uma
legislação bastante moderna com relação às nossas águas, datada de janeiro de
1997. Trata-se da Lei Federal 9.433, que instituiu a Política Nacional de
Recurso Hídricos, com os fundamentos listado em seu Art. 1°:
I) a água é um bem de
domínio público;
II) a água é um
recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III) em situação de
escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a
dessedentação de animais;
IV) a bacia
hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da Política Nacional
de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos;
V) a gestão dos
recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder
Público, dos usuários e das comunidades.
A condição de “bem de
domínio público” levou a Lei a criar a figura da “outorga de direito de uso”,
ou seja, para usar é preciso ter licença. Já a condição de recurso natural
“dotado de valor econômico” gerou a figura da “cobrança pelo uso”. Até então, a
água era considerado um bem livre, sem valor econômico, e, de acordo com o
antigo Código de Águas de 1934, enquanto estivesse completamente contida em uma
propriedade particular, a ela pertencia. A mudança foi, portanto, uma guinada
ainda não absorvida completamente, mesmo depois de decorridos 17 anos.
A Lei criou, também,
o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, formado por
colegiados deliberativos e agências executivas, assim: na esfera federal, o
Conselho Nacional de Recursos Hídricos e a Agência Nacional de Águas (ANA); na
esfera estadual e no Distrito Federal, o Conselho Estadual de Recursos Hídricos
e algum órgão que represente a agência; e para cumprir o fundamento do Art. 1o
que faz da bacia hidrográfica a unidade básica de trabalho, criou os Comitês e
as Agências de Bacias, que foram concebidas para exercer efetivamente a gestão
dos nossos recursos hídricos. Já existem inúmeros Comitês espalhados pelo país
e também algumas Agências em plena atividade. Nem todos os Comitês já contam
com a ajuda de Agências, já que as últimas só são formadas depois que os
Comitês cumprem uma série de procedimentos obrigatórios. Em minas Gerais, por
exemplo, já são 36 Comitês, com algo em torno de 2.500 conselheiros.
Os Comitês são
formados por representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
municípios (quando detentores de territórios dentro das bacias), dos usuários
de águas e de entidades civis ligadas a recursos hídricos e com atuação
comprovada nas respectivas bacias hidrográficas. Alguns comentários sobre esses
chamados “parlamentos das águas”:
1) Eles devem ser
formados por pelo menos 50 % de representantes da sociedade (usuários e
entidades civis organizadas). É uma forma de fazer com que as decisões reflitam
melhor os interesses das comunidades que ocupam as bacias e que os interesses
de grupos ou de governos tenham mais dificuldades de ser impostos;
2) No início de
atividades, eles não têm tido vida fácil, pois caem num ciclo vicioso que
precisa ser quebrado, ou seja, eles precisam estar atuando para estabelecerem
os critérios e procedimentos de cobrança pelo uso da água, fonte de suas
receitas; mas para atuarem eles necessitam de recursos. Ficam, assim, reféns de
patrocínios ou de recursos provenientes de setores e programas públicos. Muitos
Comitês ficam enredados nesse dilema e correndo o risco de verem arrefecer os
entusiasmos da criação;
3) Acredito que houve
certo exagero no número de membros, dificultando a tomada de decisões. No caso
já citado de Minas Gerais, por exemplo, eles têm média em torno de 70
participantes. Fica muito difícil reunir essas turmas, formadas por indivíduos
que têm suas próprias atividades e que são voluntários. Os Comitês não têm nem
como pagarem deslocamentos e hospedagens;
4) A Lei 9.433
permite a existência de um comitê dentro de outro comitê. Por exemplo: o Comitê
do Rio das Velhas, em cuja bacia está Belo Horizonte, está dentro da bacia do
Rio São Francisco, que também tem o seu. Isso porque o Rio das Velhas é
estadual, tem toda a sua bacia no Estado de Minas Gerais; já o São Francisco é
federal, pois passa por vários estados. Certamente haverá conflitos a serem
administrados;
5) Os Comitês é que
devem fazer o gerenciamento das bacias. Já aos conselhos estaduais e federal
cabem as funções normativas e de mediação de conflitos originados nas instâncias
inferiores. Mas num país acostumado ao centralismo de decisões, há sempre
tentativas de tomarem de assalto as atribuições dos Comitês. Por exemplo, o
Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco foi contra a transposição de
suas águas, com argumentações técnicas. Mas por pressão originada de uma
decisão monocrática do executivo federal de plantão, na época, o Conselho
Federal de Recursos Hídricos aprovou a medida, isso sem derrubar as
justificativas técnicas do Comitê. Há muito chão pela frente, ainda, até que a
descentralização proposta na Lei 9.433 seja efetivamente respeitada;
O arcabouço legal deu
ideia dos caminhos que devem ser seguidos para cuidar do paciente que já está
em situação grave, bastando ver as recentes notícias sobre falta de água para
abastecimento e geração de energia. Mas tem sido muito lenta a prescrição dos
remédios necessários à cura dos ecossistemas hidrológicos responsáveis pela
produção de água e que estão presentes nas bacias hidrográficas. Há 17 anos
estamos esperando pelos bons resultados da nova (já nem tão nova mais)
legislação.
Terminando, peço que
o leitor entenda a minha intenção de fazer um resumo bem sucinto da legislação.
O assunto é cansativo, dá sono e eu confesso que também o considero muito
chato. Mas apesar da chatice, ele é importante para garantir a presença de água
nas torneiras de nossas casas. (ecodebate)
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