Casos de contaminação da água são mais comuns do que se
conhece
“Há ainda várias comunicações que carecem de estudos, como o
nitrato em grandes cidades, fertilizantes e agroquímicos nas zonas rurais e
solventes clorados em áreas industriais”, destaca o diretor do Centro de
Pesquisas de águas Subterrâneas.
A grave crise de abastecimento de água que vem assolando a região
metropolitana de São Paulo chamou a atenção do País para um problema que vinha
sendo anunciado há muito tempo. A crescente demanda hídrica, seja para o
fornecimento de eletricidade, seja para o consumo ou para a produção
industrial, aumentou a níveis muito superiores do que as alternativas
tradicionais são capazes de suprir.
Falar em desertificação talvez seja um exagero. No entanto, o fato
obrigou governos e especialistas a buscarem alternativas para o abastecimento,
e uma delas é o uso de águas subterrâneas. Para o diretor do Centro de
Pesquisas de águas Subterrâneas – Cepas, Ricardo Hirata, enquanto países da Europa da América do Norte são fortemente
dependentes das águas subterrâneas, no Brasil seu uso ainda é tímido frente à
potencialidade de aproveitamento.
Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Hirata defende que o
uso da água subterrânea de forma mais ampla e integrada aos demais recursos
hídricos é uma solução que vem chamando atenção do mundo inteiro. “Isso é
particularmente verdade quando analisamos que as cidades que são abastecidas
por mais de um recurso de forma integrada e inteligente são mais resilientes a
problemas de longos períodos de estiagens, como os observados hoje em São Paulo”,
destaca.
No entanto, esta alternativa deve ser bem estudada e medidas de suporte
devem ser tomadas para permitir sua viabilidade. Isto porque, ainda que
institutos de pesquisas como o próprio Cepas analisem a qualidade destas águas
subterrâneas, Hirata reconhece: há muito menos casos de contaminação conhecidos
do que a realidade apresenta. “Há ainda várias contaminações que carecem de
estudos, como o nitrato em grandes cidades, fertilizantes e agroquímicos nas
zonas rurais e solventes clorados em áreas industriais”, destaca o diretor.
O nitrato é um contaminante pouco tóxico, mas muito insidioso nas águas
subterrâneas. É possível afirmar que quase todas as cidades do país sofrem em
algum grau desse problema, advindo de vazamento da rede pública de esgoto ou da
sua ausência, quando a população faz uso de fossas negras. O grande problema é
que em áreas onde há algum monitoramento da qualidade das águas subterrâneas,
vê-se que as concentrações estão aumentando persistentemente. Resolver esse
problema que atinge áreas tão grandes é difícil e caro.
Bombas Leão
Alternativas de tratamento da água também são caras, e em algumas
cidades, como Natal (RN), a solução tem sido de mesclar as águas contaminadas
com águas de outras fontes, sem nitrato.
Ricardo Hirata é geólogo formado pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho - UNESP, com mestrado e doutorado na Universidade de
São Paulo - USP e pós-doutorado na Universidade de Waterloo, no Canadá.
Atualmente é professor do Instituto de Geociências da USP e Diretor do Cepas.
Hirata atua ainda como consultor da Unesco e de diversas outras
organizações sobre o tema hídrico.
IHU On-Line – Com a crise
de abastecimento em São Paulo, fala-se em possíveis riscos de desertificação,
como de extermínio das reservas hídricas existentes no subsolo. Esse risco
existe de fato? Em que proporção, no atual momento?
Ricardo Hirata - É um exagero pensar que temos risco de
desertificação de parte do Estado de São Paulo. A crise da água é muito mais um
descompasso entre a produção da água e a demanda. Ou seja, as concessionárias
públicas, sobretudo a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo –
SABESP, não se prepararam adequadamente para eventos climáticos dessa natureza,
embora os hidrólogos e outros especialistas tenham previsto que eles poderiam
ocorrer. A desertificação existe em outras áreas, mas não há riscos na Região Metropolitana
de São Paulo.
IHU On-Line – A partir da
sua experiência de trabalho em outros países, é possível fazer comparações
entre os recursos hídricos e as águas subterrâneas brasileiras com a de outros
locais do mundo, tanto em relação ao atual quadro das águas subterrâneas quanto
às políticas públicas desenvolvidas para garantir a qualidade dos recursos
hídricos?
Ricardo Hirata - Muitos países da Europa e da América do
Norte são fortemente dependentes das águas subterrâneas, assim como na Ásia,
onde há milhões de poços fornecendo água para a agricultura e para as cidades.
No Brasil o uso ainda é pequeno (frente à potencialidade), mas estima-se que
53% dos municípios se abastecem total ou parcialmente do recurso subterrâneo. O
uso privado, geralmente complementar à rede pública, faz o diferencial da água
subterrânea, embora não apareçam nas estatísticas. Há centenas de milhares de
poços pelo Brasil participando da economia e fornecendo água de boa qualidade
para os usuários, e em alguns lugares sendo a única alternativa econômica.
“Muitos países da Europa e da América do Norte são fortemente dependentes
das águas subterrâneas, assim como na Ásia”
Mas o mundo tem acordado para o uso da água subterrânea de forma mais
ampla e mais integrada aos demais recursos disponíveis para o abastecimento de
uma cidade ou um empreendimento. Isso é particularmente verdade quando
analisamos que as cidades que são abastecidas por mais de um recurso de forma
integrada e inteligente são mais resilientes a problemas de longos períodos de
estiagens, como os observados hoje em São Paulo. Assim, cidades como Madri, que
se abastece de água superficial e subterrânea, sofrem menos com as secas.
Os países europeus e norte-americanos, com maior tradição na gestão dos
recursos hídricos, possuem leis que têm funcionado de forma adequada. O Brasil
está apenas iniciando esse processo. O país tem avançado muito nos últimos
anos, mas ainda são as águas subterrâneas a parte mais frágil da gestão dos
recursos. Como o recurso hídrico subterrâneo é de competência dos estados, há
ainda diferenças significativas entre as Unidades da Federação, mas em todas
elas ainda há uma grande quantidade de poços ilegais e vários problemas de
contaminação de solo e aquíferos que ainda estão para ser estudados, inclusive
avaliando os impactos na população e na ecologia.
IHU On-Line – Quais são as
principais constatações do Centro de Pesquisa de Águas Subterrâneas – Cepas e
do Instituto de Geociências da USP em relação à contaminação da água?
Ricardo Hirata - Acreditamos que o número de casos
conhecidos de contaminação das águas subterrâneas e dos solos pelas agências
ambientais seja imensamente menor do que os casos existentes. Há ainda várias
contaminações que carecem de estudos adequados, como o nitrato em grandes
cidades, fertilizantes e agroquímicos nas zonas rurais e solventes clorados em
áreas industriais e, sobretudo, em aquíferos profundos fraturados. Em paralelo,
ainda estamos começando a descontaminar os aquíferos, e nos faltam técnicas
adequadas e adaptadas às condições climáticas e geológicas brasileiras. Ou
seja, há muito que fazer, e as universidades e centros de pesquisas ainda não
estão respondendo à altura das reais necessidades da sociedade.
IHU On-Line – Quais são as
implicações da presença de nitrato na água a ser consumida pela população?
Ricardo Hirata - O nitrato é um contaminante pouco tóxico,
mas muito insidioso nas águas subterrâneas. É possível afirmar que quase todas
as cidades do país sofrem em algum grau desse problema, advindo de vazamento da
rede pública de esgoto ou da sua ausência, quando a população faz uso de fossas
negras. O grande problema é que em áreas onde há algum monitoramento da
qualidade das águas subterrâneas, vê-se que as concentrações estão aumentando
persistentemente. Resolver esse problema que atinge áreas tão grandes é difícil
e caro. Alternativas de tratamento da água também são caras, e em algumas
cidades, como
Natal (RN), a solução tem sido mesclar as águas contaminadas
com águas de outras fontes, sem nitrato.
IHU On-Line – Segundo
notícias da imprensa, com base numa pesquisa da USP, aproximadamente 75% das
cidades paulistas têm abastecimento de água público feito por águas de aquíferos.
O senhor confirma essa informação? O que esse dado representa?
Ricardo Hirata - Sim, o estado de São Paulo é dependente das
águas subterrâneas para o abastecimento público nessas proporções. Quando
consideramos a população em números absolutos, vemos que 36% da população é
abastecida pelas águas subterrâneas.
Adicionalmente, há dezenas de milhares de poços que suprem o usuário
privado. A maioria das indústrias e grandes empreendimentos têm poços que
servem ao abastecimento adicional e complementar à rede pública. É importante
dizer que muitos desses poços ainda são ilegais e desconhecidos dos órgãos
gestores, dificultando uma avaliação do real papel que essas águas desempenham
na sociedade e na economia do estado.
Veja a Região Metropolitana de São Paulo, que tem o abastecimento
público baseado em sistemas de água superficial. Por ano são perfurados mais de
mil poços, fornecendo mais de 0,8 m3/s, sem nenhum investimento do poder
público. Essa água está aliviando as pressões do sistema público hoje deficitário.
No total, temos mais de 10 m3/s extraídos dos aquíferos. É o terceiro maior
manancial de água da região, disperso entre 12 mil poços nas mãos da iniciativa
privada. Se não fosse a presença desses poços no abastecimento complementar, o
sistema público de água já estaria em crise há muito tempo.
IHU On-Line – O senhor
concorda com especialistas, que afirmam não haver solução de curto prazo para
solucionar a questão do abastecimento de água em São Paulo?
Ricardo Hirata - Todos os sistemas de abastecimento, sejam
eles para fornecer água para uma casa ou uma cidade, têm riscos de um dia
falhar. Cabe aos tomadores de decisão fazer com que esses riscos sejam mínimos.
Em sistemas apoiados em água superficial, os riscos são avaliados
estatisticamente baseados no histórico de chuvas de uma região, pois estão
associados à intensidade de chuvas que alimentam os reservatórios. Claro que
para serem mínimos, precisamos de investimentos para aumentar a produção e/ou
reduzir a demanda.
O que houve em São Paulo é que esses riscos foram negligenciados.
Estudos mostravam que havia riscos pequenos de secas dessa magnitude. Optou-se
por não investir na melhora do abastecimento, em detrimento a outros
investimentos de governo. O problema é ainda pior, pois faltou a esses tomadores
de decisão uma avaliação correta dos prejuízos que a falta desse investimento
na produção de água traria à região. Mas também faltou um plano de
contingência. Ou seja, um conjunto de ações coordenadas sobre o que fazer caso
determinado problema de estiagem ocorresse. Faltou pesar tudo isso e dizer à
população: há um risco pequeno, podemos arriscar? Quais são as perdas? É
aceitável? Isso é gestão do recurso hídrico. Hoje fomos todos surpreendidos.
“Em algumas cidades, como Natal (RN), a solução tem sido de mesclar as
águas contaminadas por nitrato com águas de outras fontes”
IHU On-Line – Em que medida
investimentos em saneamento básico poderiam garantir uma melhora na qualidade
da água subterrânea?
Ricardo Hirata - Há uma forte correlação entre a falta de
redes de esgoto ou redes antigas de esgoto e a contaminação das águas
subterrâneas. Ter redes novas, feitas de tubos de plástico, e com boa
manutenção é fundamental para reduzir a contaminação de nitrato em aquíferos
urbanos. Aliás, recomendamos que, em qualquer novo empreendimento urbano, a
rede de esgoto chegue antes da população, evitando assim a contaminação dos
aquíferos e garantindo que a nova população possa inclusive fazer uso dessas
águas subterrâneas. A falta de saneamento traz também outro problema de
contaminação dos rios, reduzindo a oferta de água de superfície. A falta de
saneamento faz com que os rios sejam perceptivamente feios, dando a ideia do
“mal cuidado”, não cria o valor do cuidar, que o cidadão deve ter, além,
obviamente, da redução da vida aquática, etc. (ecodebate)
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