Desmatamento acumulado na Amazônia cobra fatura e começa a
afetar o clima, diz estudo
Lançado em 30/11/14, em São Paulo, relatório sintetiza, pela primeira
vez, cerca de duzentos dos principais estudos e artigos científicos sobre o
papel da floresta amazônica no sistema climático e conclui que reduzir a zero o
desmatamento já não basta para garantir as funções climáticas do bioma.
Um relatório lançado em 30/10/14 em São Paulo sintetiza, pela primeira
vez, cerca de duzentos dos principais estudos e artigos científicos sobre o
papel da floresta amazônica no sistema climático, na regulação das chuvas e na
exportação de serviços ambientais para áreas produtivas, vizinhas e distantes
da Amazônia. A avaliação conclui que reduzir a zero o desmatamento já não basta
para garantir as funções climáticas do bioma.
Além de manter a floresta amazônica a qualquer custo é preciso
confrontar o passivo do desmatamento acumulado e começar um amplo processo de
recuperação do que foi destruído, que somente no Brasil alcança uma área de 763
mil Km2, o que equivale a três Estados de São Paulo ou a 184 milhões de campos
de futebol.
Conduzido pelo pesquisador Antonio Donato Nobre, do Centro de Ciência do
Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, a pedido
da Articulación Regional Amazónica (ARA), o estudo O Futuro Climático da
Amazônia mostra o potencial climático da floresta pristina, chamada pelos
cientistas de “oceano verde”, e os impactos de sua destruição com o
desmatamento e o fogo. Aponta ainda as ações para conter os efeitos no clima
provocados pela ação humana sobre a maior floresta tropical do mundo.
O trabalho inova ao revelar os segredos que fazem da Amazônia um sistema
único no planeta, com funções que começam a ser melhor compreendidas pelos
cientistas. O primeiro deles é que a floresta mantém úmido o ar em movimento, o
que leva chuvas para as regiões interiores do continente, distantes milhares de
quilômetros do oceano. A Amazônia, explica o pesquisador, tem outra
peculiaridade. Ela ajuda a formar chuvas em ar limpo. É que as árvores emitem
aromas a partir dos quais se formam sementes de condensação do vapor d’água,
cuja eficiência na nucleação de nuvens resulta em chuvas fartas.
Outro segredo trazido à tona é que a floresta amazônica não mantém o ar
úmido apenas para si mesma. Ela exporta essa umidade por meio de rios aéreos de
vapor, os chamados “rios voadores,” que irrigam áreas como o Sudeste,
Centro-Oeste e Sul do Brasil e outras áreas como o Pantanal e o Chaco, além da
Bolívia, Paraguai e Argentina. “Sem os serviços da floresta, essas produtivas
regiões poderiam ter um clima inóspito, quase desértico”, diz o autor.
Gêisers de madeira
Segundo Nobre, essa competência de regular o clima se dá principalmente
pela capacidade inata das árvores de transferir grandes volumes de água do solo
para a atmosfera através da transpiração. São 20 bilhões de toneladas de água
transpiradas ao dia, o equivalente a 20 trilhões de litros. Para se ter uma
ideia, o volume despejado no oceano Atlântico pelo rio Amazonas é de pouco mais
de 17 bilhões de toneladas diariamente. “As árvores funcionam como gêisers de
madeira, jorrando esse imenso volume de água vaporosa na atmosfera”.
Uma nova teoria física descrita no relatório sustenta que a transpiração
abundante das árvores, casada com uma condensação fortíssima na formação das
nuvens e chuvas – condensação essa maior que aquela nos oceanos contíguos –,
leva a um rebaixamento da pressão atmosférica sobre a floresta, que suga o ar
úmido sobre o oceano para dentro do continente, mantendo as chuvas em quaisquer
circunstâncias. Para Nobre, esses efeitos favorecedores fazem da floresta a
melhor e mais valiosa parceira de todas as atividades humanas que requerem
chuva na medida certa, um clima ameno e proteção de eventos extremos.
Mas o desmatamento pode colocar todos esses atributos da floresta em
risco. Reconhecidos modelos climáticos anteciparam variados efeitos danosos do
desmatamento sobre o clima, previsões que vem sendo confirmadas por
observações. Entre elas estão a redução drástica da transpiração, a modificação
na dinâmica de nuvens e chuvas e o prolongamento da estação seca nas zonas
desmatadas. Outros efeitos não previstos, como o dano por fumaça e fuligem à
dinâmica de chuvas, mesmo sobre áreas de floresta pristina, também estão sendo
observados.
Vários estudos sugerem que a floresta, na sua condição original, tendo
perseverado por dezenas de milhões de anos, tem grande resistência a
cataclismos climáticos. Mas quando é abatida ou debilitada por motosserras,
tratores e fogo sua imunidade é quebrada. Nos cálculos de Nobre, a ocupação da
Amazônia já destruiu no mínimo 42 bilhões de árvores, ou seja, mais de 2000
árvores por minuto – ininterruptamente –, nos últimos 40 anos. O dano de tal
devastação já se faz sentir no clima próximo e distante da Amazônia, e os
prognósticos indicam agravamento do quadro se o desmatamento continuar e a
floresta não for restaurada.
Entre as medidas mitigadoras, o estudo propõe “universalizar o acesso às
descobertas científicas que podem reduzir a pressão da principal causa do
desmatamento: a ignorância”. E é preciso agir, recomenda o documento, que fala
em um “esforço de guerra” para reverter o quadro atual.
Para Sérgio Guimarães,
coordenador da ARA Regional, O Futuro Climático da Amazônia é uma grande
contribuição nesse sentido. “Nossa intenção ao promover essa publicação é
justamente tornar esse conhecimento acessível a diversos setores da sociedade.
Quando todos entenderem a importância das florestas para nossa economia e nossa
vida, com certeza estará isso estará no centro dos nossos debates e das nossas
políticas públicas”, diz Guimarães.
O relatório contou com o apoio do ISA, da
Iniciativa Amazônia do WWF, do Observatório do Clima e do ICV. (ecodebate)
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