Lançada
oficialmente, a Carta Encíclica Laudato Si’ do Santo Padre Francisco sobre o
cuidado da casa comum.
Íntegra
em português: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
Vídeo
de 6min18s, de divulgação da encíclica: https://www.youtube.com/watch?t=13&v=1tYdOIqvpqg
Vídeo,
em tom humorístico, sob o título Papa Francisco na Encíclica: a batalha
heroica contra a mudança climática: https://www.youtube.com/watch?v=sr6l_xEhUfs&feature=youtu.be
A seguir
publicamos um guia de leitura do texto, divulgado por Radio
Vaticano, 18/06/2015.
Este
texto oferece um instrumento de suporte para uma primeira leitura da Encíclica,
ajudando a compreender o seu desenrolar na totalidade e a identificar as linhas
principais. As primeiras duas páginas apresentam a Laudato si’ na sua
globalidade; depois, cada página corresponde a um capítulo, indica seu objetivo
e reproduz alguns trechos significativos. Os números entre parêntesis remetem
aos parágrafos da Encíclica. As últimas duas páginas oferecem o índice
completo.
Um olhar por inteiro
«Que
tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a
crescer?» (160). Este interrogativo é o âmago da
Laudato si’, a esperada Encíclica do Papa
Francisco sobre o cuidado da casa comum. Que prossegue: «Esta
pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira isolada, porque não se pode
pôr a questão de forma fragmentária», e isso conduz a interrogar-se sobre o
sentido da existência e sobre os valores que estão na base da vida social: «
Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade
tem de nós esta terra?»: « Se não pulsa nelas esta pergunta de fundo,–
diz o Pontífice – não creio que as nossas preocupações
ecológicas possam surtir efeitos importantes».
O
nome da Encíclica foi inspirado na invocação de São Francisco
«Louvado sejas, meu Senhor», que no Cântico das criaturas
recorda que a terra, a nossa casa comum, « se pode comparar ora a uma irmã, com
quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus
braços» (1). Nós mesmos «somos terra (Gen 2,7). O nosso corpo é constituído
pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar e a sua água
vivifica-nos e restaura-nos» (2).
Agora,
esta terra maltratada e saqueada se lamenta e os seus gemidos se unem aos de
todos os abandonados do mundo. O Papa Francisco convida a
ouvi-los, exortando todos e cada um – indivíduos, famílias, coletividades
locais, nações e comunidade internacional – a uma «conversão ecológica»,
segundo a expressão de São João Paulo II, isto é, a «mudar de
rumo», assumindo a beleza e a responsabilidade de um compromisso para o
«cuidado da casa comum». Ao mesmo tempo, o Papa Francisco
reconhece que se nota « uma crescente sensibilidade relativamente ao meio
ambiente e ao cuidado da natureza, e cresce uma sincera e sentida preocupação
pelo que está a acontecer ao nosso planeta. » (19), legitimando um
olhar de esperança que permeia toda a Encíclica e envia a todos uma mensagem
clara e repleta de esperança: « A humanidade possui ainda a capacidade de
colaborar na construção da nossa casa comum. » (13); «o ser humano ainda é
capaz de intervir de forma positiva » (58); «nem tudo está perdido, porque os
seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se,
voltar a escolher o bem e regenerar-se » (205).
O Papa
Francisco se dirige certamente aos fiéis católicos, retomando as
palavras de São João Paulo II: « os cristãos, em
particular, advertem que a sua tarefa no seio da criação e os seus deveres em
relação à natureza e ao Criador fazem parte da sua fé » (64), mas se propõe «
especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum »
(3): o diálogo percorre todo o texto, e
no cap. 5 se torna o instrumento para enfrentar e resolver os
problemas. Desde o início, o Papa Francisco
recorda que também «outras Igrejas e Comunidades cristãs – bem como noutras
religiões – se tem desenvolvido uma profunda preocupação e uma reflexão
valiosa» sobre o tema da ecologia (7). Ou melhor, assume explicitamente sua
contribuição a partir do que foi dito pelo «amado Patriarca Ecumênico Bartolomeu»
(7), amplamente citado nos nn. 8‐9. Em vários
trechos, o Pontífice agradece aos protagonistas deste esforço – seja indivíduos, seja
associações ou instituições –, reconhecendo que «a reflexão de inúmeros
cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais que enriqueceram o
pensamento da Igreja sobre estas questões» (7) e convida
todos a reconhecer «a riqueza que as religiões possam oferecer para uma
ecologia integral e o pleno desenvolvimento do género humano» (62).
O
itinerário da Encíclica é traçado no n. 15 e se desenvolve em
seis capítulos. Passa-se de uma análise da situação a partir das melhores
aquisições científicas hoje disponíveis (cap. 1), ao confronto com a Bíblia e a
tradição judaico-cristã (cap. 2), identificando a raiz dos problemas (cap. 3)
na tecnocracia e num excessivo fechamento autorreferencial do ser humano. A
proposta da Encíclica (cap. 4) é a de uma «ecologia integral, que
inclua claramente as dimensões humanas e sociais» (137),
indissoluvelmente ligadas com a questão ambiental. Nesta perspectiva, o Papa
Francisco propõe (cap. 5) empreender em todos os níveis da vida
social, econômica e política um diálogo honesto, que estruture processos de
decisão transparentes, e recorda (cap. 6) que nenhum projeto pode ser eficaz se
não for animado por uma consciência formada e responsável, sugerindo ideias
para crescer nesta direção em nível educativo, espiritual, eclesial, político e
teológico. O texto se conclui com duas orações, uma oferecida à partilha com
todos os que acreditam num «Deus Criador Omnipotente» (246), e outra proposta
aos que professam a fé em Jesus Cristo, ritmada pelo refrão «Laudato si’», com
o qual a Encíclica se abre e se conclui.
O
texto é atravessado por alguns eixos temáticos, analisados por uma variedade de
perspectivas diferentes, que lhe conferem uma forte unidade: «a
relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que
tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das
formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras
de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o
sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a
grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte
e a proposta dum novo estilo de vida » (16).
Primeiro Capítulo – O que está a acontecer à nossa casa
O
capítulo apresenta as mais recentes aquisições científicas em matéria ambiental
como modo de ouvir o grito da criação, « transformar em sofrimento pessoal
aquilo que acontece ao mundo e, assim, reconhecer a contribuição que cada um
lhe pode dar » (19). Enfrentam-se assim «vários aspectos da atual crise
ecológica» (15).
As
mudanças climáticas: « As mudanças climáticas são um
problema global com graves implicações ambientais, sociais, económicas,
distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios
para a humanidade» (25). Se « o clima é um bem comum, um bem de todos e para
todos » (23), o impacto mais pesado da sua alteração recai sobre os mais
pobres, mas muitos «daqueles que detêm mais recursos e poder económico ou político
parecem concentrar-se sobretudo em mascarar os problemas ou ocultar os seus
sintomas » (26): «a falta de reações diante destes dramas dos nossos irmãos e
irmãs é um sinal da perda do sentido de responsabilidade pelos nossos
semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil » (25).
A questão da água: O
Pontífice afirma claramente que « o acesso à água potável e segura é um direito
humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das
pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos
». Privar os pobres do acesso à água significa « negar-lhes o direito à
vida radicado na sua dignidade inalienável » (30).
A preservação da biodiversidade: « Anualmente, desaparecem milhares de espécies
vegetais e animais que já não poderemos conhecer mais, que os nossos filhos não
poderão ver, perdidas para sempre» (33). Não são somente eventuais
“recursos” exploráveis, mas têm um valor em si mesmos. Nesta
perspectiva, « são louváveis e, às vezes, admiráveis os esforços de cientistas
e técnicos que procuram dar solução aos problemas criados pelo ser humano
», mas a intervenção humana, quando se coloca a serviço da finança e do
consumismo, « faz com que esta terra onde
vivemos se torne realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta » (34).
vivemos se torne realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta » (34).
A dívida ecológica: no
âmbito de uma ética das relações internacionais, a Encíclica indica que existe
«uma verdadeira “dívida ecológica”» (51), sobretudo do Norte em
relação ao Sul do mundo. Diante das mudanças climáticas, existem
«responsabilidades diversificadas» (52), e as dos países desenvolvidos são
maiores.
Consciente
das profundas divergências quanto a essas problemáticas, o Papa
Francisco se mostra profundamente impressionado com
a «fraqueza das reações» diante dos dramas de tantas pessoas e
populações. Embora não faltem exemplos positivos (58), sinaliza «um
certo torpor e uma alegre irresponsabilidade » (59). Faltam
uma cultura adequada (53) e a disponibilidade em mudar estilos de vida,
produção e consumo (59), enquanto é urgente «criar um sistema normativo […] que
inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas » (53).
Segundo capítulo – O Evangelho da criação
Para
enfrentar as problemáticas ilustradas no capítulo precedente, o Papa
Francisco relê as narrações da Bíblia, oferece uma visão global
oriunda da tradição judaico-cristã e articula a «tremenda
responsabilidade» (90) do ser humano diante da criação, o elo
íntimo entre todas as criaturas e o fato de que «o meio ambiente é um bem
coletivo, património de toda a humanidade e responsabilidade de todos» (95).
Na
Bíblia, «o Deus que liberta e salva é o mesmo que criou o universo. […] n’Ele
se conjugam o carinho e a força » (73). A narração da criação é
central para refletir sobre a relação entre o ser humano e as outras criaturas
e sobre como o pecado rompe o equilíbrio de toda a criação no seu conjunto:
«Essas narrações sugerem que a existência humana se baseia sobre três relações
fundamentais intimamente ligadas: as relações com Deus, com o próximo e
com a terra. Segundo a Bíblia, essas três relações vitais romperam-se não só
exteriormente, mas também dentro de nós. Esta ruptura é o pecado» (66).
Por
isso, mesmo que nós « cristãos, algumas vezes interpretámos de forma incorreta
as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que, do facto de ser criados
à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto
sobre as outras criaturas» (67). Ao ser humano cabe a responsabilidade de
«“cultivar e guardar” o jardim do mundo (cfr Gen 2,15)»
(67), sabendo que «o fim último das restantes criaturas não somos nós.
Mas todas avançam, juntamente conosco e através de nós, para a meta comum, que
é Deus » (83).
Que
o ser humano não seja o dono do universo, «não significa igualar todos os seres
vivos e tirar ao ser humano aquele seu valor peculiar » que o caracteriza; «
também não requer uma divinização da terra, que nos privaria da nossa vocação
de colaborar com ela e proteger a sua fragilidade » (90). Nesta
perspectiva, « todo o encarniçamento contra qualquer criatura «é contrário à
dignidade humana» » (92), mas « não pode ser autêntico um
sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo
não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos
» (91). Necessita-se da consciência de uma comunhão universal: «
criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma
espécie de família universal, […]que nos impele a um respeito sagrado, amoroso
e humilde » (89).
O
coração da revelação cristã conclui o Capítulo: «Jesus
terreno» com a «sua relação tão concreta e
amorosa com o mundo» «ressuscitado e glorioso», está «presente em toda a
criação com o seu domínio universal » (100).
Terceiro capítulo – A raiz humana da crise ecológica
Este
capítulo apresenta uma análise da situação atual, «de modo a individuar não
apenas os seus sintomas, mas também as causas mais profundas» (15), em um
diálogo com a filosofia e as ciências humanas.
Um primeiro
fulcro do capítulo são as reflexões sobre a tecnologia: é reconhecida,
com gratidão, a sua contribuição para o melhoramento das condições de vida
(102-103); todavia ela oferece «àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o
poder económico para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do
género humano e do mundo inteiro» (104). São precisamente as lógicas de domínio
tecnocrático que levam a destruir a natureza e explorar as pessoas e as
populações mais vulneráveis. «O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu
domínio também sobre a economia e a política» (109), impedindo reconhecer que
«o mercado, por si mesmo[…] não garante o desenvolvimento humano integral nem a
inclusão social» (109).
Na
raiz se diagnostica na época moderna um excesso de antropocentrismo (116): o
ser humano não reconhece mais sua correta posição em relação ao mundo e assume
uma posição autorreferencial, centrada exclusivamente em si mesmo e no próprio
poder. Deriva então uma lógica do «descartável» que justifica todo tipo de
descarte, ambiental ou humano que seja, que trata o outro e a natureza como um
simples objeto e conduz a uma miríade de formas de dominação. É a lógica que
leva a explorar as crianças, a abandonar os idosos, a reduzir os outros à
escravidão, a superestimar a capacidade do mercado de se autorregular, a
praticar o tráfico de seres humanos, o comércio de peles de animais em risco de
extinção e de “diamantes ensanguentados”. É a mesma lógica de muitas máfias,
dos traficantes de órgãos, do tráfico de drogas e do descarte de crianças
porque não correspondem ao desejo de seus pais. (123)
Nesta
luz, a encíclica aborda duas questões cruciais para o mundo de hoje. Antes de
tudo, o trabalho: «Em qualquer abordagem de ecologia integral que não exclua o
ser humano, é indispensável incluir o valor do trabalho» (124), bem como
«renunciar a investir nas pessoas para se obter maior receita imediata é um
péssimo negócio para a sociedade» (128).
A segunda
diz respeito aos limites do progresso científico, com clara referência aos OGM
(132-136), que são «uma questão de carácter complexo» (135). Embora «nalgumas
regiões, a sua utilização ter produzido um crescimento económico que contribuiu
para resolver determinados problemas, há dificuldades importantes que não devem
ser minimizadas» (134), a partir da «concentração de terras produtivas nas mãos
de poucos» (134). O Papa Francisco pensa em particular nos pequenos produtores
e trabalhadores rurais, na biodiversidade, na rede de ecossistemas. É,
portanto, preciso assegurar «um debate científico e social que seja responsável
e amplo, capaz de considerar toda a informação disponível e chamar as coisas
pelo seu nome» a partir de «linhas de pesquisa autónomas e interdisciplinares
que possam trazer nova luz» (135).
Quarto capítulo – Uma ecologia integral
O
coração da proposta da Encíclica é a ecologia integral como novo paradigma de
justiça; uma ecologia «que integre o lugar específico que o ser humano ocupa
neste mundo e as suas relações com a realidade que o circunda» (15). De fato,
«isto impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma
mera moldura da nossa vida» (139). Isto vale, por mais que vivemos em
diferentes campos: na economia e na política, nas diversas culturas, em
particular modo nas mais ameaçadas, e até mesmo em cada momento da nossa vida
cotidiana.
A
perspectiva integral põe em jogo também uma ecologia das instituições: « Se
tudo está relacionado, também o estado de saúde das instituições de uma
sociedade tem consequências no ambiente e na qualidade de vida humana: “toda a
lesão da solidariedade e da amizade cívica provoca danos ambientais” » (142).
Com muitos exemplos concretos, o Papa Francisco reafirma o seu pensamento: há
uma ligação entre questões ambientais e questões sociais e humanas que nunca
pode ser rompida. Assim, « a análise dos problemas ambientais é inseparável da
análise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relação de
cada pessoa consigo mesma » (141), enquanto «Não há duas crises separadas, uma
ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental» (139).
Esta
ecologia integral «é inseparável da noção de bem comum» (156), a ser entendida,
no entanto, de modo concreto: no contexto de hoje, no qual «há tantas
desigualdades e são cada vez mais numerosas as pessoas descartadas, privadas
dos direitos humanos fundamentais» comprometer-se pelo bem comum significa
fazer escolhas solidárias com base em «uma opção preferencial pelos mais pobres»
(158). Esta é também a melhor maneira para deixar um mundo sustentável às
gerações futuras, não com proclamas, mas através de um compromisso de cuidado
dos pobres de hoje, como já havia sublinhado Bento XVI: «para além da leal
solidariedade entre as gerações, há que reafirmar a urgente necessidade moral
de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração» (162).
A
ecologia integral envolve também a vida diária, para a qual a Encíclica reserva
uma atenção específica em particular em ambiente urbano. O ser humano tem uma
grande capacidade de adaptação e «admirável é a criatividade e generosidade de
pessoas e grupos que são capazes de dar a volta às limitações do ambiente, […]
aprendendo a orientar a sua existência no meio da desordem e precariedade»
(148). No entanto, um desenvolvimento autêntico pressupõe um melhoramento
integral na qualidade da vida humana: espaços públicos, moradias, transportes,
etc. (150-154).
Também
«o nosso corpo nos coloca em uma relação direta com o meio ambiente e com os
outros seres vivos. A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária
para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo
contrário, uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa
lógica, por vezes subtil, de domínio sobre a criação» (155).
Quinto capítulo – Algumas linhas de orientação e ação
Este
capítulo aborda a pergunta sobre o que podemos e devemos fazer. As análises não
podem ser suficientes: são necessárias propostas «de diálogo e de ação que
envolvam seja cada um de nós seja a política internacional» (15), e « que nos
ajudem a sair da espiral de autodestruição onde estamos a afundar» (163). Para
o Papa Francisco é imprescindível que a construção de caminhos concretos não
seja enfrentada de modo ideológico, superficial ou reducionista. Por isso, é
indispensável o diálogo, termo presente no título de cada seção deste capítulo:
«Há discussões sobre questões relativas ao meio ambiente, onde é difícil chegar
a um consenso. […] a Igreja não pretende definir as questões científicas, nem
substituir-se à política, mas [eu] convido a um debate honesto e transparente
para que as necessidades particulares ou as ideologias não lesem o bem comum»
(188).
Com
esta base o Papa Francisco não tem medo de fazer um julgamento
severo sobre as dinâmicas internacionais recentes: «as cimeiras mundiais sobre
o meio ambiente dos últimos anos não corresponderam às expectativas, porque não
alcançaram, por falta de decisão política, acordos ambientais globais realmente
significativos e eficazes» (166). E se pergunta: «Para que se quer preservar
hoje um poder que será recordado pela sua incapacidade de intervir quando era
urgente e necessário fazê-lo?» (57). Servem, em
vez disso, como os Pontífices repetiram várias vezes, a partir da Pacem in Terris, formas e
instrumentos eficazes de governança global
(175): «precisamos de um acordo sobre os regimes de governança
para toda a gama dos chamados bens comuns globais» (174), já que «”a proteção
ambiental não pode ser assegurada apenas com base no cálculo financeiro de
custos e benefícios. O ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não
estão aptos a defender ou a promover adequadamente”» (190), que retoma as
palavras do Compêndio da Doutrina Social da Igreja).
Sempre
neste capítulo, o Papa Francisco insiste sobre o desenvolvimento de processos
de decisão honestos e transparentes, para poder «discernir» quais políticas e
iniciativas empresariais poderão levar «a um desenvolvimento verdadeiramente
integral» (185). Em particular, o estudo do impacto ambiental de um novo
projeto «requer processos políticos transparentes e sujeitos a diálogo,
enquanto a corrupção, que esconde o verdadeiro impacto ambiental dum projeto em
troca de favores, frequentemente leva a acordos ambíguos que fogem ao dever de
informar e a um debate profundo» (182).
Particularmente
significativo é o apelo dirigido àqueles que detêm cargos políticos, para que
se distanciem da lógica «eficientista e imediatista» (181) hoje dominante: «se
ele tiver a coragem de o fazer, poderá novamente reconhecer a dignidade que
Deus lhe deu como pessoa e deixará, depois da sua passagem por esta história,
um testemunho de generosa responsabilidade» (181).
Sexto capítulo – Educação e espiritualidade ecológicas
O
último capítulo vai ao cerne da conversão ecológica à qual a Encíclica convida.
As raízes da crise cultural agem em profundidade e não é fácil reformular
hábitos e comportamentos. A educação e a formação continuam sendo desafios
centrais: «toda mudança tem necessidade de motivações e dum caminho educativo»
(15); estão envolvidos todos os ambientes educacionais, por primeiro « a
escola, a família, os meios de comunicação, a catequese» (213).
O
início é apostar «em uma mudança nos estilos de vida» (203-208), que também
abre à possibilidade de “exercer uma pressão salutar sobre quantos detêm o
poder político, económico e social» (206). Isso é o que acontece quando as
escolhas dos consumidores conseguem «a mudança do comportamento das empresas,
forçando-as a reconsiderar o impacto ambiental e os modelos de produção» (206).
Não
se pode subestimar a importância de percursos de educação ambiental capazes de
incidir sobre gestos e hábitos cotidianos, da redução do consumo de água, à
diferenciação do lixo até «apagar as luzes desnecessárias» (211): «Uma ecologia
integral é feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a
lógica da violência, da exploração, do egoísmo» (230). Tudo isto será mais
fácil a partir de um olhar contemplativo que vem da fé: «O crente contempla o
mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro, reconhecendo os laços
com que o Pai nos uniu a todos os seres. Além disso a conversão ecológica,
fazendo crescer as peculiares capacidades que Deus deu a cada crente, leva-o a
desenvolver a sua criatividade e entusiasmo» (220).
Retorna
à linha proposta na Evangelii Gaudium: « A sobriedade, vivida
livre e conscientemente, é libertadora» (223), bem como «A felicidade exige
saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem, permanecendo assim
disponíveis para as muitas possibilidades que a vida oferece» (223); desta
forma torna-se possível « voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que
temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser
bons e honestos» (229).
Os santos acompanham-nos neste caminho. São Francisco, muitas vezes mencionado, é «o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria» (10), modelo de como «são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior (10). Mas a encíclica recorda também São Bento, Santa Teresa de Lisieux e o Beato Charles de Foucauld.
Os santos acompanham-nos neste caminho. São Francisco, muitas vezes mencionado, é «o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria» (10), modelo de como «são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior (10). Mas a encíclica recorda também São Bento, Santa Teresa de Lisieux e o Beato Charles de Foucauld.
Após
a Laudato si, o exame de consciência, o instrumento que a
Igreja sempre recomendou para orientar a própria vida à luz da relação com o
Senhor, deverá incluir uma nova dimensão, considerando não apenas como se vive
a comunhão com Deus, com os outros, consigo mesmo, mas também com todas as
criaturas e a natureza. (ecodebate)
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