Crises
hídricas tendem a se agravar, afirma especialista
A
crise hídrica que algumas regiões do Brasil estão enfrentando atualmente não é
um fenômeno atual, mas já vem ocorrendo há muito tempo no mundo e é
caracterizada não apenas pela seca e a falta de água em regiões, como o Sudeste
do país, mas também por extremos hidrológicos, como as inundações que estão
acontecendo na região Sul.
A
avaliação foi feita por José Galizia Tundisi, presidente honorário do Instituto
Internacional de Ecologia (IEE), em uma conferência sobre gestão de recursos
hídricos realizada na quinta-feira (16/07), durante a 57ª Reunião Anual da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Aberta
em 12/07/15 a reunião ocorreu até 18/07, no campus da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar).
De
acordo com Tundisi, as crises hídricas, como as observadas no Brasil nos
últimos anos, vêm acontecendo em diferentes partes do mundo há séculos e
começaram a ficar mais acentuadas a partir da metade do século 20.
“Em
2014, por exemplo, foi registrada a pior seca no Nordeste e a maior enchente em
Foz do Iguaçu, no Paraná. E, nesta semana, o Rio Grande do Sul e Santa Catarina
têm sido afetados por um volume de chuva excepcional, que tem causado enchentes
e, consequentemente, a perda de propriedades e ameaçado a população”, apontou.
Algumas
das razões do agravamento das crises hídricas no país e no mundo nas últimas
décadas apontadas pelo pesquisador são o aumento da população em áreas urbanas,
que demandam grandes volumes de água e produzem enormes quantidades de resíduos
sólidos e líquidos, além da competição pelo uso do recurso natural.
Os
recursos hídricos continentais, que representam apenas 2,7% do volume total de
água doce da Terra, são usados hoje para múltiplas atividades humanas, como
para produção industrial, agrícola e o abastecimento residencial.
E as
mudanças no uso da terra, como a conversão de áreas de floresta para a
plantação ou pecuária, têm afetado a evapotranspiração – a transpiração da
vegetação que mantém a água na atmosfera.
Essa
combinação de fatores tem causado a degradação da qualidade da água no mundo e
um aumento das enchentes e secas que afetam populações especialmente da
periferia das grandes metrópoles, ressaltou Tundisi.
“As
populações da periferia de cidades como São Paulo, Recife, Salvador, Fortaleza,
Nairóbi, Calcutá, Nova Délhi e Bangkok possuem uma grande vulnerabilidade aos
extremos hidrológicos e falta de acessibilidade à agua”, afirmou.
Enquanto
a população moradora no centro de áreas metropolitanas grandes e médias gasta
cerca de 1% de seus salários para adquirir água, as populações das periferias
usam aproximadamente 10% de seus recursos para ter acesso à água fornecida por
carros-pipa, apontou um estudo realizado em Cochabamba por pesquisadores
colaboradores do IIE, ilustrou Tundisi.
“Ainda
há cerca de 768 milhões de pessoas sem acesso a fontes adequadas de água e 2,5
bilhões de habitantes no planeta sem acesso a saneamento básico adequado. Isso
representa um grande fracasso da economia mundial”, avaliou.
Evolução
do problema
A
pedido da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(Unesco), o pesquisador realizou um estudo em que analisou a evolução dos
principais problemas que afetaram a qualidade da água nos últimos 150 anos.
No
começo da segunda metade do século 19 havia uma enorme contaminação das águas
de rios europeus pela falta de tratamento de esgoto, que começou a se agravar a
partir do início do século 20 com o aumento da população urbana, contou
Tundisi.
Em
1863, por exemplo, a rainha Vitória (1819-1901), da Inglaterra, foi pressionada
pelo Parlamento britânico a realizar a limpeza do rio Tâmisa, que banha Oxford
e Londres.
“O
mau cheiro das águas do rio, que passa próximo ao Parlamento britânico, fez com
que os membros da instituição pressionassem a rainha a despoluir o rio. Foi o
primeiro ato de limpeza de um rio feito no mundo”, disse Tundisi.
O
problema da poluição dos rios no mundo começou a se agravar no século 20 com o
aumento da produção industrial, que começou a produzir grandes quantidades de
metais pesados, contou o pesquisador.
Já a
partir da década de 1940, com as explosões atômicas, houve um aumento dos resíduos radioativos em corpos aquáticos, e em 1960 os lixões nas cidades
começaram a contaminar ainda mais as águas superficiais subterrâneas.
Mais
recentemente, a partir das últimas décadas, começou a ocorrer um processo de
degradação das águas relacionado a poluentes persistentes orgânicos, como
pesticidas, herbicidas e hormônios. E, no início do século 21, emergiram as
mudanças climáticas globais, resumiu Tundisi.
“Todos
esses processos que ocorreram em, aproximadamente, 150 anos nos países
industrializados, em países em desenvolvimento, como os BRICs, eles ocorreram
em cerca de 70 anos”, comparou.
“Houve
uma industrialização rápida nos países em desenvolvimento. Isso causou um
aumento da toxicidade da água, tanto superficiais como subterrâneas, além de
ter efeitos econômicos e na saúde humana, os quais muitos ainda são
desconhecidos”, afirmou.
Segundo
o pesquisador, os medicamentos e cosméticos utilizados pela população mundial
são lançados e dissolvidos pela água e não são retidos pelos sistemas de
tratamento hidrológico.
Recentemente
descobriu-se que estações de esgoto estão acumulando bactérias resistentes aos
antibióticos lançados na água, o que representa um problema de saúde pública,
apontou o pesquisador.
“Hoje,
para analisar todo o conjunto de substâncias dissolvidas na água é preciso ter
laboratórios com equipamento altamente sofisticados, que são muito caros e não
são todos os países que conseguiriam adquiri-los”, afirmou.
“Temos
um projeto com a União Europeia em que sugerimos a instalação de laboratórios
nas Américas do Sul e Central para fazermos uma análise e levantamento das
substâncias presentes nas águas dos países dessas regiões e estudarmos soluções
para eliminá-las”, contou. (ecodebate)
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