Entidades do semiárido brasileiro criticam novo
modelo de cisternas feito de plástico
Cisterna
de PVC
Pelos
caminhos do Semiárido brasileiro, a cor cinza e o material plástico destoam do
cenário tipicamente sertanejo. Reservatórios de água feitos de polietileno são
instalados nas casas das famílias como uma opção simples e rápida para o
armazenamento de água, no lugar das cisternas de placas. O projeto, encampado
pelo Ministério da Integração Nacional dentro do programa Água para Todos, tem
como objetivo acelerar a instalação de sistemas de captação de água no
Semiárido brasileiro.
A
aposentada Edite Soares de Azevedo, que mora na comunidade São João, em
Crateús, foi uma das beneficiadas e considera a cisterna “o melhor presente”
que já ganhou. Cuidadosa, ela mandou lavar a cisterna antes das chuvas deste
ano, que a encheram completamente, mas a pessoa que executou o serviço pisou no
tampo do reservatório e deixou um lado amassado. “Eu tenho muito ciúme dessa
cisterna. Todo mundo é muito feliz com essa benção. Eu economizo muito essa
água, dou muito valor.” A cisterna fica na lateral da casa, sob a sombra de uma
árvore. Mesmo assim, Edite quer construir uma coberta para preservar o material
plástico do sol forte. A indicação é feita pelo Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Crateús para que os reservatórios durem mais, uma vez que há relatos
de cisternas de polietileno que deformaram devido ao calor.
O
agricultor Leônidas Moreno dos Santos foi um dos que fizeram uma coberta de
alvenaria para o reservatório, que chegou há pouco mais de um ano na sua casa.
“O encarregado da empresa que instalou disse que, se a gente cobrisse, era
melhor. A cisterna engelhou antes de encher, mas depois que encheu eu cavei
mais um pouco [a vala onde foi instalada] e ela voltou ao normal.” A bomba
manual, no entanto, já quebrou e a família providenciou um balde para pegar
água no reservatório. “A bomba não funciona, mas, de qualquer maneira, está bom
só de termos a cisterna.”
A
instalação de uma cisterna de polietileno envolve, pelo menos, dois momentos:
um em que se cava a vala para receber o reservatório e outro em que os itens
são instalados. Deveria ser um processo rápido, mas na casa de Leônidas
passaram-se meses entre uma fase e a outra. “Perdemos algumas chuvas de 2014.
Foi um ano difícil. Chegamos a passar um dia sem comer porque não tinha água”,
relata a esposa, Ivonete Alves Moreno. No Ceará, 2015 é o quarto ano seguido de
seca.
Além
da desconfiança sobre a qualidade do material, diversas entidades criticam o
novo modelo de cisternas pelo fato de elas quebrarem a lógica da mobilização
das comunidades na construção, no manejo e na manutenção dos reservatórios.
“Com
R$ 2,5 mil, a gente consegue construir a cisterna de placas com o processo de
formação junto. Já a cisterna de polietileno custa cerca de R$ 6 mil, além do custo
do transporte para levá-las às comunidades, e não gera renda local. Uma empresa
é contratada, chega e instala. Não tem o processo de formação, mas sim de
entrega. Isso quebra toda a lógica de mobilização social que a gente tem feito
nos últimos anos. Volta toda aquela história da indústria da seca”, comenta o
coordenador de projetos da Cáritas de Crateús, Adriano Leitão, acrescentando
ainda a preocupação com a sustentabilidade. Ele prevê que, por serem de
material plástico, as cisternas que forem estragando ao longo dos anos vão
virar lixo.
O
professor da Universidade Federal do Semiárido (Ufersa), Joaquim Pinheiro,
reitera essa opinião e considera que o projeto de instalação de cisternas de
polietileno desrespeita a trajetória das entidades envolvidas nos projetos de
construção das cisternas de placas. “Nem sempre o menos trabalhoso é melhor. A
cisterna de polietileno desconstrói toda a metodologia da participação, dos
beneficiários terem conhecimento sobre como faz a cisterna. Com essa outra
cisterna, as pessoas não sabem como resolver se der um problema. Parece uma
solução mais fácil, mas, do ponto de vista de, através de uma tecnologia, você
construir um processo educativo, a cisterna de polietileno não dá
contribuições.”
O
secretário nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do
Desenvolvimento Social, Arnoldo de Campos, reconhece que a tecnologia de placas
é mais vantajosa tanto pelo preço menor envolvido na sua construção como pela
mobilização das comunidades. No entanto, ele considera que a chegada do
Ministério da Integração Nacional com o modelo de cisternas de polietileno
acelerou a capacidade de instalação de reservatórios no Semiárido. “O debate
colocado pela sociedade é legítimo e o próprio ministério faz a opção pela
tecnologia de placas. No entanto, dentro da urgência, as pessoas não podem
esperar. Você imagine uma família sem esse equipamento esperando o MDS chegar.
Acho que chegaríamos, com certeza, mas com o apoio do Ministério da Integração
chegamos a muito mais famílias em uma velocidade muito maior.”
Já o
ministro da Integração Nacional, Gilberto Occhi, disse que vai procurar os
órgãos envolvidos na instalação das cisternas de polietileno para avaliar a
execução e a qualidade das obras. “Nós temos um papel de fiscalizador, já que é
o governo federal que faz o investimento. Todos os que participaram desse
grande empreendimento são responsáveis. Vamos corrigir falhas para a
continuidade do programa e também trabalhar para que elas não se repitam.”
(ecodebate)
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