Setembro/2016 – Açude
Castanhão, um dos três maiores do estado do Ceará.
A
seca atual que aflige o Nordeste iniciou em 2012 e se intensificou desde então.
Ela já dura cinco anos e é considerada a mais severa em várias décadas. A
intensidade e a persistência da atual estiagem podem ser indícios de que os
extremos da variabilidade climática já começaram a cobrar a sua fatura no
Nordeste brasileiro. E a conta pode aumentar se esses extremos passarem a ser
mais frequentes e intensos em cenários de mudanças climáticas nas próximas
décadas.
“As
projeções de clima geradas pelos modelos climáticos sugerem que, daqui para a
frente, as estiagens mais severas e prolongadas tenderão a ser a regra, não
mais a exceção, porém a incertezas de ter este cenário futuro ainda existe”,
afirma o hidrologista e meteorologista José Antonio Marengo,
do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden)
em Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo.
Estas
são algumas das conclusões do artigo “Drought in Northeast Brazil – past,
present, and future”, publicado
em Theoretical and Applied Climatology,
assinado por Marengo e pelos meteorologistas Roger Rodrigues Torres, da
Universidade Federal de Itajubá, e Lincoln Muniz Alves, do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (INPE).
A
pesquisa utilizou a ferramenta PULSE-Brazil (Platform for Understanding
Long-term Sustainability of Ecosystems), desenvolvida no âmbito do projeto
Impact of climate extremes on ecosystem and human health in Brazil (PULSE-Brazil),
apoiado pela FAPESP e pelo Natural Environment Research Council (NERC), do
Reino Unido (Leia mais sobre a
pesquisa em agencia.fapesp.br/19116/).
Projeções de clima sugerem que estiagens mais severas e prolongadas tenderão a ser a regra no Nordeste
As decisões da COP-21 poderiam ajudar a reduzir o
aquecimento global e amenizar seus impactos.
Os
pesquisadores basearam o estudo em projeções climáticas estimadas a partir da
aplicação ao Nordeste dos modelos climáticos globais do 5º Relatório de
Avaliação (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),
de 2014.
A
seca é um fenômeno natural no Nordeste. Há relatos da sua incidência desde o
século 16, ou seja, desde o início da colonização do país. O clima hoje é
semiárido, mas no futuro poderá não ser mais. Em outras palavras, o sertão pode
se tornar uma zona árida e favorecer um processo de desertificação na região,
afirma Marengo.
A
época das chuvas no Nordeste acontece entre os meses de março e maio. É nesse
período que a precipitação fornece a água que irá ser armazenada nos milhares
de cisternas espalhadas pela região, água guardada pelos pequenos agricultores
para os meses de estiagem.
Atualmente,
durante os meses chuvosos não chove todos os dias. Há intervalos sem
precipitação que duram de cinco a seis dias. O que as projeções indicam é que,
durante o período chuvoso, esses intervalos “secos” tenderão a ser mais
numerosos e mais longos. No futuro, os “veranicos” poderão se estender por até
40 dias. Ou seja, a quantidade de precipitação nos meses chuvosos tenderá a ser
menor do que a atual.
Isso
irá impactar diretamente na quantidade de água que poderá ser armazenada no
solo e nas cisternas. Menos dias de chuva se traduzem em menos água nas
cisternas e no solo que tende a ressecar, com prejuízo para a vegetação do
semiárido, adaptada a um volume sazonal de chuvas que se torna mais
deficiente.
De
acordo com as projeções, menos chuva significa também dias mais quentes. Esse é
um processo que já vem acontecendo há muito tempo. De acordo com Marengo, as
projeções passadas indicam que a temperatura média no Nordeste já aumentou 0,8°C entre 1900 e 2000.
Foram
feitas projeções para estimar as alterações no índice de chuvas e nas
temperaturas médias do Nordeste tanto ao longo do século 20 quanto até o final
do século 21. O aquecimento vai aumentar. Na melhor das hipóteses, as projeções
apontam para uma elevação nas temperaturas médias de outros 2°C centígrados
até 2040, o que poderia também estar acompanhado de períodos secos mais intensos
e longos.
No
pior dos cenários, o aumento das temperaturas prosseguirá até pelo menos o fim
do século 21. Isso fará com que, em 2100, as temperaturas nordestinas sejam em
média até 4,4°C superiores às atuais. Nestas condições, se medidas governamentais
sérias e imediatas não forem tomadas para, por exemplo, conter os
desmatamentos, o sertão pode virar um grande deserto, alerta Marengo.
“As
decisões da COP-21 de Paris em relação à redução nas emissões de gases de
efeito estufa em todo o mundo poderiam ajudar a reduzir o aquecimentos a níveis
inferiores a 2°C nas próximas décadas, e isso poderia amenizar os impactos do
aquecimento global, pois com aquecimento projeto de 4.4°C ate 2100 na região
podem trazer consequências desastrosas para a população do Nordeste”, diz
Marengo.
Com
menos chuvas e mais calor ao longo do ano, a vegetação típica da caatinga
tenderá a ser gradualmente substituída pelas cactáceas, que são vegetação
típica de desertos. O impacto disso para a agricultura, principalmente a familiar
e de subsistência, será incomensurável.
O
Nordeste ocupa18% do território nacional. Ali vivem 53 milhões de pessoas.
Segundo Marengo, o semiárido nordestino já é a região seca mais densamente
povoada do planeta, com 34 habitantes por quilômetro quadrado. As mudanças
climáticas cobrarão do Nordeste um preço salgado. Sera inevitável? “Hoje só
temos uma certeza”, diz o pesquisador. “A de que no futuro os períodos de seca
serão mais longos e mais quentes.” (ecodebate)
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