“Se a economia crescente do descarte e do desperdício imediato dos bens
continuar, iremos entregar a Terra
ainda banhada em sol apenas à vida bacteriana” - Nicholas Georgescu-Roegen
(1969)
O
mundo alcançou 1 bilhão de habitantes, aproximadamente, no ano de 1800.
Duplicou para 2 bilhões em 1927. Na virada do milênio, no ano 2000, atingiu a
cifra de 6 bilhões de pessoas e chegou a 7 bilhões em 2011. Relatório da
Population Reference Bureau (PRB), divulgado em agosto de 2016, estima que a
população mundial atingirá 10 bilhões de habitantes em 2053.
Em
termos regionais, haverá um fosso demográfico e ritmos bem diferentes de
mudança, com a população da África Subsaariana mais do que dobrando de tamanho,
dos atuais 1,2 bilhão para os 2,5 bilhões em meados dos anos 2050, enquanto a
Europa – mesmo com as imigrações – deve diminuir de tamanho e a América Latina
deve alcançar o pico populacional e a estabilidade do crescimento em meados do
atual século.
Não
haverá mudança dos nomes dos 7 países mais populosos, mas haverá uma alteração
na ordem de localização do ranking. A China deve perder cerca de 34 milhões de
habitantes, passando de 1,378 bilhão em 2016 para 1,344 bilhão em 2050. A Índia
vai passar de 1,3 bilhão para 1,7 bilhão no mesmo período (vai crescer cerca de
dois Brasis). Portanto, a Índia vai ultrapassar a China e se tornará o país
mais populoso do mundo.
Os Estados Unidos devem se manter no terceiro
lugar. Mas a Indonésia que ocupa o quarto lugar atualmente deve cair para a
quinta posição em 2050 e o Brasil deve perder o quinto lugar e cair para o
sétimo posto no ranking dos países com maior volume de população. O Paquistão
vai permanecer no sexto lugar, mas passando de uma população de 203 milhões de
habitantes, em 2016, para 344 milhões em 2050. O maior salto será da Nigéria –
que vai ganhar 3 posições – passando do 7º lugar para o 4º lugar, em empate com
os Estados Unidos. A população da Nigéria que está atualmente em torno de 187
milhões deve pular para 398 milhões de habitantes em 2050.
Os
Estados Unidos serão o único país desenvolvido a apresentar um crescimento
demográfico significativo na primeira metade do século XXI, com um acrescimento
de 74 milhões de pessoas entre 2016 e 2050 (a maior parte deste crescimento em
função da imigração). Evidentemente, este processo vai agravar o impacto sobre
a degradação ambiental dos EUA e pressionar ainda mais o déficit ecológico
global.
Os
EUA possuem atualmente uma Pegada Ecológica per capita de 8,2 hectares globais
(gha) e biocapacidade per capita de 3,8 gha. A Pegada total está em torno de
2.610 bilhões de gha para uma biocapacidade total de 1.193,8 gha. Assim, a
Pegada americana é 2,2 vezes maior que a biocapacidade, representando um
déficit de 220%. Evidentemente, o modelo americano é insustentável e só
sobrecarrega o resto do mundo.
Mas
os países pobres e populosos também possuem alto déficit ecológico. A Pegada
Ecológica total da Índia está em torno de 1,435 bilhão de gha, para uma
biocapacidade de 560 milhões de gha, então a Índia apresentou grande déficit
ambiental. A Pegada Ecológica total da índia era mais do dobro da biocapacidade
total e o déficit ambiental está crescendo e tende a aumentar com o crescimento
demoeconômico do país. A Índia já é o terceiro maior emissor de gases de efeito
estufa (GEE) do mundo e tem resistido muito em colocar em prática as metas de
descarbonização do Acordo de Paris da COP-21, embora tenha prometido ratificar
o Acordo de Paris no dia 02 de outubro, aniversário de nascimento de Mahatma
Gandhi.
Dos
7 países em questão, apenas o Brasil possui atualmente superávit ambiental, com
pegada per capita de 3,1 gha e biocapacidade per capita de 9,1 gha. A Indonésia
tem pegada de 1,6 gha e biocapacidade de 1,3 gha. O Paquistão tem pegada de 0,8
gha e biocapacidade de 0,4 gha e a Nigéria tem pegada ecológica per capita de
1,2 gha e biocapacidade per capita de 0,7 gha. Portanto, só o Brasil está no
verde e os demais países estão no vermelho do déficit ecológico. E o quadro vai
ficar muito pior em 2050 quando o tamanho da população e da economia for muito
maior.
De
fato, o mundo está em uma encruzilhada, pois existem muitos países ricos que
continuam consumindo além da conta e muitos países pobres, com populações
crescentes, que precisariam de mais recursos para reduzir a pobreza e melhorar
o padrão de consumo. Evidentemente, a redução das desigualdades de renda e
riqueza (patrimônio) poderia aliviar as condições de subnutrição e subconsumo.
Porém, mesmo numa situação hipotética de perfeita distribuição de renda a
pegada ecológica média do mundo já é maior do que a biocapacidade média. O
mundo tinha, em 2012, uma biocapacidade total de 12,2 bilhões de hectares
globais, mas tinha uma pegada ecológica de 20,1 bilhões de hectares globais.
Portanto, a pegada ecológica ultrapassava a biocapacidade em 64%. A humanidade
já consome 1,64 Planetas e já se encontra no “cheque especial”, dilapidando a
herança deixada pela Mãe Natureza.
A
situação atual é insustentável. Por um lado, os países ricos (com cerca de 1,2
bilhão de habitantes) consome além do necessário para uma vida descente e
digna. De outro lado, muitos países pobres e em desenvolvimento consomem aquém
das necessidades para obter uma vida descente e digna, mas possuem populações
enormes (como Índia, Paquistão, Nigéria, etc.) e, mesmo com baixo consumo per
capita, possuem alto consumo agregado e incapaz de ser atendido pela
biocapacidade nacional.
Tudo
isto mostra que a escala das atividades antrópicas já ultrapassou os limites
fundamentais da sustentabilidade e há, por exemplo, uma crise hídrica pela
frente. O mundo já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta, gerando uma
sobrecarga ecológica. Já ultrapassou também as fronteiras planetárias (Alves,
06/02/2015), inclusive o aquecimento global que é uma ameaça concreta e
crescente. Para evitar o colapso ambiental é preciso reduzir a pegada ecológica
e para evitar as injustiças sociais é preciso reduzir os níveis de
desigualdade. Porém, a solução não pode ser o crescimento econômico ilimitado
com crescente extração de recursos do meio ambiente. Crescimento econômico
ilimitado é impossível diante do fluxo metabólico entrópico. Ao contrário, será
necessário não só o decrescimento da população mundial, mas também o decrescimento
do padrão de consumo médio das pessoas, com equidade social.
A
modernidade urbano-industrial cresceu ampliando a acumulação de capital e
incorporando matérias-primas, energia e gente no processo produtivo. O
crescimento do capital físico e da população é vital para o sistema
capitalista, assim como o sangue é vital para o vampiro. O sistema de produção
hegemônico produz e distribui (não de maneira justa) bens e serviços, a partir
da exploração da natureza e dos trabalhadores. Em troca, o capitalismo oferece
para as pessoas “pão e circo”, mas para a natureza só oferece degradação,
defloramento e lixo.
O
ser humano não tem uma relação simbiótica com a natureza. As abelhas, por
exemplo, sugam a seiva das flores, mas não as destroem. Ao contrário, elas são
polinizadoras. Quanto mais abelhas tirarem sua subsistência das flores, mais
flores nascerão do processo de polinização. Mas o ser humano tem uma relação
parasitária com a natureza, pois para se multiplicar causa prejuízo a outras
espécies e aos ecossistemas hospedeiros. A espécie humana é do gênero
ectoparasita.
Mas
independentemente de qual espécie for, uma regra básica deve ser respeitada e o
parasita não pode matar o hospedeiro. Com o processo de globalização, a
exploração desenfreada da natureza ultrapassou a capacidade de carga do
Planeta. E o mais grave é que a destruição do meio ambiente continua em ritmo
assustador no século XXI. Só há um Planeta vivo e ele está sendo assassinado e
a caminho de se tornar estéril. O ser humano é um ectoparasita que está matando
o seu próprio hospedeiro. Vive do parasitismo ecológico e está provocando um
holocausto biológico. Mas deveria saber que o ecocídio é também um suicídio.
O
relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP, julho de
2016) mostra que a extração de recursos naturais globais aumentou três vezes
nos últimos 40 anos. A quantidade de matérias-primas extraídas do seio da
natureza subiu de 22 bilhões de toneladas em 1970 para 70 bilhões de toneladas
em 2010. O aumento do uso de materiais globais (input) acelerou rapidamente nos
anos 2000. O crescimento na extração de recursos naturais passou de 7 toneladas
per capita em 1970 para 10 toneladas per capita em 2010. A poluição, o lixo e
os resíduos sólidos (output) aumentou na mesma proporção.
Nos
últimos 20 anos, o mundo perdeu 3,3 milhões de quilômetros quadrados, ou quase
10%, das suas áreas de natureza não domesticada, isto é, regiões praticamente
intocadas pela ação humana, segundo cálculo do periódico científico “Current
Biology”. Trata-se de uma perda catastrófica da vida selvagem. Em artigo
publicado na revista Science, o biólogo americano Samuel Wasser mostra que
cerca de 50 mil elefantes africanos são caçados por criminosos a cada ano, para
uma população de 500 000 indivíduos. Uma taxa de 10% ao ano pode levar
rapidamente à extinção da espécie.
Artigo
publicado no blog #SavetheTrees mostra que o mundo planta 5 bilhões de árvores
por ano e desmata 15 bilhões de árvores. São duas árvores derrubadas para cada
habitante da Terra. É um verdadeiro holocausto biológico debaixo dos nossos
olhos!
O
crescimento das atividades antrópicas se acelerou nas últimas décadas até o
ponto de mudar a correlação de forças no Planeta, aumentando a proporção da
presença humana (áreas ecúmenas) e diminuindo as áreas anecúmenas, a proporção
das demais espécies e a biocapacidade. Herman Daly (2014) mostra que quando se
passa do planeta antropicamente vazio para o planeta cheio as externalidades
negativas tendem a superar os benefícios da produção. Ele diz: “Teremos, então,
o que denomino crescimento deseconômico, produzindo ‘males’ mais rapidamente do
que bens – tornando-nos mais pobres, e não mais ricos”.
Na
mesma linha de pensamento, o sociólogo alemão Ulrich Beck, no livro “Sociedade
de Risco”, considera que na modernidade desenvolvida (ou modernidade tardia)
prevalece a lógica do perigo: “Não é a falha que produz a catástrofe, mas os
sistemas que transformam a humanidade do erro em inconcebíveis forças
destrutivas” (Beck, 2010, p. 8). Para Beck, a natureza não pode mais ser
concebida sem a sociedade e a sociedade (e a população) não mais sem a
natureza. A destruição da natureza passa “a ser elemento constitutivo da
dinâmica social, econômica e política. O imprevisto efeito colateral da
socialização da natureza é a socialização das destruições e ameaças incidentes
sobre a natureza” (p. 98). Da mesma forma que Herman Daly distingue mundo cheio
e vazio, Beck distingue dois momentos da modernidade: “O que estava em jogo no
velho conflito industrial do trabalho contra o capital eram positividades:
lucros, prosperidade, bens de consumo. No novo conflito ecológico, por outro
lado, o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças”.
Ou
seja, tanto na perspectiva de Daly (2014) quanto de Beck (2010), a humanidade
já ultrapassou a capacidade de carga e está explorando o meio ambiente a uma
taxa mais alta do que a capacidade de regeneração natural dos ecossistemas.
Neste cenário que necessita ser redirecionado, não custa lembrar as ideias do
livro “O Declínio Próspero” de Howard e Elisabeth Odum (2013), que defendem o
declínio das atividades antrópicas com prosperidade humana e ambiental. Não faz
sentido aumentar o estoque de pessoas no mundo para correr riscos e agravar a
crise ambiental. Neste quadro, seria irresponsabilidade as políticas públicas
continuarem apoiando o crescimento demoeconômico e a ideologia antropocêntrica
em detrimento da perspectiva ecocêntrica e da sobrevivência da comunidade
biótica.
Por
isto, o livro Enough is Enough (2010) mostra que uma economia em constante
crescimento está destinada ao fracasso. Os autores consideram que a economia é
um subsistema da ecologia e o transumo (throughput) funciona a partir da
extração de matérias e energias da natureza e o descarte de lixo, poluição e
resíduos sólidos no meio ambiente. Uma vez que vivemos num planeta finito, com
espaço e recursos limitados, não é possível que a economia e a população
cresçam para sempre. O livro defende uma economia de Estado Estacionário.
Mas
se a economia e a população já ultrapassaram a capacidade de carga do Planeta,
então deve haver decrescimento até o ponto que o Estado Estacionário mantenha
um equilíbrio sustentável. Como escrevi em outro artigo (Alves, 20/07/2016): “A
natureza não depende da sociedade, a sociedade depende da natureza. O lema do
debate sobre população e desenvolvimento no século XXI deveria ser: menos
gente, menos consumo, menor desigualdade social e maior qualidade de vida
humana e ambiental”.
Os
direitos humanos devem estar em sintonia dialética com os direitos ambientais e
o bem-estar das espécies não humanas. Friedrich Engels dizia que a dialética
significa mudança e contradição. Ele falava também da transformação da
quantidade em qualidade. Por exemplo, a água ao esquentar muda de estado do
gelo para o líquido e do líquido para o gasoso. Fazendo um paralelo, a
humanidade aumentou tanto a quantidade de intervenções antrópicas no Planeta
que houve uma mudança qualitativa do superávit para o déficit ambiental. A
partir de certo grau de desenvolvimento econômico houve um ponto de mutação
(state shift) e os danos ficaram maiores do que os ganhos. O abuso suplantou o
uso no modelo de crescimento ilimitado e de progresso unidimensional.
Desta
forma, é preciso um novo ponto de mutação em sentido reverso. Do crescimento
demoeconômico para o decrescimento demoeconômico. A humanidade precisa sair do
déficit ecológico e voltar ao superávit ambiental, resgatando as reservas
naturais, para o bem de todos os seres vivos da Terra, pois o ecocídio significará
também um suicídio para a humanidade. A atual escala da presença humana na
Terra é insustentável. Aumentar ainda mais esta escala é irracional e
arriscado. Assim, o raciocínio auto evidente indica que é inviável manter o
crescimento da população humana com base na redução populacional das demais
espécies e no definhamento dos ecossistemas e da biodiversidade. É impossível
uma espécie ser feliz sozinha! (ecodebate)
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