Projeto da FAU/USP, para rios paulistanos, alia usos múltiplos das águas, do lazer à macrodrenagem.
Proposta
prevê implantação de parques em orlas fluviais e a criação de lagos nas
nascentes e foz de rios como alternativa para prevenção contra enchentes
Pesquisa
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP propõe uma série de
intervenções para as orlas fluviais de três rios da cidade de São Paulo. O
trabalho da arquiteta Eloísa Balieiro Ikeda prevê a construção de dois níveis
de cais ao longo do canal Pinheiros, com passeios para pedestres e áreas
arborizadas em ambos os espaços, a implantação de bulevares às margens do
ribeirão Jaguaré e de parques e lagos no córrego Água Podre. Os parques
proporcionariam uma opção de lazer para a população e os lagos, além da
composição de paisagens urbanas com qualidade, reteriam as águas das chuvas,
realizando a macrodrenagem de maneira sistêmica, ao longo de cada afluente, e
prevenindo inundações.
A
base do projeto, desenvolvido no Grupo Metrópole Fluvial da FAU, é o Estudo
de pré-viabilidade do Hidroanel Metropolitano de São Paulo, apresentado em
2011 e coordenado pelo professor Alexandre Delijaicov, orientador da pesquisa.
“Tendo essa proposta como eixo, os pesquisadores do grupo desenvolvem projetos
e aprofundam conceitos relacionados à arquitetura de infraestrutura urbana
fluvial”, conta a arquiteta. “Há no Brasil uma carência de projetos que reconheçam
o papel dos rios como estruturadores urbanos que devem ser o logradouro público
principal, um ambiente de convergência e encontro, a identidade de um lugar,
que orienta as pessoas na cidade.”
Esquema de Infraestrutura
Azul e Verde: Águas Fluviais e Parques/Praças/Jardins.
O
projeto elaborado na pesquisa abrange as orlas fluviais do canal do Pinheiros
inferior, que vai da barragem da Traição até a barragem do Retiro, próximo da
confluência com o Rio Tietê. “Foram escolhidos três rios para o desenvolvimento
do projeto e pesquisa, o Pinheiros, um de seus afluentes, o Jaguaré, e o Água
Podre, afluente do Jaguaré”, explica Eloísa. “São três escalas distintas de
cursos d’água e de orlas fluviais, de modo a demonstrar a possibilidade de
irradiação de desenvolvimento urbano a partir dessa ramificação de eixos de
infraestrutura.”
No
canal Pinheiros, a proposta prevê um tipo de intervenção comum em rios que
cortam cidades na Europa, que é a construção de um cais alto, ou seja, de um
novo térreo para a cidade. “Em Paris, por exemplo, o Rio Sena possui um cais
baixo, próximo ao nível d’água do rio, e um cais alto construído alguns metros
acima, que está no nível da malha urbana que tem uma continuidade em ambas as
margens do rio, transpondo-o em nível, sem a necessidade de subir e descer
pontes”, conta a arquiteta.
No
caso do Pinheiros, as vias expressas, as marginais, seriam mantidas no nível do
cais baixo. Sobre essas vias seria construído o novo térreo da cidade, no nível
do cais alto. “Esse novo térreo teria um uso urbano adequado, oposto ao das
vias expressas exclusivas para veículos, com bulevares arborizados com
generosos passeios para pedestres ao longo de todo o canal. Assim, as pessoas
teriam espaço para passeio no cais baixo, próximo ao rio, e também nos
bulevares do cais alto”, descreve Eloisa. “No nível do cais baixo, voltado para
o canal, seriam reservadas áreas para bares, restaurantes, comércio em geral,
com arcadas e varandas voltadas para o rio.”
Corte do canal Pinheiros na
altura da ponte que conecta a Raia Olímpica da USP e o Parque Villa-Lobos.
Propõe-se que a área da Raia Olímpica da USP seja transformada em parque
público.
Bulevares
fluviais
O
Córrego Jaguaré, “encurralado” entre as pistas da Avenida Escola Politécnica, apresenta
algumas partes fechadas. “O projeto prevê que todo o canal seja reaberto e ao
longo das orlas imediatas sejam implantados bulevares fluviais e áreas
acessíveis para passeio conjugadas ao córrego”, aponta a arquiteta. “O canal,
ou o córrego aberto, é o eixo de um feixe de infraestrutura, composto de
túneis-canais que captam separadamente as águas de chuva e esgotos, impedindo a
contaminação das águas fluviais.”
O
Córrego da Água Podre tem parte de seu percurso aberto, e na região das
nascentes há um lago, na área pertencente ao Centro de Ensino Unificado (CEU)
Butantã. “Neste caso o canal seria totalmente reaberto, parques e lagos seriam
implantados no trecho das nascentes, foz e ao longo do canal, ocupando áreas
públicas livres do próprio leito maior do ribeirão e também terrenos
desocupados”, conta Eloisa. “As ruas nas margens do Água Podre são bastante
estreitas, o que exigiria um redesenho para torná-las espaços compartilhados
entre pedestres, veículos, árvores, áreas de estar com bancos e outros
mobiliários urbanos.”
Córrego Água Podre
A
arquiteta observa que o aproveitamento dos usos múltiplos das águas, conforme
prevê a Política Nacional de Recursos Hídricos, pode ser feito em todos os rios
de São Paulo. “Além dos lagos, que retêm água, proporcionando uma drenagem
descentralizada em substituição aos piscinões, os parques são uma opção de
lazer, o que é atualmente um uso ignorado”, ressalta. “Os rios tornaram-se
barreiras urbanas, esgotos a céu aberto, leitos inacessíveis e indesejados.
Essa é uma cultura de construção de cidade insustentável que deve ser
transformada.”
De
acordo com Eloísa, apesar de o projeto elaborado na pesquisa não ter se
aprofundado na questão da navegação fluvial, ela está presente na proposição do
Hidroanel. “Ela seria utilizada no transporte de grandes volumes de cargas
públicas, em especial resíduos urbanos, como lixo, entulho, lodo, ou o próprio
sedimento de dragagem dos rios”, afirma. “Inclusive, a navegação é o que
financeiramente viabiliza a construção do Hidroanel.” A pesquisa é descrita em dissertação
de mestrado apresentada na FAU.
A
proposta do Hidroanel, que interliga os rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí,
além das represas Billings, Guarapiranga e Taiaçupeba, surgiu a partir de uma
demanda do governo do Estado. Posteriormente, um estudo do Instituto de
Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo demonstrou a viabilidade financeira
do projeto, que inclui a construção de um canal ligando as represas Billings e
Taiaçupeba, entre as cidades de Ribeirão Pires e Suzano. No entanto, apenas
algumas iniciativas isoladas estão em execução, como a construção da eclusa da
Penha, no Rio Tietê. (ecodebate)
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