Excesso de fungos em lixo
reciclável coloca em risco saúde de catadores.
Assista ao vídeo Fungos na
Coleta Seletiva em https://www.youtube.com/watch?v=QsNpdGMyd5w.
Análise
do ar em circulação em cinco ambientes de três cooperativas de São Paulo indica
níveis de fungos acima do recomendado pelas legislações nacional e
internacional.
Para
tirar sua renda do lixo, catadores de recicláveis precisam revirar sacos
contendo plásticos, papelões, latas de alumínio e vidros e separar esses
materiais por tipo, para depois vender a empresas especializadas. Durante esta
manipulação, porém, eles podem acabar expostos a substâncias e organismos
prejudiciais à saúde humana. Entre as ameaças estão altas concentrações de
fungos que causam doenças respiratórias e de pele.
No
Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) determina como
limite para a presença de fungos em ambiente fechado a medida de 750 Unidades
Formadoras de Colônia por Metros Cúbicos (UFC/m3). Ao analisar o ar
circulante em cinco ambientes de três cooperativas de reciclagem da cidade de
São Paulo, a farmacêutica Gisele Ferreira de Souza chegou a encontrar 751 UFC/m3
em uma das esteiras (local onde os materiais passam durante a triagem de
materiais).
Parece
pouco, mas a pesquisadora adverte: é preciso rever os índices
da legislação nacional. “As legislações internacionais são atualizadas
regularmente e apresentam limites bem inferiores aos da ANVISA. A Organização
Mundial de Saúde determina 500 UFC/m3. E a American Conference
of Governmental Industrial Hygienists determina 250 UFC/m³. Ou seja, a
quantidade de fungos encontrada na esteira de uma das cooperativas de São Paulo
foi três vezes maior que o permitido”, alerta Gisele. Das 15 amostras
analisadas, 14 apresentaram resultados superiores a 250 UFC/m3.
Catadores recebem da
Prefeitura de São Paulo equipamentos de proteção individual (EPIs) como
máscara, bota e luva, mas nem todos se adaptam ao uso.
Os
dados foram obtidos durante a tese de doutorado Avaliação
ambiental nas cooperativas de materiais recicláveis, defendida por Gisele
em 2015 na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), sob a orientação do professor
Nelson da Cruz Gouveia.
A quantidade de fungos encontrada na esteira de uma
das cooperativas de São Paulo foi três vezes maior que o permitido em
legislações internacionais.
Monitoramento
do ar
Foram
visitadas 11 cooperativas e em três delas foi realizado o monitoramento do ar:
a Cooperação, na Vila Leopoldina, a Cooper Viva Bem, na Água Branca, e a
Coopere, no Centro. A pesquisadora utilizou um aparelho chamado
amostrador, que suga o ar do ambiente, e que foi colocado em cinco pontos nas
três cooperativas, sempre na altura dos narizes dos catadores (cerca de 1,5
metros do solo): cozinha, escritório, prensa, esteira e sala de resíduos
eletroeletrônicos.
As coletas
foram realizadas de agosto de 2013 a julho de 2014. Após exposição por 10
minutos, durante cinco dias, as amostras foram fechadas e enviadas ao
Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP
para análise. O procedimento foi executado por profissionais, em parceria com a
Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo
(Cetesb), o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), a
Fundação Jorge Duprat e Figueiredo (Fundacentro) e o Instituto Adolfo Lutz.
Foi
constatada a presença dos fungos Aspergillus spp., Fusarium spp.,
Penicillium spp., Cladosporium ssp., Nigrospora ssp., Rhizopus
ssp., Mucor spp., e fungos não esporulados. Os três
primeiros são toxigênicos (ao decompor um alimento, eles podem liberar
micotoxinas, substâncias químicas tóxicas para o ser humano). O mais tóxico é o
Aspergillus spp. e foi exatamente este o fungo mais encontrado nas
amostras: ele causa arpergilose, doença que gera problemas respiratórios e na
pele. Já o Mucor spp. não é toxigênico.
Gisele
explica que as cooperativas são associadas à Prefeitura de São Paulo e todas
recebem equipamentos de proteção individual (EPIs) como máscara, bota e luva.
Mas os catadores não se adaptam e poucos utilizam. “Eles falam que a luva e a
máscara são quentes, que a luva faz perder a sensibilidade do tato, o que os
leva a produzir menos e, com isso, ganhar menos. Mas a bota ainda conseguem
utilizar”, informa.
A pesquisadora também analisou a presença de
metais na poeira depositada no solo de alguns pontos das cooperativas mas os
resultados indicaram baixíssima presença desses metais. Todas essas
cooperativas participaram do curso Eco-Eletro, desenvolvido
pelo Laboratório de Sustentabilidade (Lassu) da Escola Politécnica (Poli) da
USP em parceria com o Instituto GEA Ética e Meio Ambiente, e que ensina a
desmontagem segura e rentável de eletroeletrônicos. “Acredito que esses
resultados são decorrentes do curso Eco-eletro. Os catadores não quebram e nem
aquecem os eletroeletrônicos, somente desmontam os equipamentos.
Ao fazer o descarte, é
recomendável limpar as embalagens e deixá-las sem restos de alimentos, pois
isso leva à proliferação de fungos.
Gisele também aplicou
questionários em que os catadores responderam sobre dados gerais, hábitos
alimentares, condição de saúde (presença de prurido ou alergias), etc.
“Constatamos muita dermatite de contato e problemas respiratórios, como tosse e
coriza”, conta. O estudo identificou uma população na faixa etária dos 40 anos,
com escolaridade de nível básico e maior participação de mulheres. As doenças
mais referidas foram as relacionadas ao sistema respiratório e doenças crônicas
não transmissíveis.
Para
a pesquisadora, é preciso melhorar a iluminação e a ventilação das cooperativas
e estimular o uso de EPIs. Medicamentos nunca devem ser descartados para
reciclagem e sim em pontos de coleta como descarte consciente. As embalagens
dever ser limpas, sem restos de alimentos, pois isso leva à proliferação de
fungos. “Vale lembrar que os ambientes das cooperativas são muito quentes e
úmidos, condições essenciais para o crescimento de muitos fungos que são
normalmente encontrados em alimentos”, enfatiza.
Micotoxinas
Gisele
recomenda que a população se evite o descarte de alimentos junto com os
recicláveis, pois podem estar contaminados com micotoxinas derivadas de
fungos. Em um outro estudo, realizado durante o mestrado defendido na
Universidade Estadual de Maringá, a farmacêutica analisou o plantio, a colheita
e o armazenamento de duas safras de amendoim, constatando que muitas amostras
estavam contaminadas por fungos já no armazenamento.
Atualmente,
a pesquisadora busca financiamento coletivo (crowfunding) para
desenvolver o protótipo de um aparelho capaz de eliminar as micotoxinas.
(ecodebate)
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