Precedida
por doze pré-romarias, em doze cidades do noroeste, norte e centro-oeste de
Minas, com a participação de seis mil pessoas, a 20ª Romaria das Águas e da
Terra de Minas Gerais teve sua celebração final em Unaí, no noroeste de Minas,
na Diocese de Paracatu, dia 23 de julho de 2017, com o tema: “Povos da Cidade e
do Sertão Clamando por Água, Terra e Pão”; e com o lema: “Povos, Rios, Veredas
e Nascentes são Dons de Deus em Romaria e Resistência”.
Percorrendo
os 12 municípios envolvidos diretamente na 20ª Romaria, constatamos o alto grau
de degradação do Bioma Cerrado e do ecossistema que o envolve, em uma região
considerada “caixa d’água” de Minas: rios secos ou com baixo volume de água,
devido ao uso abusivo de pivôs na irrigação de monoculturas de cana, soja,
milho, capim, além de extensas plantações de eucalipto e mineração devastadora.
A ênfase no agronegócio, que engorda a conta bancária de empresas e de alguns
privilegiados não esconde os malefícios advindos dessa política predatória:
contaminação do lençol freático e dos alimentos pelo uso de agrotóxicos;
espantoso aumento da incidência de câncer e de outras doenças em toda a região
noroeste de MG; morte de animais, extinção de espécies vegetais, seca
prolongada, desertificação, desemprego (devido ao alto grau de mecanização nas
grandes lavouras), conflitos agrários, violência no campo e nas cidades. Os rios
Urucuia, Paracatu e Preto estão à míngua e o Rio São Francisco por um
fio… Essas mesmas práticas acontecem em outras regiões de Minas Gerais e
do Brasil, com a cumplicidade do poder público/órgãos ambientais, afetando
outros biomas, esgotando e poluindo as águas, expulsando populações
ribeirinhas, indígenas, quilombolas, geraizeiros, vazanteiros e pescadores,
quebrando tradições e conhecimentos seculares.
Guimarães
Rosa dizia: “Meu rio de amor é o Urucuia”. Assim como os rios Preto, Paracatu e
São Miguel, no noroeste de Minas Gerais, o rio Urucuia está na UTI, pois está
sofrendo com o processo de assoreamento por parte do agronegócio e do
hidronegócio. A captação de água no rio Urucuia para irrigar monoculturas do
agronegócio é muito maior do que o que a COPASA capta para abastecer a
população da cidade de Buritis. Seu leito está secando devido à construção de
barragens e pivôs ao longo de seus afluentes, prejudicando o rio e a população
que necessita da sua água para trabalhar, beber e viver. Mas o rio não está
sozinho: “Na luta por liberdade / Você
não está sozinho / São milhares de pessoas / Que te têm muito carinho”.
Nas palavras de Jorge Augusto Xavier de Almeida, o Jorjão Sem Terra, preso
político em Unaí, MG, referindo-se tão carinhosamente, ao córrego Barriguda.
Impossível não associar a todas as fontes de água doce do nosso país.
Durante
a Caravana Cultural da 20ª Romaria das Águas e da Terra de Minas Gerais, com
sete shows “Eco-lógico”, dos cantores Carlos Farias e Wilson Dias, em sete
cidades do noroeste de MG, várias vezes, o violeiro Wilson Dias fez referência
a uma metáfora muito eloquente. Dizia ele: “Não sei se vocês já viram um roçado
pegando fogo. Quando o roçado pega fogo, os pássaros, em alvoroço, cantam e
gritam muito para alertar que algo muito perigoso está acontecendo. Sem o
roçado, os pássaros sabem que não terão futuro. Com tanta devastação ambiental,
nós violeiros juntamos nossas vozes para cantar e convocar todo mundo para
salvarmos o roçado que está pegando fogo. Nosso roçado é Minas Gerais, é o
Brasil, é o mundo. Os rios onde nadávamos na nossa infância já foram secados.
Com urgência, precisamos frear os processos de devastação. Basta de
monoculturas, de agronegócio, de hidronegócio. Cuidar dos olhos de água se
tornou necessário e vital para o futuro das próximas gerações.”
As
famílias de agricultores familiares dos 77 Assentamentos de reforma agrária do
noroeste de Minas estão encurraladas por grandes fazendas industriais
mecanizadas, em agricultura do agronegócio e do hidronegócio. Muitos desses
assentamentos estão precisando de caminhão-pipa para o fornecimento de água. Os
municípios de Unaí e Paracatu se tornaram os campeões do Brasil em número de
pivôs de irrigação e em área irrigada, mais de 120.903 mil hectares (Dados da
ANA, 2014). Em Unaí, em 2104, havia 663 pivôs irrigando 61.151 hectares de
lavouras. Em Paracatu, em 2014, havia 882 pivôs irrigando 59.752 hectares de
lavoura. O exagero de agrotóxico jogado na agricultura empresarial tem causado
uma “epidemia” de câncer, alzheimer e outras doenças.
Antigamente,
esperava-se chegar a chuva para plantar, mas agora os empresários do
agronegócio plantam várias vezes por ano lavouras irrigadas, captando água das
lagoas, dos córregos, dos rios e do lençol freático via poços artesianos. Só
que a captação está beneficiando apenas alguns proprietários empresários e
deixando milhares de famílias camponesas na dificuldade. Assim, a miséria está
se alastrando no campo e na cidade no noroeste de Minas.
O
que acontece no noroeste mineiro é que os grandes fazendeiros praticantes da
agricultura empresarial têm avançado na consolidação de seus projetos de
irrigação, de forma abusiva. Ocorre que se tornou rotina na região a construção
de barragens nas cabeceiras dos principais córregos, em nascentes e lagoas, com
o objetivo de captar água para a irrigação. Isso funciona com uma quantidade
enorme de água sem que eles sejam autorizados ou licenciados pelos órgãos
ambientais. E esses córregos são responsáveis pelo abastecimento dos rios Urucuia,
Preto, Paracatu e outros afluentes do rio São Francisco. O poder público/Estado
e os órgãos ambientais estão sendo cúmplices dessa devastação socioambiental.
Não fiscalizam e concedem licenças ambientais que na prática são usadas para se
captar muito mais água do que o permitido legalmente. A 20ª Romaria das Águas e
da Terra de Minas denunciou isso e anuncia que o caminho justo e ecologicamente
sustentável é reforma agrária, agricultura familiar agroecológica em comunhão
com preservação ambiental. Isso precisa ser garantido através de lutas
coletivas em nome da nossa responsabilidade socioambiental e geracional.
A
ONU reconheceu a água como um direito humano. “O espírito de Deus está nas
águas” (Gênesis 1,2). Logo, matar as nascentes de água ou contaminar a água é
matar o espírito vivificador. Água é fonte de vida, alertava a Campanha da
Fraternidade de 2004. Água é o sangue da terra. A terra sem água é um corpo sem
vida. Os córregos e rios são as artérias do grande corpo que é a Terra, Gaia.
Por amor à vida, à água, aos povos, a todos os organismos vivos e às próximas
gerações, é urgente o compromisso de todos para frear a imensa injustiça
hídrica que está em curso. A guerra pela água já iniciou. Feliz quem se
comprometer coletivamente com a revitalização de todas as nascentes e das
bacias hidrográficas! A luta pela água implica luta pela terra, luta pela
redução do agronegócio e das monoculturas dizimadoras das águas. Implica também
luta pela superação do modelo de Estado que temos: Estado cúmplice do sistema
do capital, com uma classe política profissional que faz o serviço sujo da
classe dominante.
Obs:
No link abaixo, vídeo ilustrativo da injustiça hídrica e do clamor por água: https://www.youtube.com/watch?v=4SSzzrbnn20 (ecodebate)
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