Venda dos recursos florestais brasileiros como compensação
para países com altas emissões de carbono gera discórdia na COP 23.
Floresta é riqueza, não moeda de troca.
Reconhecidamente,
as árvores capturam e absorvem carbono durante a fotossíntese. E o Brasil
possui a maior floresta tropical do mundo. Assim, o cálculo é de que, caso o
Brasil entre nesse mercado, as florestas nacionais podem render cerca de US$ 70 bilhões em dez anos. No entanto, atualmente a
legislação brasileira proíbe o uso da flora para compensar danos ao meio
ambiente causados por outros países ou por empresas.
Área de floresta em chamas
próxima a Itaituba, no Pará.
Os
representantes da delegação brasileira presentes na 23ª Conferência do Clima da
ONU (COP 23) estão divididos. O motivo é o posicionamento histórico do Brasil
de deixar suas florestas fora do mercado de carbono. Os mecanismos de
compensação de carbono, os chamados offsets,
permitem que empresas e países poluidores paguem por serviços ambientais e
ações que compensem os estragos feitos ao longo de décadas ao planeta.
De um lado
estão alguns políticos dos estados amazônicos, grandes empresas e
representantes de países nórdicos que querem precificar os “serviços
ambientais” prestados pelas florestas. De outro, ativistas socioambientais e o
corpo técnico dos ministérios do Meio Ambiente e de Relações Exteriores, que
chamam os offsets de
“falsa solução à crise do clima.”
O mercado
de carbono surgiu com o Protocolo de Quioto, tratado criado em 1997 e que
antecedeu o Acordo de Paris. A prática, no entanto, só passou a vigorar a
partir de 2005, quando mais da metade dos países signatários ratificaram o
acordo. Segundo a regra, cada tonelada de gás carbônico não emitida ou retirada
da atmosfera por um país em desenvolvimento pode ser negociada como “crédito”
junto a países que poluem mais. Esse recurso é chamado de offset, e as florestas são um desses
mecanismos de troca.
Sociedade civil contra o offset
Desde que
as primeiras propostas sobre o tema foram apresentadas, inúmeras organizações e
movimentos sociais, representantes de povos indígenas e outras comunidades
tradicionais no Brasil e no mundo vêm apontando preocupações e denunciando
os offsets florestais.
Outros atores, por sua vez, têm aproveitado o atual contexto nacional, com a
crise política e a turbulência econômica, e o momento-chave das negociações
internacionais, de implementação do Acordo de Paris, como pretexto para
demandar medidas a favor dessa proposta.
A 350.org,
junto com 50 outras organizações da sociedade civil brasileira, acredita que a
monetização das matas não resolve a questão climática global, uma vez que os
gases nocivos continuam sendo emitidos. Uma carta entregue em julho aos ministérios do Meio Ambiente e de
Relações Exteriores defende a manutenção do posicionamento do Brasil contra os offsets florestais, sob o
argumento de que “qualquer mudança nesse sentido colocaria em risco a
integridade ambiental do país e do planeta, além do cumprimento das
responsabilidades históricas por parte de países desenvolvidos, e a arquitetura
do Acordo de Paris.”
De acordo
com as entidades, o offset florestal
apresenta uma falsa solução para a crise climática, “porque é um jogo de soma
zero”, já que o montante de CO2 capturado pelas florestas não evita
que outros setores da economia, como o de energia, continuem emitindo, às vezes
muito mais, por meio de outras atividades.
Segundo
Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina, esse
tipo de compensação nunca é uma redução efetiva. ”Os mecanismos de offset dão a licença que a
indústria fóssil deseja para continuar promovendo a dependência energética
mundial em combustíveis sujos e altamente poluentes. Além disso, eles
transferem a responsabilidade sobre as emissões para povos indígenas,
populações tradicionais, agricultores familiares e camponeses, que também são
alvo da exploração e opressão petroleira.”
As
organizações signatárias também reforçam que a monetização das florestas aprofunda
e gera novas formas de desigualdade social, já que quem tem dinheiro e poder
pode pagar e continuar emitindo sem fazer a sua parte. A participação do Brasil
é fundamental nesse debate, já que o país é uma das maiores lideranças no
assunto florestal. Uma eventual mudança de posição teria repercussão mundial,
podendo influenciar não apenas os demais países amazônicos como também todos os
outros.
“Não basta
sermos ameaçados diariamente dentro de nossos próprios territórios por aqueles
que querem nossos recursos naturais, incentivando o desmatamento, a mineração e
a exploração de petróleo e gás, e colocando as vidas e as culturas das nossas
populações em risco. Agora também querem se aproveitar da nossa riqueza
florestal, usando nossas matas como moeda de troca. As empresas e países
poluidores têm que pagar pelo mal que fazem para o planeta, e não lucrar ainda
em cima disso”, afirmou Kretã Kaingang, liderança do Paraná e integrante da
coordenação-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Políticos amazônicos de olhos nos créditos
Apesar de
ter admitido durante a COP 21, em Marrakech, que os mecanismos de offset não são um consenso na
sociedade civil brasileira, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, se
posicionou do lado dos que defendem a entrada do Brasil no mercado de carbono.
No início de outubro, ele classificou como “serviços” as atividades florestais
de absorção do carbono e demandou uma recompensa financeira por isso, abrindo o
caminho para o discurso pró-mercado. O senador Jorge Viana (PT-AC), que preside
a Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional, segue a mesma
linha. Para ele, “a floresta precisa ser vista como um ativo econômico”.
Parlamentares
e governadores da região amazônica são a principal força política pela
liberação do crédito de carbono. Como a floresta amazônica é responsável por
boa parte do trabalho de absorção do CO2 do planeta, a entrada nesse
mercado de compensação funcionaria como uma valiosa fonte de recursos para os
estados da região.
De olho
nesse potencial orçamentário, o Fórum de Governadores da Amazônia Legal (que reúne autoridades do
Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e
Tocantins) prepara uma ofensiva pesada durante a COP, com objetivo de atrair
recursos via cooperação internacional e iniciativa privada.
“Os
compromissos assumidos pelos países no Acordo de Paris por si só já são
insuficientes e deixam o aquecimento global acima dos 2°C, intensificando ainda
mais o caos climático. É inaceitável que a indústria fóssil siga com seu modus operandi, poluindo,
contaminando e oprimindo com o aval dos governos e da sociedade, enquanto
deveríamos estar discutindo formas de energia livre, com geração local e justa,
sem impactos sociais ou ambientais”, defendeu Juliano Bueno de Araújo,
coordenador de campanhas climáticas da 350.org Brasil e fundador da COESUS –
Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida. (ecodebate)
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