Modelo computacional mostra que
savanas e campos abertos têm mais chances de resistir às alterações previstas
em temperatura e umidade.
Biomas sul-americanos representados a partir de dados
de satélite: floresta (verde), savana (amarelo) e campos abertos (rosa)
As florestas sul-americanas podem
sofrer mais intensamente com as mudanças climáticas do que o Cerrado ou os
campos abertos, de acordo com estudo publicado no final de março na
revista PLOS One.
“Eu não esperava encontrar esse resultado”, lamenta o biólogo Luciano dos
Anjos, professor da Universidade Federal Rural da Amazônia. Pode significar
que, diante das alterações já em curso – que envolvem aumento das temperaturas
e redução da umidade, assim como uma acentuação da sazonalidade – os
ecossistemas florestais não resistam e deem lugar a uma vegetação com menor
densidade, composta por árvores esparsas, arbustos e capins.
A hipótese da savanização da Amazônia, que prevê
a substituição da floresta por algo parecido com o bioma do Cerrado depois de
passado um ponto de não retorno no desmatamento, não é nova – foi proposta há
quase 30 anos pelo climatologista Carlos Nobre (ver Pesquisa FAPESP nº 167).
Mas a pesquisa do doutorado de Luciano dos Anjos, concluído no final de 2017 na
Universidade Federal do Pará, se concentrou em medir objetivamente a
resiliência dos ecossistemas terrestres e avaliar sua vulnerabilidade a
variações no clima. Para isso ele levou em conta imagens de satélite
registradas pelo sensor Modis em 2001 combinados com dados climáticos atuais,
para desenvolver um modelo computacional baseado no nicho ecológico ocupado
pelos ecossistemas. A ideia era examinar um retrato de floresta original, daí a
opção pelas imagens de 2001. De acordo com Anjos, os dados mais antigos não
tinham qualidade suficiente para esse tipo de análise.
Cada um dos quase 38 mil pontos
distribuídos por toda a América do Sul foi caracterizado pela presença ou não
de cobertura vegetal, assim como características de precipitação, temperatura e
sazonalidade. “Com base nisso, conseguimos avaliar o nicho ótimo para cada ecossistema”,
explica o pesquisador, que analisou o clima em que um tipo de vegetação é
encontrado. Quanto maior a amplitude dessas variáveis, maior seria sua
capacidade de adaptação. O modelo permitiu concluir que os campos são mais
resilientes – com boa capacidade de recuperação após uma perturbação – em
altitude e em ambientes áridos, enquanto o Cerrado se sai bem na diagonal que
vai do Nordeste brasileiro até a Argentina, assim como no extremo norte do
continente. As florestas, por sua vez, estão bem adaptadas na região
equatorial, onde está a Amazônia. A Mata Atlântica e as florestas de araucárias
do sul do país são mais frágeis. O biólogo alerta, porém, para um viés do
modelo: pela sua extensão, a Amazônia abarca muito mais pontos amostrais do que
as outras florestas, por isso o modelo dá mais peso às condições que a
caracterizam.
Caracterizada por uma amplitude climática menor,
a região equatorial é mais adequada para a floresta. De acordo com o modelo,
esse tipo de vegetação é bem-sucedido com mais de 2 mil milímetros de chuva por
ano e uma sazonalidade baixa, com pouca variação de temperatura – condições
que já não são garantidas. Observações de mortalidade das grandes árvores em
resposta às estiagens na Amazônia já vêm comprovando as previsões de Luciano
dos Anjos (ver Pesquisa FAPESP nº 238),
cujas conclusões refutam a hipótese alternativa de que o aumento de gás
carbônico (CO2) na atmosfera traria benefícios às florestas. “O CO2 é
um recurso essencial para os ecossistemas, mas ele só pode ser assimilado de
forma otimizada se estiver em um nicho ecológico favorável”, afirma.
Ele prevê, assim, que espécies com um
nicho ecológico mais alargado – como gramíneas – conseguirão se manter enquanto
as grandes árvores desaparecem da floresta. “Essa transição entre floresta e
savana teria sido muito frequente nos últimos 22 mil anos”, sugere Anjos, que
também analisou dados de pólens fósseis para mapear a vegetação pretérita. Os
resultados, que fazem parte de sua tese, ainda não foram publicados na forma de
artigo científico. Diante das mudanças aceleradas ao longo do último século,
ele defende o reflorestamento e a manutenção da floresta na tentativa de mitigar
as mudanças climáticas. “O clima mantém a floresta, enquanto a floresta mantém
o clima.” (revistapesquisa.fapesp)
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