Conversão
de pastagem em lavoura de cana aumenta emissões de gases de efeito estufa.
A crescente demanda
global por energia renovável tem impulsionado a expansão do cultivo da
cana-de-açúcar no Brasil para áreas de pastagem degradadas ou abandonadas. A
ocupação dessas áreas de pastagem pela cana teve que ser contrabalanceada com a
melhoria da produtividade dos pastos restantes por meio de cultivares de grama
com maior rendimento e com o uso de fertilizantes nitrogenados. As
consequências dessas mudanças no uso do solo nas emissões de gases de efeito
estufa, contudo, ainda eram desconhecidas, apontam especialistas da área.
Estudo feito na UFSCar aponta
que melhoria das práticas de manejo pode contribuir para reduzir emissões na
fase inicial de mudança de área de pastagem degradada por plantação de cana.
Um estudo realizado por
pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de
Sorocaba, constatou que esses processos de conversão de áreas de pastagem em
lavouras de cana-de-açúcar e de intensificação do manejo de pastos para
compensar as áreas ocupadas pela cana aumentam as emissões de gases de efeito
estufa, como o dióxido de carbono, metano e óxido nitroso. Dessa forma, essas
mudanças no uso da terra podem alterar o balanço de emissões de gases de efeito
estufa na produção do etanol de cana no Brasil.
Resultado de um
projeto apoiado pela FAPESP e do trabalho de
mestrado de Camila Bolfarini Bento, na UFSCar, o estudo contou com a
participação de pesquisadores da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos,
do Instituto Agronômico (IAC), da Agência Paulista de Tecnologia dos
Agronegócios (Apta) e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da
Universidade de São Paulo (USP). O estudo foi publicado no Journal of Environmental Management.
“Observamos que as
mudanças no uso da terra associadas à expansão do cultivo de cana em áreas de
pastagem e à intensificação do manejo dos pastos restantes aumentam as emissões
de gases de efeito estufa, e que a magnitude do aumento é determinada pelo tipo
de práticas de manejo do solo, da adubação com fertilizantes nitrogenados e
pelas condições ambientais”, disse Janaina Braga do Carmo, professora da UFSCar
e principal autora do estudo, à Agência
FAPESP.
De acordo com os
pesquisadores, atualmente extensas áreas de pastagem de baixa produtividade e
intensidade têm sido convertidas em plantações de cana no Brasil. Somente na
última década a área plantada com cana-de-açúcar no país aumentou cerca de 60%,
principalmente à custa de pastagens naturais ou não manejadas e já
improdutivas. Quase metade dessa expansão ocorreu em pastagens degradadas ou
abandonadas.
Apesar de a expansão da
agricultura da cana sobre essas áreas ser considerada positiva, porque impede o
desmatamento de florestas tropicais, esse processo afeta as emissões e altera o
balanço de carbono e nitrogênio no solo e na atmosfera, uma vez que a aplicação
anual de fertilizante nitrogenado e a reforma do canavial no final de cada ciclo
produtivo da cana mudam o balanço desses elementos no agroecossistema.
Além disso, o manejo de
áreas de pastagem restantes para uso mais intensivo, incluindo o manejo
convencional do solo e o uso de fertilizantes nitrogenados – até então
raramente aplicado em pastagens no Brasil –, pode aumentar ainda mais as
emissões de gases de efeito estufa, uma vez que a aplicação desses
fertilizantes é realizada em área total e não na linha de plantio como é feita
na cana e em sistemas de plantio direto, sublinharam os pesquisadores.
Esse uso crescente de
fertilizantes nitrogenados em pastagens e na cana-de-açúcar pode resultar em
maiores emissões de óxido nitroso e metano e alterar o balanço de gases de
efeito estufa do etanol da cana produzido no país. A magnitude do aumento das
emissões desses gases de efeito estufa causado pela conversão de áreas de
pastagem em lavouras de cana e a intensificação do manejo nos pastos restantes,
entretanto, ainda não estavam claras, apontaram.
“Nossa hipótese era que a
emissão desses gases de efeito estufa aumentaria com essas mudanças de uso da
terra”, disse Carmo.
“Mas, para nos certificarmos disso, era preciso verificar o que
aconteceria com a entrada da cana em uma área dedicada à pastagem por 40 anos,
por exemplo, com baixas emissões de gases de efeito estufa e com um estoque de
carbono no solo considerável e que passa a ser manejado. Além disso, também
queríamos avaliar o que aconteceria em pastagens que passassem a ser adubadas
para manter uma produção adequada, de forma a evitar a degradação e suportar a
manutenção não extensiva de gado, com animais confinados em uma área pequena,
em um sistema de rotação de piquetes”, explicou Carmo.
Simulação
da conversão
A fim de avaliar e
quantificar as emissões de gases de efeito estufa nesses diferentes cenários,
uma pastagem voltada à criação de gado de leite em Sorocaba, com cerca de 0,5
hectare (500 metros quadrados), foi dividida em três áreas.
A primeira área foi
mantida com pasto não manejado, como foi durante seus últimos 40 anos, em que
nunca foi fertilizada. A segunda área, de pasto, foi gradeada (revolvido o solo
para preparar a terra) e plantadas sementes de gramas diretamente ou com
aplicação de fertilizante no solo, a fim de simular a implantação de uma nova
pastagem. E a terceira área foi arada e plantada cana-de-açúcar com e sem adubo
(fertilizante nitrogenado).
Durante 339 dias foram
feitas medidas de emissão de gases, coletados por meio de câmaras cilíndricas
espalhadas pelas três áreas avaliadas, a fim de quantificar fluxos de dióxido
de carbono, metano e óxido nitroso em um período equivalente a um ano após
conversão de pastagens não administradas para pastagens intensivas em manejo e
para cultivo da cana.
Os resultados das
análises laboratoriais das amostras de gases indicaram que os fluxos de dióxido
de carbono e metano aumentaram significativamente nas áreas de pastagem e de
cana-de-açúcar com uso de fertilizantes e com o manejo convencional do solo.
As emissões de dióxido de
carbono, metano e óxido nitroso foram altamente variáveis nos diferentes
cenários analisados. Cumulativamente, contudo, as emissões anuais de dióxido de
carbono equivalente – resultado da multiplicação das toneladas emitidas por seu
potencial de aquecimento global – foram maiores no manejo intensivo das áreas
de pastagem e de cultivo da cana do que em comparação com a pastagem não
manejada.
Já a pastagem cultivada
com adubo resultou em maiores emissões de dióxido de carbono equivalente do que
a pastagem convertida para lavoura de cana. “Teoricamente, pensando no
balanço de emissões de gases de efeito estufa, seria melhor plantar cana em uma
área de pastagem degradada do que tentar recuperá-la”, avaliou Carmo. “Mas essa
conclusão ainda é bastante precipitada, pois é preciso avaliar o ciclo todo da
cana-de-açúcar e as respectivas reformas dos canaviais ao longo dos anos. Além
disso, não consideramos ainda nesse estudo os estoques de carbono no solo da
pastagem e da cana”, ponderou.
Papel
do manejo
Os pesquisadores apontam
que a melhoria das práticas de manejo pode contribuir para reduzir as emissões
de gases de efeito estufa na fase inicial de conversão de uma área de pastagem
degradada para cultivo de cana ou de intensificação do manejo de um pasto
natural.
O preparo da terra antes
do plantio da cana ou para receber um novo pasto, por exemplo, aumenta as
emissões de dióxido de carbono, uma vez que todo carbono que estava sequestrado
no solo é perdido rapidamente na forma de gás devido à acelerada mineralização
e desproteção da matéria orgânica.
Ao preservar a palha da
colheita anterior na superfície da plantação e não utilizar a prática da queima
antes da colheita da planta também é possível minimizar as perdas de carbono
pela conversão do solo dependendo da quantidade da palha remanescente. Além
disso, os fertilizantes nitrogenados devem ser aplicados quando a vegetação de
um pasto está mais desenvolvida, de modo a ter uma maior sincronia entre a
aplicação do fertilizante e a absorção das plantas e, com isso, diminuir as
emissões de gases de efeito estufa.
“O manejo é essencial. Se
for possível, de alguma forma, evitar ou minimizar o preparo do solo na
implementação da cana ou de um novo pasto, isso contribui para diminuir as
emissões”, disse Carmo.
As emissões associadas à
produção de cana-de-açúcar no Brasil ainda são relativamente baixas, uma vez
que as taxas de aplicação de fertilizantes nitrogenados na planta são modestas
em comparação com as taxas usadas em outros países e em outras culturas.
A expansão da área de
cultivo da cana no Brasil, porém, pode aumentar as emissões de gases de efeito
estufa no ciclo de vida da cana, ponderam os pesquisadores.
“É crucial que as
emissões da expansão da cana-de-açúcar e de outras atividades no Brasil sejam
controladas para ajudar a mitigar as mudanças climáticas”, disse Carmo.
(fapesp)
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