Pesquisa revela que um
quilômetro quadrado desmatado na Amazônia equivale a 27 novos casos de malária.
Pesquisa buscou demonstrar a
correlação entre incidência de malária e o padrão de fragmentação da mata
nativa causado pela criação de assentamentos rurais e extração de produtos da
floresta.
Cada quilômetro
quadrado de floresta tropical nativa derrubado na Amazônia está associado a 27
novos casos de malária por ano, no período entre 2009 e 2015, revela pesquisa
da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. A comparação da incidência da
doença com dados sobre áreas impactadas pelo homem também mostra que a
ocorrência é maior quando há abundância de pequenas áreas devastadas,
detectadas por imagens de satélite. O risco é aumentado pela capacidade do
mosquito vetor da malária se adaptar às áreas impactadas, aliada à maior
presença tanto de pessoas suscetíveis como infectadas pelo parasita que causa a
doença. A essa situação podem se somar as condições precárias de vida da
população, baixo nível educacional, desconhecimento sobre a transmissão da
infecção e difícil acesso aos serviços de saúde.
Maior incidência de malária está
associada a áreas de floresta nativa devastadas com menos de 5 km2
de extensão.
“A pesquisa buscou demonstrar
a correlação entre incidência de malária e o padrão de fragmentação da mata
nativa causado pela criação de assentamentos rurais e extração de produtos da
floresta”, afirma a professora Maria Anice Mureb Sallum, da FSP, que
supervisionou a pesquisa. “Para isso, foi feito um cruzamento dos dados de
casos de malária notificados de 2009 a 2015 nos nove Estados da Amazônia (Acre,
Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima), fornecidos
pelo Ministério da Saúde, com os dados de desmatamento ao longo dos anos, disponibilizados
na plataforma digital do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(Imazon)”.
Os pesquisadores demonstraram
que há uma correlação positiva entre o tamanho da área desmatada e o aumento de
casos de malária. “O impacto é maior quando o desmatamento acontece em
extensões menores que cinco km², pois em vários casos a derrubada é feita por
pessoas ligadas à precarização e alta rotatividade da mão de obra, em total
desacordo com a legislação”, relata a professora. “A formação dos assentamentos
movimenta pessoas que muitas vezes residiram em áreas com transmissão de
malária e podem abrigar o parasita sem ter a doença, atuando na sua dispersão.
Para cada km² de desmatamento, acontecem 27 novos casos de malária.”
Expansão da área de transmissão
da malária dificulta o controle da doença; na foto, rede para coleta de
mosquitos ao redor de casa em Lábrea.
Maria Anice explica que
quando a floresta é contínua e íntegra, sem áreas de desmatamento, o mosquito
anofelino, transmissor do protozoário causador da doença (Plasmodium), quando está
presente, é em baixa densidade e somente onde as condições ambientais são
adequadas. “Mas com o desmatamento, ocorrem mudanças ecológicas importantes que
favorecem o mosquito vetor”, ressalta. “Por ser uma espécie oportunista e
generalista, ela se adapta com facilidade ao ambiente modificado, e se dispersa
rapidamente.”
Habitações inadequadas
Como o mosquito tem afinidade por áreas próximas
à margem da mata, onde ficam os domicílios das comunidades rurais, ele passa a
viver próximo do ambiente humano, que oferece muitas fontes de sangue para os
insetos. “Além de picar as pessoas, os mosquitos também se alimentam do sangue
de animais domésticos como cães, gatos, cabras, porcos, galinhas, papagaios e
macacos”, destaca a professora. “As habitações em geral são inadequadas, feitas
com pedaços de madeira, folhas secas de palmeiras ou até uma simples lona
apoiada em troncos de árvores derrubadas. Os abrigos dos animais são tão
precários que não impedem o contato dos mosquitos com fontes de sangue, fato
que favorece o aumento da população do vetor e a exposição do homem às
picadas.”
Professora Maria Anice Mureb
Sallum pesquisa sobre malária pela Faculdade de Saúde Pública (FSP).
Segundo Maria Anice, o modelo
de ocupação da Amazônia nem sempre permite a melhoria da qualidade de vida das
comunidades rurais, entretanto facilita a maior transmissão e distribuição da
malária. “Normalmente, são populações muito pobres, com nível educacional
baixo, que vivem em processo contínuo de migração, devido à malária, condições
precárias de vida e falta de recursos financeiros para se estabelecerem”, diz.
“A migração gera novos assentamentos em áreas de floresta, causando mais
alterações nos ambientes naturais e a expansão da malária.”
Com as migrações constantes,
as pessoas infectadas levam o parasita, muitas vezes sem ter sintomas de
malária, para novas áreas desmatadas, expandindo a área de transmissão da
doença e dificultando o controle. “Quando várias pessoas passam a conviver em
uma mesma região, com a presença do mosquito vetor, em geral a maioria é
suscetível”, destaca a professora. “Portanto, ao mesmo tempo em que o agente é
introduzido no novo ambiente, ocorrem surtos da doença.”
Expansão da área de transmissão
da malária dificulta o controle da doença; na foto, rede para coleta de
mosquitos ao redor de casa em Lábrea.
Maria Anice enfatiza que os
programas de controle da malária deveriam levar em conta fatores da ecologia
humana que atuam na dinâmica de transmissão, como atividades de trabalho,
condições de moradia e migração. “Por exemplo, é necessário melhorar a condição
de vida e as moradias, para diminuir o contato do homem com o mosquito”,
aponta. “Também é preciso ampliar o acesso à educação de qualidade e voltada
para as necessidades locais, intensificar programas de controle, facilitar o
acesso aos testes diagnósticos e ao tratamento e fortalecer pesquisas sobre a
ecologia da transmissão, que poderiam gerar novos conhecimentos e auxiliar no
delineamento de programas para o controle de vetores.”
A pesquisa é descrita na tese
de Leonardo Suveges Moreira Chaves, doutorando do Departamento de Epidemiologia
da FSP. As conclusões do estudo também foram relatadas no artigo “Abundance of impacted forest patches less than 5 km² is a key driver of
the incidence of malaria in Amazonian Brazil”, publicado no site
Scientific Reports em 4 de maio. O trabalho integra um projeto temático da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) intitulado Genômica de paisagens em gradientes latitudinais e ecologia de Anopheles darlingi.
Em vermelho no mapa estão
indicados os focos de desmatamento com menos de 5 km2 de extensão;
os municípios com mais casos de malária são marcados com as cores mais claras.
(ecodebate)
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