A aliança China-Índia
(Chíndia) e a ascensão do século asiático.
A China e a Índia são os dois
países mais populosos do mundo e os Estados Unidos (EUA) e a União Europeia
(UE) são os dois maiores polos econômicos do mundo. Mas esta realidade vai
mudar na próxima década. A China e a Índia (Chíndia) vão continuar como os
países mais populosos (a Índia vai ultrapassar a China em termos demográficos)
e se transformarão, também, no maior polo econômico.
O gráfico acima, com dados do
FMI (abril de 2018) em poder de paridade de compra (ppp), mostra que o polo
União Europeia (UE) e Estados Unidos (EUA) representavam 51,6% do PIB mundial
em 1980, contra apenas 5,2% da Chíndia. Mas esta realidade mudou rapidamente e,
em 2017, a dupla UE+EUA tinha apenas 31,8% do PIB mundial e a Chíndia 25,7%.
Para 2023, as projeções do FMI apontam para 28,6% de UE+EUA e de 30,3% da
Chíndia.
Durante pelo menos dois
milênios, a China e a Índia foram responsáveis pela maior parte da economia
mundial e ainda, em 1820, representavam cerca de 50% do PIB global. Após o
início da Revolução Industrial e do domínio energético e militar, os países
ocidentais tomaram a frente no processo de desenvolvimento econômico e passaram
a ter um peso crescente no PIB mundial. Nos últimos dois séculos, os dois
gigantes demográficos encolheram em termos econômicos e foram suplantados pelos
países ocidentais.
Mas houve uma nova
reviravolta nas últimas décadas e a China e a Índia voltaram a liderar o
crescimento econômico global e devem formar o polo mais forte do PIB mundial já
nos anos de 2020. A China saiu na frente e conseguiu dar um salto exponencial
depois das reformas feitas por Deng Xiaoping, em 1979. A Índia acelerou o passo
a partir dos anos de 1990. O gráfico abaixo, da CNN, mostra alguns dados
econômicos e sociodemográficos dos dois países.
Embora China e Índia
representem civilizações antigas e tenham vínculos seculares, nos tempos
modernos os dois países enfrentam uma história de relacionamentos complicados.
Desde 1950, os dois vizinhos (possuidores de arsenais nucleares) se envolveram
em três conflitos militares em regiões fronteiriças em disputa. Outros pontos
de discórdia incluem o ardente apoio de Pequim ao Paquistão, um arquirrival da
Índia; enquanto o governo de Nova Délhi apoia o Dalai Lama, o líder espiritual
tibetano exilado que é considerado um traidor separatista pelo governo chinês.
A competição econômica e
estratégica entre a China – um estado de partido único governado pelos
comunistas – e a Índia – a maior democracia do mundo – também se intensificou
nos últimos anos, pois Pequim começou a expandir sua influência no tradicional
quintal da Índia, especialmente com o lançamento do ambicioso plano de comércio
global e infraestrutura, conhecido como Iniciativa “One Belt, One Road” (0BOR).
Outros movimentos recentes que têm despertado forte suspeita na Índia vão desde
o controle de um importante porto em Sri Lanka pela China e a assinatura de
acordos comerciais inovadores com o Nepal, além da realização de operações
antipirataria no oeste do Oceano Índico.
Mas apesar destas
escaramuças, os dois países são tão grandes que seria impossível crescerem de
forma autônoma, sendo que uma guerra, ou mesmo uma pequena hostilidade, poderia
comprometer as metas individuais de progresso de cada um. Isto é ainda mais verdadeiro
neste momento que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, inicial uma
guerra comercial e adota o lema de “America First”. Uma união mais efetiva
entre os dois gigantes do Oriente poderia mudar de vez o eixo econômico e
político do mundo.
Assim, surpreendentemente,
enquanto acontecia a esperada cúpula intercoreana entre o presidente da Coreia
do Sul, Moon Jae-in, e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, no dia 27 de
abril de 2018 (quando anunciaram a intenção de retirar todas as armas nucleares
da península coreana e assinar um acordo de paz até o fim deste ano) acontecia
também uma cúpula entre o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o
presidente chinês, Xi Jinping, na cidade de Wuhan (dias 27 e 28 de abril). Foi
a primeira vez que Xi recebeu um primeiro-ministro indiano fora de Pequim.
O encontro a sós, entre os
dois, foi seguido de reuniões alargadas, passeio de barco no belo East Lake e
um jantar no resort que era um dos favoritos do antigo líder chinês Mao Zedong.
Segundo o comunicado, o encontro informal visava “passar em revista os
desenvolvimentos nas relações bilaterais numa perspectiva estratégica e de
longo prazo”. Narendra Modi vai viajar novamente até à China em junho para
participar na conferência que reúne os oitos membros da Organização para a
Cooperação de Xangai. Além da China, Rússia e Índia, o grupo inclui os Estados
da Ásia Central do Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão e
Paquistão.
Isto quer dizer que está em
gestação uma aliança para a formação da potência Chíndia, que, por sua vez
pretende estreitar os laços com a Rússia e os países da Eurásia. O jornal Times
of India publicou um twitter do primeiro-ministro Modi, dizendo: “O Presidente
Xi e eu trocaremos pontos de vista sobre uma série de questões de importância
bilateral e global. Vamos discutir nossas respectivas visões e prioridades para
o desenvolvimento nacional, particularmente no contexto da situação
internacional atual e futura”.
Artigo de Fu Xiaoqiang, no
jornal ligado ao governo chinês, China Daily (26/04/2018) apresentou o título
ilustrativo: “Cúpula pode anunciar ‘Século da Ásia’”. Ele diz que a reunião
será um novo marco nas relações China-Índia, infundindo novo vigor nos laços
bilaterais e inaugurando uma nova fase de cooperação. “O século da Ásia não
virá sem o desenvolvimento da China e da Índia”, disse há 30 anos o ex-líder
chinês Deng Xiaoping a Rajiv Gandhi, então primeiro-ministro da Índia. E há 15
anos, Atal Bihari Vajpayee, que era o primeiro-ministro indiano naquele país,
enfatizou: “O século 21 se tornará o século da Ásia se a China e a Índia
puderem construir um relacionamento estável e duradouro”.
Artigo de Laura Zhou
(28/04/2018), no jornal South China Morning Post (SCMP), mostra que o encontro
em Wuhan serviu para que Xi Jinping e Narendra Modi iniciassem um trabalho
conjunto para melhorar a comunicação militar para evitar a repetição de
conflitos ao longo de uma fronteira compartilhada de cerca de 3.500
quilômetros. O presidente chinês e o primeiro-ministro indiano enfatizaram que
as duas nações devem trabalhar para aprofundar a confiança mútua e defender uma
economia global aberta, apoiando um sistema comercial multilateral – uma
crítica velada às ações comerciais protecionistas do presidente dos EUA, Donald
Trump. O artigo cita a agência estatal Xinhua sobre os desdobramentos da
reunião. “No próximo passo, os dois países devem fazer um plano abrangente de
cooperação e melhorar ainda mais a comunicação estratégica para permitir a
negociação oportuna sobre as grandes questões globais.”
Ou seja, a reunião reforçou a
ideia de que a China e a Índia devem ser “bons vizinhos e bons amigos”. Que os
dois países são o motor do crescimento econômico e devem investir mais na
cooperação bilateral. China e Índia já fazem parte do grupo BRICS. Mas um
relacionamento bilateral mais estreito é uma novidade. Além disto, a união da
China e da Índia com a Rússia (RIC) pode formar um triângulo estratégico que
aceleraria o fim da hegemonia Ocidental e o início da hegemonia do Oriente.
Segundo projeções da
consultoria PwC, que atualiza anualmente as suas projeções sobre a economia
internacional e o desempenho dos principais países no relatório “The World in
2050”, o eixo da economia global vai se deslocar para a Ásia. Em 2016, medido
em poder de paridade de compra (ppp), os quatro maiores países eram China, com
um PIB de US$ 21,3 trilhões, EUA com US$ 18,6 trilhões, Índia com US$ 8,7
trilhões e Japão com US$ 4,9 trilhões. Esta ordem vai se manter até 2030.
Porém, em 2050 a China ampliará a diferença e terá um PIB de US$ 58,5 trilhões,
a Índia assumirá a segunda colocação com US$ 44,1 trilhões, os EUA cairão para
o terceiro lugar com PIB de US$ 34,1 trilhões e a Indonésia ocupará a quarta
colocação com US$ 10,5 trilhões.
O gráfico abaixo mostra que o
Brasil que estava em 7º lugar em 2016, com PIB de US$ 3,1 trilhões deve passar
para o 8° lugar em 2030 e subir para o quinto lugar em 2050, com PIB de US$ 7,5
trilhões. Entre os 32 países da lista abaixo, os dois últimos lugares são
ocupados atualmente por Bangladesh e Vietnã. Porém, Bangladesh que estava em
31º lugar, em 2016, com PIB de US$ 0,63 trilhão, deve passar para o 23º lugar
com PIB de US$ 3,1 trilhões em 2050. Mas o maior avanço deve acontecer com o
Vietnã que estava em último lugar na lista de 32 países em 2016, com PIB de US$
0,60 trilhão e deve saltar para 20º lugar em 2050, com PIB de US$ 3,2 trilhões.
Das 25 maiores economias em 2050, 13 estarão na
Ásia. Mas o que chama mais a atenção é que a economia da China e da Índia
(Chíndia) será 3 vezes maior do que a economia dos EUA em 2050. A economia
conjunta de Rússia, Índia e China (RIC) será pouco menor do que o conjunto das
outras 29 maiores economias (que inclui os países do G7: EUA, Japão, Alemanha,
Reino Unido, França, Itália e Canadá).
Indubitavelmente, os países
mais dinâmicos do mundo estão na Eurásia e a China e seus aliados se preparam
para colocar em prática um grande plano de infraestrutura (OBOR) para aumentar
a produtividade e a integração destes países. Se o século XIX foi do Reino
Unido e o século XX foi dos EUA, o século XXI será da China, da Índia (da
Rússia) e da Ásia, com destaque para as duas primeiras (e com grande peso dos
regimes autoritários e autocráticos).
Parece que a preponderância
da Ocidentalização vai ser superada pela ascensão do século asiático e pela
Orientalização do mundo. O certo é que o centro dinâmico das novas tendências
globais deve passar pela fortaleza da Chíndia. O encontro informal entre o
primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente chinês, Xi Jinping,
na cidade de Wuhan, em 27 e 28 de abril, foi apenas mais um passo na direção do
fortalecimento da região do sol nascente e do enfraquecimento relativo da
região do sol poente. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário