Estudo publicado nesta semana
mostra que o ritmo do derretimento no sexto continente triplicou nos últimos
cinco anos.
Fendas na geleira da ilha
Pine, Antártida Ocidental.
DO OC – O trabalho científico
sobre mudança climática mais importante do ano foi publicado em 15/06/18 no
periódico Nature.
Nele um grupo de 84 cientistas de 44 instituições deschavou duas dezenas de
séries de dados de satélite para produzir uma grande estimativa do estado de
saúde do gelo da Antártida. As conclusões não são nada boas: o continente
branco perdeu quase 3 trilhões de toneladas de gelo entre 1992 e 2017. E o ritmo
de perda triplicou nos últimos cinco anos.
O estudo integra um conjunto
de seis publicações, que avaliaram desde como a perda de gelo marinho ajuda a
esfacelar as geleiras antárticas até o ritmo sem precedentes do acúmulo de
gases-estufa na atmosfera hoje, comparada a amostras de gelo antártico de 800
mil anos de idade. Os artigos coincidem com a maior assembleia de cientistas
polares do mundo, o Polar 2018,
que começou nesta quinta-feira em Davos, Suíça, e reúne 2.500 pesquisadores.
Entenda as principais
conclusões do estudo nas perguntas e respostas abaixo.
1 – E daí se a Antártida
derreter?
E daí muita coisa. O manto de
gelo que há 34 milhões de anos cobre o continente antártico é o maior estoque
de água doce da Terra. Cerca de 80% da água do mundo está retida ali. Se toda a
Antártida descongelasse, o nível dos oceanos subiria 58 metros, o que
representaria essencialmente o fim das zonas costeiras – que, a propósito,
abrigam a maior parte da população mundial.
Icebergs
O derretimento total por
enquanto é muito improvável. Mas há uma região da Antártida, sua porção oeste
(ou Antártida Ocidental) que é muito vulnerável ao colapso. Ela contém cerca de
3,3 metros de elevação do nível do mar equivalente. É pouco comparado ao total,
mas o bastante para reconfigurar o mapa-múndi e produzir uma onda de refugiados
jamais vista, da qual nenhuma região de nenhum país do mundo escaparia. Cidades
como Rio de Janeiro, Recife e Santos já enfrentam problemas de ressaca e erosão
marinha hoje, e cidades do litoral paulista que estão perdendo praia já
começam a planejar sua adaptação.
2 – Mas a Antártida não
estava ganhando gelo?
Hm… não. Há muita confusão
sobre isso, porque o assunto é confuso mesmo. Ocorre que existem, grosso modo,
três Antártidas e três tipos de gelo. Não vá embora: a gente explica.
Gelo marinho antártico
Existe o gelo marinho, que
nada mais é do que mar congelado. A Antártida todos os anos ganha 18 milhões km2
(mais de dois Brasis) de cinturão de gelo marinho no inverno e perde o
mesmo tanto no verão. Como é formado a partir de água do mar, ele não afeta o
nível do oceano. Há também o gelo de plataformas, imensas línguas glaciais
flutuantes que escoam das grandes geleiras antárticas e boiam no mar. Este
também não afeta o nível do oceano. E há o gelo continental, empilhado sobre o
continente. Este sim, eleva os oceanos caso derreta.
O manto de gelo antártico está dividido em três
grandes áreas: a Antártida Oriental, onde está o polo Sul, muito alta e fria,
contém 60% da água doce do mundo em forma de gelo. É a maior porção do
continente. A Antártida Ocidental, com 10% da água doce da Terra, é mais
frágil, por ter suas geleiras ancoradas abaixo do nível do mar. E a montanhosa
Península Antártica, porção mais próxima da América do Sul, é relativamente
quente, portanto, também muito frágil.
Enseada Martell, na Ilha Rei
George, Península Antártica.
Até 2016, o gelo marinho
antártico crescia cerca de 100 mil quilômetros quadrados por ano no inverno,
possivelmente devido a mudanças nos ventos causadas pelo buraco na camada de
ozônio. Esse aumento foi usado por negacionistas do aumento global para dizer
que a Antártida estava crescendo, o que é uma meia-verdade (e, como vimos, nada
tem a ver com o nível do mar). Além disso, essa fase aparentemente passou.
O gelo continental da
Antártida Oriental provavelmente está ficando mais espesso. Isso porque a
região é tão alta e tão fria que, ao ganhar mais umidade (devido à elevação da
temperatura dos oceanos), tem mais precipitação de neve. Além disso, o buraco
no ozônio resfriou partes daquela região. Mas esse crescimento é muito incerto:
o estudo desta semana, produzido pelo projeto Imbie (sigla em inglês para
Exercício de Intercomparação do Balanço de Massa de Mantos de Gelo), mostrou
que o leste antártico está ganhando 5 bilhões de toneladas de gelo por
ano, mais
ou menos 46bilhões. Ou seja, a incerteza é nove vezes maior do que
o sinal.
Já nas outras duas Antártidas
o sinal de degelo é claríssimo: o oeste antártico perdeu em média 94 bilhões de
toneladas por ano entre 1992 e 2017. Essa perda triplicou nesse período (de 53
bilhões de toneladas em 1992 para 159 bilhões em 2017). A Península mais do que
quadruplicou seu degelo: de 7 bilhões para 33 bilhões de toneladas perdidas por
ano.
3 – A Antártida está elevando
o nível do mar?
Muito pouco – por enquanto.
Em 25 anos, a contribuição do continente austral para a elevação dos oceanos
foi de tímidos 7,6 milímetros. É quase nada comparado ao degelo da Groenlândia,
que aumenta o nível do mar em quase 1 milímetro por ano. O problema é que, no
caso da Antártida, há uma aceleração brutal do derretimento, que tende a mudar
esse quadro drasticamente: antes de 2012, a contribuição total do sexto
continente era de 76 bilhões de toneladas de gelo, ou 0,2 milímetro por ano.
Entre 2012 e 2017, ela saltou para 219 bilhões de toneladas, segundo o Imbie –
ou 0,6 milímetro por ano. Um dos estudos publicados nesta semana na Nature afirma
que, a persistir o ritmo atual de emissões de gases de efeito estufa, a Antártida
terá contribuído com 27 centímetros para a elevação do nível do mar em 2070.
Isso, claro, se o manto de
gelo ocidental não colapsar de repente. As grandes geleiras daquela região,
como a Pine Island e a Thwaites (só a Pine Island tem o tamanho do Amapá e mede
50 km de uma ponta a outra de sua foz), estão aparentemente em modo de
derretimento descontrolado devido ao aquecimento do Oceano Austral abaixo da
superfície. O vídeo acima mostra a perda de elevação nessas duas geleiras, que
traduz seu derretimento acelerado. É possível, embora pouco provável por ora,
que elas sofram esfacelamento repentino neste século, o que causaria um aumento
quase instantâneo de 3,3 metros no nível do mar.
4 – Como os cientistas sabem
que isso é real?
Medindo. O Imbie comparou 24
séries de dados de satélite, que usam três abordagens diferentes: uma é a
altimetria a laser, que consiste em lançar pulsos de luz sobre o gelo e medir
com grande precisão a sua altitude. Repetindo as medições ano a ano, é possível
detectar variações na elevação causadas pelo degelo. Outra forma de medir a
massa do gelo é por meio de gravimetria: os satélites gêmeos Grace voam
perfeitamente alinhados sobre a Terra; em lugares onde há menos gelo o puxão
gravitacional é menor, e um deles sofre um ligeiro desalinhamento, que pode ser
convertido em toneladas. Uma terceira forma é usando radares que medem a
espessura e a velocidade do gelo.
Igualmente forte é a ligação
entre aumento de temperatura e a concentração de gases de efeito estufa. As
concentrações de gás carbônico (CO2), metano (CH4) e
óxido nitroso (N2O) são maiores hoje do que as medidas no gelo
antártico nos últimos 800 mil anos. Hoje há 17 lugares na Antártida de onde são
extraídas amostras antigas de gelo – e todas contam exatamente a mesma história
sobre a composição da atmosfera no passado.
Mas não apenas isso: um dos
estudos publicados na Nature mostra também que a taxa de crescimento da
concentração de CO2 na atmosfera hoje é 20 vezes maior do que em
qualquer período nos últimos 800 mil anos – quando variações na órbita da Terra
iniciaram e terminaram eras do gelo.
5 – E o que será dos
pinguins?
Pinguins-de-barbicha
(“Pygoscelis antarctica”)
Vão se dar mal, coitados. E
não apenas eles. Um dos estudos desta semana, liderado pelo australiano Steve
Rintoul, aponta que duas espécies de pinguim, o pinguim-de-adélia e o
pinguim-de-barbicha, terão reduções dramáticas em suas populações em 2070 a
persistirem as emissões atuais. Uma terceira espécie, o pinguim-de-papua, vai
prosperar num primeiro momento e depois declinar.
Mas não são apenas eles: o
krill, camarão que é a base da cadeia alimentar antártica, vai colapsar devido
à perda progressiva do gelo marinho, que pode chegar a 43% de redução;
caranguejos subpolares invadirão o Oceano Austral; e grama nascerá onde hoje só
existe rocha e gelo. O número de invasões biológicas será dez vezes maior do
que hoje, desestabilizando um dos ecossistemas mais frágeis da Terra.
(observatoriodoclima)
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