“Para
satisfazer a gula de poucos e matar a fome de muitos, destrói-se a vida no
Planeta” - J.E.D. Alves (12/08/2019)
O Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, publicou o relatório “Climate Change
and Land”, no dia 08 de agosto de 2019, onde aborda a relação entre o uso da
terra e seus efeitos sobre a mudança climática. O relatório, que não apresentou
escassez de notícias ruins, foi resultado de dois anos de trabalho de 103
cientistas de 52 países, que participaram voluntariamente do estudo.
Os solos têm se aquecido duas
vezes mais rápido que o Planeta. A Terra como um todo aqueceu apenas 0,87 graus
Celsius, enquanto a parte terrestre do Planeta aqueceu 1,5°C e pode chegar a 3°C
rapidamente. Mais de 70% da terra sem gelo do planeta já é moldada pela
atividade humana. À medida que as árvores são derrubadas e as fazendas tomam
seu lugar, essa terra gerada por humanos emite cerca de um quarto da poluição
global por gases do efeito estufa a cada ano, incluindo 13% de dióxido de
carbono e 44% do metano.
O relatório relacionou
o crescimento da população mundial e o aumento do consumo per capita de
alimentos (ração, fibra, madeira e energia) ao aumento sem precedentes do uso
de terra e da água doce para a produção comida. O aumento da produção e consumo
de alimentos contribuíram para o aumento das emissões líquidas de gases de
efeito estufa (GEE), perda de ecossistemas naturais e diminuição da
biodiversidade. Ou seja, para alimentar um número crescente de humanos toda a
base natural do Planeta tem sido danificada ou destruída.
A humanidade tem tido sucesso na redução do percentual de pessoas
passando fome. O gráfico abaixo, do portal “Our Word in Data”, permite uma
clara visão sobre o percentual de pessoas passando fome no mundo, considerando
o total populacional. A taxa de mortes por conta da fome teve o seu maior valor
na década de 1870, quando atingiu 1.426 mortes para cada 100 mil habitantes no
mundo. A taxa caiu nas décadas seguintes, embora tenha tido picos de cerca de
800 mortes por 100 mil nas décadas de 1920 e 1940.
A partir da década de 1970 as
taxas caíram significativamente, ficando em 88 por 100 mil habitantes em 1970,
43 por 100 mil na primeira década do século XXI e em apenas 3 mortes por 100
mil habitantes entre 2010-16. Ou seja, houve uma grande redução dos “famélicos
da Terra”.
Mas, se a chamada “revolução
verde” e a expansão da pecuária viabilizaram uma maior dieta per capita e o
crescimento da população mundial, ao mesmo tempo, houve um processo de
degradação dos solos e das fontes de água e um aumento das emissões de gases de
efeito estufa (GEE) em decorrência da intensificação do uso da terra. O avanço
científico e tecnológico e o aumento generalizado dos combustíveis fósseis
possibilitaram a redução da fome no mundo, que, em 2015, atingiu o nível mais
baixo da história.
Porém, a insegurança alimentar
e a desnutrição global aumentaram nos últimos 3 anos e podem aumentar ainda
mais no futuro próximo, pois existe um círculo vicioso entre o processo de uso
insustentável da terra e as mudanças climáticas. A produção atual de alimentos
está comprometendo a produção futura devido à degradação dos solos e das fontes
de água potável. O espectro da fome deve voltar a assustar o mundo no século
XXI.
A edição do relatório anual da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) sobre o
“O estado da segurança alimentar e da nutrição no mundo”, divulgado no dia 15
de julho de 2019, mostra os números do aumento global da insegurança alimentar.
A quantidade de pessoas que não
tiveram acesso suficiente a alimentos, em 2005, foi de 947,2 milhões
(representando 14,5% do total populacional mundial) e este número caiu para
785,4 milhões (10,6%) em 2015, conforme mostra o gráfico abaixo. Porém, a
subnutrição subiu nos últimos três anos e atingiu 821,6 milhões de pessoas
(10,8% do total) em 2018. Isto mostra que existe um grande desafio para se
alcançar a meta 2 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que prevê
fome zero até 2030.
A pobreza e a subnutrição
acontecem com mais intensidade nos países onde as taxas de fecundidade estão
acima do nível de reposição, pois existe uma relação direta entre o maior
número de filhos e as carências de renda e acesso à alimentação. A maior
incidência e o maior aumento da subnutrição ocorreu exatamente na África
Subsaariana (onde a fecundidade é mais alta), que tinha uma taxa de subnutrição
de 24,3% em 2005, caiu para 20,9% em 2015 e subiu para 22,8% em 2018. Cenários
catastróficos voltam a assustar a população mundial.
É claro que o consumo de
alimentos per capita nos países ricos é muito maior do que nos países pobres.
Mas o alto crescimento populacional também é um fator que contribuiu para o
desmatamento, a erosão dos solos e a crise hídrica.
Por exemplo, Moçambique – com
população multiplicada por 10 vezes em 100 anos (passando de 6,2 milhões de
habitantes em 1950, para 30,5 milhões em 2018 e 68 milhões estimados em 2050) –
vive uma situação de colapso ambiental. As figuras abaixo mostram como o país
foi desflorestado de maneira implacável e rápida num período de duas décadas.
As imagens de satélite mostram o desmatamento em Moçambique de 2000 (esquerda)
para 2012 (centro) e as projeções para 2019 (direita), segundo dados do próprio
governo de Moçambique.
Moçambique tinha uma situação
confortável de superávit ambiental, segundo os dados da Global Footprint
Network. Em 1961, a biocapacidade per capita era de 6,6 hectares globais (gha)
para uma pegada ecológica per capita de somente 0,83 gha. Porém, mesmo mantendo
uma pegada ecológica muito baixa (de 0,87 gha em 2014) a biocapacidade do país
diminuiu radicalmente e atingiu apenas 1,7 gha em 2016. No ritmo dos últimos 50
anos, Moçambique terá déficit ambiental na próxima década.
São inúmeros os exemplos de
países que degradam o meio ambiente por excesso de consumo, de um lado, e por
excesso de população, por outro lado. O Haiti é um exemplo na América Latina. A
expansão da população, por um lado, e o aumento do consumo per capita, de
outro, faz com que as atividades antrópicas ultrapassem as fronteiras
planetárias e coloquem no horizonte um futuro de aumento da fome e de grande
crise hídrica.
Atender a demanda atual de
alimentos por meio da degradação dos ecossistemas é um tiro no pé. As práticas
agrícolas que utilizam grandes quantidades de insumos externos, como
fertilizantes inorgânicos, pesticidas e outros agrotóxicos, podem superar as
restrições específicas do solo à produção agrícola no curto e médio prazos.
Essas práticas levaram a aumentos consideráveis na produção geral de
alimentos. No entanto, especialmente nos sistemas gerenciados de forma mais
intensa, isso resultou em degradação ambiental contínua, particularmente no
solo, vegetação e recursos hídricos.
Os níveis de matéria orgânica
do solo estão em declínio e o uso de insumos químicos está se intensificando
(Dailykos, 06/09/2019). No longo prazo haverá:
Deterioração da qualidade do
solo e redução da produtividade agrícola devido à depleção de nutrientes, perda
de matéria orgânica, erosão e compactação;
Poluição do solo e da água
através do uso excessivo de fertilizantes e uso e disposição inadequados de
resíduos animais;
Maior incidência de problemas
de saúde humana e do ecossistema devido ao uso indiscriminado de pesticidas e
fertilizantes químicos;
Perda de biodiversidade devido
ao uso de número reduzido de espécies sendo cultivadas para fins comerciais;
Perda de características de
adaptabilidade quando espécies que crescem sob condições ambientais locais
específicas são extintas;
Perda de biodiversidade
benéfica associada a culturas que fornece serviços ecossistêmicos, como
polinização, ciclagem de nutrientes e regulação de surtos de pragas e doenças;
Salinização do solo, esgotamento
dos recursos de água doce e redução da qualidade da água devido a práticas de
irrigação insustentáveis em todo o mundo;
Perturbação dos processos
físico-químicos e biológicos do solo como resultado de lavoura intensiva, corte
e queima.
O fato é que não está garantida
a produção de alimentos para o futuro. Em vez de um crescimento infinito, o
mundo precisa de decrescimento demoeconômico para evitar um colapso ambiental
(e civilizacional). Indubitavelmente, o caminho atual é insustentável e, se
nada for feito para um redirecionamento, a humanidade e a vida na Terra não
terão futuro num Planeta de terra arrasada. (ecodebate)
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