Trazer à tona a inter-relação entre as crises
sanitária e climática é fundamental.
A disputa pelo futuro é hoje.
Uma
das principais diferenças entre as crises climática e sanitária é a
escala de tempo, mais curta nesta última e, apesar de mais longa, de impactos
absolutamente nocivos e mais profundos na primeira. Ambas, contudo, estão
interligadas. “A pandemia atual,
assim como outros surtos virais recentes, está intrinsecamente ligada à crise
ecológica, à degradação ambiental, à destruição de florestas e ao consumo de
carne (e tudo isso, óbvio, se relaciona ao aquecimento global)”, avalia o
professor doutor e pesquisador Alexandre Araújo Costa, em entrevista por
telefone à IHU On-Line.
O
pior cenário, no entanto, seria aquele em que houvesse, ao mesmo tempo,
o cruzamento das crises. “Nesse caso, precisamos estar preparados para
catástrofes bem piores, porque imagine que seremos obrigados a enviar sinais
completamente contraditórios. No caso de um furacão ou evento extremo parecido,
a recomendação vai ser ‘evacuem suas casas’
e no caso de uma crise similar à da pandemia de SARS-CoV-2, a orientação
vai ser ‘fiquem em casa’. Como lidar com uma situação como essa
quando, para salvar a vida das pessoas de um extremo climático,
aglomerações são inevitáveis e, ao mesmo tempo, vão ser justamente as medidas
que favoreceriam o contágio por um vírus, eventualmente tão ou mais letal do
que o SARS-CoV-2”, questiona o entrevistado.
Estar
atentos a estes sinais é fundamental para que possamos, a tempo de salvar
vidas, desarmar as armadilhas criadas por nós mesmos. Além disso, para que
haja possibilidade de um futuro em uma terra habitável,
é necessário não voltar à antiga “normalidade”. A questão que se impõe é “se,
de fato, aprendemos minimamente as lições, achatamos esse conjunto de curvas
exponenciais e voltamos a ser seres que cabem na biosfera à qual pertencemos ou
se vamos seguir nessa rota suicida e genocida”, provoca Costa. “É isso,
justamente, que está em jogo. As analogias que fizemos entre pandemia e
crise climática precisam ser levadas a sério. A
disputa pelo futuro é hoje”, conclui.
Alexandre Araújo Costa.
Alexandre
Araújo Costa é professor da Universidade Estadual do Ceará. Formado em
Física, Ph.D. em Ciências Atmosféricas pela Universidade do Estado do Colorado,
com pós-doutorado na Universidade de Yale. Foi um dos autores principais do
primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Militante
ecossocialista e ativista climático, edita o blog “O Que Você Faria se Soubesse
o Que Eu Sei”, assim como o canal no YouTube de mesmo nome. É um dos
coordenadores do fórum de articulação Ceará no Clima.
IHU On-Line – Que
relações podemos estabelecer entre o aquecimento global e o surgimento de
pandemias como da covid-19? É possível estabelecer conexões?
Alexandre Araújo
Costa –
Embora sejam duas crises distintas, elas guardam diversos pontos de contato.
A pandemia atual, assim como outros surtos virais recentes, está
intrinsecamente ligada à crise ecológica,
à degradação ambiental, à destruição de florestas e ao consumo de carne (e tudo
isso, óbvio, se relaciona ao aquecimento global). Ao mesmo tempo, não
teria sido possível a rápida disseminação do vírus sem a hipermobilidade, que
permite que quaisquer duas cidades grandes do mundo hoje estejam conectadas em
no máximo 48 horas (e é justamente o uso intensivo de energias fósseis que
sustenta essa hipermobilidade). A crise climática segue se
agravando justamente em função de um modo de vida intensivo em carbono,
desde a demanda de energia para produção de bens de consumo, passando pelo
transporte, até chegar num sistema de produção alimentar
altamente predatório, com desmatamento para expansão da
fronteira agrícola e consumo de carne em uma quantidade cada vez mais
insustentável. Então as causas, embora não sejam exatamente as mesmas, guardam
ligação entre si.
A
pandemia atual, assim como outros surtos virais recentes, está intrinsecamente
ligada à crise ecológica, à degradação ambiental, à destruição de florestas e
ao consumo de carne – Alexandre Araújo Costa.
As duas
crises são também semelhantes em vários aspectos. Em ambos
os casos, trata-se de uma emergência, e o
entendimento da gravidade do problema e o tempo de ação fazem toda a diferença.
Em vários países, a recusa e/ou a demora em agir na pandemia levaram
ao colapso do sistema de saúde e à multiplicação das mortes. No que
diz respeito ao clima, a recusa e a demora em agir estão cada vez mais nos
levando a uma condição de desestabilização irreversível do sistema climático.
Em ambos os casos é preciso “achatar a curva”, seja o gráfico de contágio
do coronavírus, seja a concentração de CO2
atmosférico. As principais diferenças estão na escala de tempo (que é
obviamente mais longa no caso da crise climática) e na escala dos impactos
(que, no caso do clima, têm tudo para fazer a pandemia parecer um problema
menor e de fácil resolução).
IHU On-Line – Como os
cuidados com a covid-19, com quarentena forçada em várias partes do mundo,
podem impactar o clima global?
Alexandre Araújo
Costa –
É verdade que a quarentena interrompeu
ou reduziu diversas atividades que, além de produzirem poluentes de vida curta,
como óxidos de nitrogênio ou material particulado, também
implicam emissões de CO2 ou outros gases de efeito
estufa. Mas é preciso reconhecer que, no que diz respeito a poluentes de vida
longa, cujo efeito é cumulativo, como é o caso do CO2,
a quarentena apenas arranha a superfície do problema. A analogia que gosto de
fazer é com um muro: imagine que cada tijolo represente um bilhão de toneladas
de CO2. Se imaginarmos que acumulamos de emissão,
desde o início do período industrial, 2,4 trilhões de CO2 ou
que construímos um muro com 2.400 tijolos, o que acontece
na pandemia é que ao invés de colocarmos os 43 tijolos que temos
colocado todo ano, colocaremos somente 40 e, portanto, não só o muro continua
lá, como não diminui. Ele apenas cresce mais devagar do que vinha crescendo;
não podemos ter ilusão quanto a isso.
Não dá
para terceirizar o que cabe à nossa sociedade, de maneira organizada e
consciente, para um vírus – Alexandre Araújo Costa.
O
que é fundamental entender é que a queda projetada este ano de 6 a 7% nas emissões
de CO2 é justamente aquilo que precisamos fazer
ano após ano para resolver a questão do aquecimento global, ou seja,
manter uma trajetória compatível com limitar o aquecimento
global a 1,5°C. Nesse caso, portanto, assim como o
problema é cumulativo de longas datas, a solução também vai ser cumulativa e
não vai emergir de algo episódico como a pandemia. Precisamos ter políticas
para garantir que ano após ano cortemos de 6 a 7% as emissões
globais para chegarmos com essas emissões reduzidas à metade em
2030 e mantermos o ritmo a fim de descarbonizarmos
completamente a economia global em meados do século. Fora
isso não tem salvação, e não dá para terceirizar o que cabe à nossa sociedade,
de maneira organizada e consciente, para um vírus.
IHU On-Line – Qual a
possibilidade de termos uma desaceleração no aquecimento global em 2020, devido
à diminuição de circulação de pessoas nas ruas, especialmente em países como a
China e, até mesmo, o Brasil?
Alexandre Araújo
Costa –
Exatamente porque as emissões são cumulativas e o CO2 permanece
lá, a redução delas em 2020 não vai trazer efeito apreciável sobre o
aquecimento global. Nós vamos chegar ao final do ano com uma média,
provavelmente, de 414 partes por milhão de CO2 na
atmosfera em contraste com a previsão inicial do UK
Met Office, que era de 414,2, e projeções como a feita pelo
doutor Gavin Schmidt, do NASA Goddard
Institute for Space Studies, segundo as quais, 2020 pode
até mesmo quebrar recorde de temperatura. Então, a desaceleração é necessária,
mas é apenas um início que precisa ser feito de maneira consistente e
articulada com a transformação radical do sistema energético em escala global e
do sistema de produção de alimentos também em escala global. Fora
isso não teremos, de fato, impacto climático significativo, mesmo que a pandemia se
estenda até o final de 2020 ou além.
É
fundamental entender que a queda projetada este ano de 6 a 7% nas emissões de
CO2 é justamente aquilo que precisamos fazer ano após ano para
resolver a questão do aquecimento global – Alexandre Araújo Costa.
Crise sanitária
incentiva a nos prepararmos para as mudanças climáticas.
IHU On-Line – O
discurso da necessidade de retomada do crescimento é muito forte por parte de
governos e de empresários dos grandes setores comerciais. Quais as
consequências para o planeta de uma retomada muito intensa de atividades
econômicas que são agressivas ao planeta?
Alexandre Araújo
Costa –
É evidente que o sonho dos executivos das corporações capitalistas e
dos políticos e economistas que lhes dão suporte é a retomada da “normalidade”.
Mas essa “normalidade” é tudo aquilo a que não podemos voltar.
Primeiro, porque o pouco benefício ambiental que podemos de fato falar que se
obteve a partir da redução das atividades econômicas na pandemia, que é a
redução na concentração de poluentes de vida curta, como óxido de nitrogênio e
material particulado, especialmente nos grandes centros urbanos, vai para o
brejo.
Basicamente
o que acontece é que uma vez retomadas as atividades de produção industrial a
todo vapor, a circulação de automóveis e outros veículos nos
centros urbanos, os níveis de poluição vão retornar e teremos de
volta a mesma situação que perdurava antes em locais como Nova
Deli, Beijing e
outras cidades da China, e nos
centros urbanos do nosso país, como São Paulo.
Além disso, essa retomada nos tira da rota de redução das emissões de CO2 em
que, por este evento fortuito, nós entramos. Nesse sentido, a lógica de retorno
à “normalidade” é tudo aquilo que não podemos querer.
Deveríamos estar, justamente, nesse contexto de pandemia, impulsionando as
bandeiras de uma retomada de outra economia, em que a garantia da vida, do
emprego e respeito ao ambiente fossem os parâmetros fundamentais e em que
houvesse um giro radical no que produzimos e como produzimos.
Deveríamos
estar impulsionando as bandeiras de uma retomada de outra economia, em que a
garantia da vida, do emprego e respeito ao ambiente fossem os parâmetros
fundamentais – Alexandre Araújo Costa.
IHU On-Line – Dentre
as muitas consequências do aquecimento global, o derretimento das calotas
polares é uma delas. Há o risco de os seres humanos entrarem em contato com
vírus da era glacial aos quais nossas espécies não estão imunes? Do ponto de
vista geológico, o que pode acontecer?
Alexandre Araújo
Costa –
O eventual despertar de bactérias e vírus adormecidos há milhares de
anos por conta do derretimento de geleiras e do permafrost é apenas
uma das facetas através da qual nós conectamos a possibilidade de aquecimento
global com o risco de novas pandemias. Há outros fatores aí em jogo: um deles é
o fato de que o aquecimento global impulsiona a migração de espécies.
Por que isso é grave? Porque hoje espécies que não tinham contato no passado,
passam a ter, por conta dessa migração. Aí os vírus podem saltar de uma espécie
para outra, algo que não era possível na condição anterior. O que isso
significa? Que podemos passar a ter um fluxo viral entre espécies cada vez
maior e, eventualmente, isso abre e aumenta a possibilidade de transmissão para
a própria espécie humana. Esse é um aspecto. O outro, como sabemos, é a mudança
ou expansão da área de atuação de vetores de doenças
infecciosas, como o caso do Aedes aegypti e
da dengue, que cada vez mais penetram em latitudes médias.
Precisamos
estar preparados para catástrofes bem piores, porque imagine que seremos
obrigados a enviar sinais completamente contraditórios diante de uma crise ao
mesmo tempo sanitária e climática – Alexandre Araújo Costa.
Outro
aspecto ainda é o risco de cruzamento das duas crises.
Nesse caso, precisamos estar preparados para catástrofes bem piores, porque
imagine que seremos obrigados a enviar sinais completamente contraditórios
diante de uma crise ao mesmo tempo sanitária e climática. No caso de um
furacão ou evento extremo parecido, a recomendação vai ser ‘evacuem
suas casas’ e no caso de uma crise similar à da pandemia
de SARS-CoV-2, a orientação vai ser ‘fiquem em casa’. Como lidar com uma
situação como essa quando, para salvar a vida das pessoas de um extremo
climático, aglomerações são inevitáveis e, ao mesmo tempo, vão ser justamente
as medidas que favoreceriam o contágio por um vírus, eventualmente tão ou mais
letal do que o SARS-CoV-2?
É
esse tipo de pergunta que fica em aberto quando a sociedade se recusa a
enfrentar, de fato, com a devida profundidade, os dois tipos de crises que vão
ameaçar a nossa própria existência enquanto civilização ao longo do século XXI.
IHU On-Line – O
senhor costuma dizer, em suas entrevistas e conferências, que não há “Plano B”
em relação ao clima do planeta? Por quê?
Alexandre Araújo
Costa – Não
há Plano B porque é impossível negociar com as leis físicas que regem
o clima planetário.
Não podemos chegar na natureza e pedir um desconto na “constante de Stephan-Boltzmann”
ou implorar para que as moléculas de CO2 absorvam menos
radiação infravermelha do que o fazem. Exatamente por isso, nós precisamos
seguir a única rota compatível com aquilo que as leis da Física nos impõem, que
é a de que justamente não há como resolver a crise
climática sem primeiro reduzir as emissões de gases
de efeito estufa e, depois, iniciar uma longa batalha – por conta das
futuras gerações – de remoção do excedente de dióxido
de carbono da atmosfera.
Isso
implica, portanto, que a nossa tarefa imediata seja a do plano “A”, que é o
único: reduzir drasticamente essas emissões. A fim de que, pegando o
embalo, as gerações futuras possam herdar o planeta com outro sistema
energético, muito menos intensivo em carbono e muito mais
reduzido, enxuto e destinado apenas para demandas de fato essenciais, para que
se possa seguir num rumo de avanço da agroecologia, da recuperação de biomas,
de reflorestamento com ou sem ajuda de soluções tecnológicas para a remoção de
carbono. Fora disso, não dá para esperar uma solução mágica.
De
novo, existe uma analogia com a pandemia.
Como não há vacina disponível, medicamento disponível no momento, o que podemos
fazer? A única maneira, de fato, é garantir o isolamento social até achatar a
curva. Como não há solução mágica, não existe “cloroclima”, nós não podemos
simplesmente seguir como seguíamos antes com relação às emissões de gases de
efeito estufa. É preciso achatar a curva, ou as curvas, sejam elas as
da concentração de CO2 ou de aumento
de temperatura global.
Isso para assegurar que as gerações futuras não arquem com todo o ônus da
sobrecarga sobre o sistema climático.
A única certeza que
temos até agora, é que as mudanças já estão causando efeitos catastróficos em
algumas partes do mundo, e causarão ainda mais. A conta já está alta e uma hora
vai chegar com maior força. Cabe a nós decidirmos o quão grande será a conta
que virá.
IHU On-Line – Que
lição a covid-19 pode nos ensinar? Em suma, qual a importância de não voltarmos
às formas de exploração ambiental e humana antes da covid-19?
Alexandre Araújo
Costa – A
pandemia deixa diversas lições que deveriam ser de fato apreendidas pela
nossa sociedade. Uma delas é o fato de que boa parte da produção e circulação
de mercadorias e boa parte da demanda de energia associada a elas é
absolutamente predatória, perdulária e supérflua, podendo ser naturalmente
dispensada. Mostra, também, que a hipermobilidade humana é um risco imenso e
que é um desastre a conjunção de degradação ambiental, desmatamento (que nos
expõe ao contato com os vírus abrigados em outras espécies) e – não no caso
da covid-19, mas de outras pandemias como as de H1N1, H5N1, H7N9 etc.
– o boom de pandemias ligadas à indústria da carne. Essa é a primeira
lição, precisamos pensar que atividades econômicas de fato precisam
subsistir e que atividades econômicas precisam desaparecer para garantir a
segurança à humanidade.
Outra
lição evidente é que boa parte dos combustíveis fósseis efetivamente
pode ficar no subsolo. A crise do petróleo com preços negativos, com
navios petroleiros estacionados ao redor do mundo e estruturas de armazenamento
de petróleo em terra saturadas demonstra o quanto esse combustível poderia ter
permanecido justamente no chão. Nós temos que seguir o que a ciência revela:
88% do carbono fóssil precisa permanecer exatamente onde
está se quisermos preservar o estoque de carbono para
que não ultrapassemos o aquecimento de um grau e meio.
Outro
ponto é que a pandemia nos trouxe evidências de que é possível haver políticas públicas que
incidam diretamente nas condições de subsistência e sustento das
famílias de trabalhadores e trabalhadoras que ficaram sem emprego. Surgiu
quase um consenso, com exceção dos “pensadores” ultraliberais, de que a renda
universal mínima – no caso, emergencial – é uma necessidade e uma possibilidade
real. E por que não usar desse expediente para garantir a dignidade, o sustento
de famílias de trabalhadores e trabalhadoras num processo de transição, para
não desaparecer a possibilidade de futuro? Falamos, claro, de mineiros, de
petroleiros, de trabalhadores de frigoríficos. Por que não garantir que essas
famílias tenham a sua dignidade assegurada enquanto nós convertemos a indústria
suja dos combustíveis fósseis em indústrias de energia limpa,
enquanto os petroleiros são retreinados para deixar de lidar com venenos
fósseis e passem a produzir e instalar painéis solares,
para que os trabalhadores que lidam com a carnificina de 70
bilhões de animais todos os anos para dar vazão à
nossa fome enlouquecida de carne possam aprender outras atividades
como, por exemplo, agroecologia, agricultura urbana e periurbana, garantindo a
produção e circulação de alimentos saudáveis e sustentáveis? Há várias lições
nesse sentido.
É
fundamental que para desarmar as bombas-relógio de novas pandemias e da crise
climática e ambiental, nós não voltemos à normalidade de antes – Alexandre
Araújo Costa.
Outra
questão que nós precisamos imediatamente abordar é a reconversão e adaptação
das estruturas industriais para produzir bens que não
sejam bens supérfluos. Indústria de armas, por exemplo.
Não vamos querer essa produção de armas. Então, vamos ter que falar que essas
indústrias terão que reconverter suas estruturas para produzir outras coisas.
Ao invés de produzirem revólveres, que produzam camas, leitos de UTI. Ao
invés de produzirem morte, salvem vidas. Ao invés de indústrias que produzam
uma multiplicidade de aparelhos eletrônicos supérfluos, sempre sujeitos
à obsolescência programada e ao descarte rápido, que estejam voltadas
para a produção de equipamentos como respiradores, monitores de sinais vitais e
outros tantos bens essenciais, além de equipamentos duráveis. Que nós possamos
falar de indústrias como a automobilística, que ao invés de
continuar colocando carcaças de uma tonelada de aço nas ruas para transportar
uma ou duas pessoas, possam estar voltadas à produção de bens que de fato sejam
necessários, incluindo transporte público eletrificado.
Que
possamos falar muito diretamente que a maioria do trabalho realizado
hoje na sociedade é perdulário e dispensável! Além de emitir muito menos,
podemos ainda trabalhar muito menos. Por que não falar de jornadas de trabalho
bem mais curtas, até por conta da produtividade do trabalho que nós
temos hoje? Por que não falar de jornadas de trabalho semanais de 20 horas, fim
de semana de três dias, dois períodos de férias de 45 dias no ano? Isso é
perfeitamente viável, mantendo, ao mesmo tempo, todo mundo empregado e
produzindo de fato os bens necessários à nossa sociedade. É fundamental que,
portanto, para desarmar as bombas-relógio de novas pandemias e
da crise climática e ambiental, nós não voltemos à
normalidade de antes. Isso é tudo que não pode acontecer e essa disputa precisa
ser travada desde já.
IHU On-Line – Há
mundo por vir? Que mundo?
Alexandre Araújo Costa –
Todo crescimento exponencial produz crise, instabilidade e ruptura. É
por isso que o contágio em progressão geométrica dentro da pandemia nos trouxe
esse quadro tão alarmante. Isso vale para todas as outras crises de crescimento
exponencial que estão sendo impulsionadas pela sede
expansionista do modo de produção do sistema econômico vigente, seja o
aumento acelerado da concentração dos gases de efeito
estufa, seja a curva de extinção de espécies, sejam os demais
processos de degradação ambiental.
Há,
sim, um mundo por vir, cujas características estão em aberto – Alexandre Araújo
Costa.
Dito
isto, há, sim, um mundo por vir, cujas características estão em aberto.
Certamente será um mundo com uma biosfera mais empobrecida em relação
àquela que tivemos acesso durante todo o Holoceno, será um mundo com
temperaturas mais altas – o quanto ainda é uma questão em aberto –, será um
mundo em que nós teremos menos bens naturais à nossa disposição.
O
que está muito mais em aberto, no entanto, além desses aspectos objetivos, será
a nossa maneira de existir neste mundo. Se, de fato, aprendemos minimamente as
lições e achatamos esse conjunto de curvas exponenciais e voltamos a ser seres
que cabem na biosfera à qual pertencemos ou se vamos seguir
nessa rota suicida e genocida, dado que a desigualdade de nossa sociedade
impõe que os impactos de qualquer pandemia sejam sempre desiguais. É
isso, justamente, que está em jogo. As analogias que fizemos
entre pandemia e crise climática precisam ser levadas a sério. A
disputa pelo futuro é hoje.
As
analogias que fizemos entre pandemia e crise climática precisam ser levadas a
sério. A disputa pelo futuro é hoje – Alexandre Araújo Costa. (ecodebate)
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