Territórios indígenas
funcionam como a barreira mais eficaz contra o desmatamento.
Garantir direitos aos
indígenas também protege a floresta.
Na Amazônia, os territórios
indígenas funcionam como a barreira mais eficaz contra o desmatamento, caso
suas comunidades tenham seus direitos sobre os territórios garantidos.
Um estudo publicado em
Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS, 10 de agosto), que
pesquisou a relação entre o direito dos povos indígenas à terra e o
desmatamento, cruzou informações de satélite sobre a cobertura vegetal da
floresta amazônica brasileira, entre 1982 e 2016, com registros do governo
brasileiro sobre os direitos de propriedade das comunidades indígenas locais.
Assim, os pesquisadores
descobriram que ter direitos de propriedade permite que os indígenas protejam a
terra de ameaças externas, o que se traduz em uma redução de 66% no
desmatamento. Esse efeito não se evidenciou nos territórios onde os direitos
indígenas não são reconhecidos ou são parcialmente reconhecidos.
A Amazônia representa metade
da floresta tropical do planeta, com grande influência no clima e nos ciclos
hidrológicos do mundo. Nos últimos anos, tem sofrido um desmatamento sem
precedentes, principalmente por causa de incêndios florestais, extração ilegal
de madeira e aumento da mineração, de acordo com o estudo baseado em dados do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais -INPE brasileiro.
De janeiro a agosto/2019,
esse instituto registrou mais de 40.000 incêndios, com um aumento de 278% no
desmatamento na Amazônia Legal, onde 60% da floresta amazônica está localizada.
A queima de florestas, a principal causa desses incêndios, é usada para limpar
rapidamente a terra para fins agrícolas.
Pesquisa mostra que, além de
garantir a justiça social, a manutenção desses povos assegura a conservação da
floresta.
De acordo com o estudo, em
1985, a maioria dos territórios indígenas não tinha direitos plenos de
propriedade, mas em 1995 cerca de metade desses locais haviam sidos
homologados. Essa homologação é obtida por decreto presidencial e é a última
etapa de um processo que envolve diferentes instâncias jurídicas.
“O território constitui o bem
social e cultural mais importante para os povos indígenas. Nessa perspectiva,
assegurar seu espaço de vida, constitui a base sobre a qual se apoiam o
conjunto dos direitos indígenas”, explicou Mariela Flores Llampa, advogada
diaguita da Comunidade Indígena Quilmes-União, dos Povos da Nação Diaguita, em
Tucumán, Argentina.
Ane Alencar, diretora de
Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), disse que a
pesquisa confirma, por meio de análises estatísticas, o que se pode pensar
intuitivamente: “Mostra que garantir os direitos territoriais é fundamental
para combater o desmatamento e os incêndios”, afirmou.
Alejandra Ahmad, autora de
uma tese sobre políticas públicas em relação à propriedade das terras dos povos
originários da Argentina, disse que o primeiro antecedente na América Latina e
no Caribe sobre o reconhecimento coletivo da propriedade da terra das
comunidades indígenas ocorreu na Nicarágua.
Foi em 1988, com uma decisão
a favor da comunidade Awas Tigni, que havia processado o governo da Nicarágua
por permitir a extração de madeira em seu território, sem o seu consentimento.
“A corte reconheceu a propriedade coletiva dos povos indígenas e ordenou a
demarcação e titulação das terras em nome dessa comunidade”, ressaltou Ahmad.
Na Argentina, uma decisão da
Corte Interamericana de Justiça em 06/02/2020, reconheceu a propriedade
comunitária de 400.000 hectares a 132 comunidades indígenas da província de
Salta, reunidas na associação civil Lhaka Honhat, após um processo iniciado em
fins de 1980.
A decisão não apenas
corroborou o direito à propriedade comunitária, como também ressaltou o direito
a um ambiente saudável, alimentação adequada, acesso à água e participação da
comunidade na vida cultural, destacou Ahmad.
No entanto, a advogada Flores
afirma que na Argentina pouco se avançou no sentido de garantir aos povos
indígenas a posse e a propriedade comunitária das terras que tradicionalmente
ocupam, apesar de contar com o quadro jurídico mais completo e abrangente, com
adesão aos tratados internacionais e leis estaduais.
“De pouco valem, se não são
dotados com um orçamento adequado, capital humano comprometido e, sobretudo,
vontade política para realizar um verdadeiro reconhecimento dos Povos
Originários”, opinou.
No Brasil, “as políticas públicas, a mobilização internacional e as ONGs devem agora concentrar seus esforços em pressionar o governo brasileiro a registrar territórios indígenas que ainda aguardam seus plenos direitos de propriedade”, concluiu a coautora do estudo publicado em PNAS. (ecodebate)
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