O estudo é o resultado de um
levantamento feito entre 2016 e 2020, que envolveu entrevistas aos
representantes dos institutos de terra estaduais e a instituições que atuam no
tema; revisão da legislação fundiária dos nove estados da Amazônia Legal, além
de levantamento de dados junto a órgãos federais e estaduais.
O relatório destaca dez fatos principais para entender como as leis e políticas fundiárias atuais acabam estimulando o desmatamento e a grilagem. Entre eles estão:
i) a falta de destinação ou informações fundiárias em 28,5% da Amazônia Legal;
ii) os governos estaduais como responsáveis pela maior parte do território sem destinação na região;
iii) a falta de controle e planejamento para a destinação das terras públicas;
iv) a ausência de procedimentos que garantam a destinação
de terras públicas de acordo com a hierarquia definida no ordenamento jurídico,
como a prioridade de reconhecimento de terras indígenas e áreas necessárias à
conservação ambiental. Nesse último exemplo, os autores indicam que 43% das
áreas sem destinação fundiária possuem prioridade para conservação, de acordo
com o Ministério do Meio Ambiente. Mas esse dado não é levado em consideração
nos processos de regularização fundiária, o que pode levar à privatização
associada a desmatamento nessas regiões.
Além disso, na análise dos
pesquisadores do Instituto, a maioria das leis incentiva o roubo de terras
públicas. “As leis fundiárias vigentes na Amazônia refletem uma visão de que a
terra pública está disponível para ocupação e apropriação, o que é um estímulo
para a continuidade de invasões no território. Isso ocorre porque poucas leis
estaduais determinam qual a data limite em que um particular pode iniciar uma
ocupação para receber um título de terra. Ou seja, ocupações ocorridas em
qualquer ano, inclusive futuramente, seriam, a princípio, elegíveis para receber
um título de terra. Mesmo aquelas leis que possuem um prazo acabam sendo
alteradas para adiá-los. Casos recentes de mudanças nesse marco temporal
incluem uma alteração na legislação federal em 2017 e em Roraima em 2019”,
afirma Jeferson Almeida, pesquisador do Imazon e um dos autores do estudo.
O relatório também aponta que
a desorganização das bases de dados dos órgãos fundiários é uma das limitações
para criar um ambiente de compartilhamento de dados entre instituições, o que
poderia agilizar a análise de pedidos de titulação e dar maior transparência às
informações fundiárias. “Há vários estudos apontando que precisamos de um
cadastro de terras unificado no Brasil para melhorar a gestão fundiária, e
concordamos com essa sugestão. Porém, a situação que encontramos nos órgãos
fundiários estaduais mostra que isso só ocorrerá se houver um investimento de
médio prazo na organização e digitalização de suas bases de dados, para que as
informações consigam ser compartilhadas”, destaca Brenda Brito.
Finalmente, os pesquisadores
ressaltam a alta expectativa de lucro com a invasão de terra pública devido ao
baixo valor cobrado pelos governos na titulação de médios e grandes imóveis. Em
média, o valor base cobrado pelos governos estaduais na venda de terra pública
corresponde a apenas 15% do valor de mercado, com dispensa de licitação. Já o
governo federal cobra em média 26%. Além disso, sobre esse valor ainda podem
incidir vários índices que reduzem ainda mais o preço final.
Essa diferença entre o valor
cobrado pelo governo e o valor de mercado representa um subsídio àqueles que
ocupam terras públicas. Os autores também ressaltam que não há garantia de que
essa facilidade para pagamento será convertida em geração de empregos ou adoção
de práticas mais sustentáveis de produção nos imóveis. Isso porque nenhum órgão
de terra na região monitora as obrigações socioambientais que devem ser
cumpridas nas áreas tituladas. “Se a finalidade do governo é incentivar a
produção sustentável, os subsídios aplicados no valor da terra deveriam ser
substituídos por outros ligados ao uso do imóvel após titulação. Ou seja,
cobrar valor de mercado na venda dos imóveis, mas conceder abatimentos nas
parcelas anuais ou remunerar com esquemas de pagamentos por serviços ambientais
se os titulados cumprirem o Código Florestal ou adotarem prática de agricultura
de baixo carbono”, ressalta Brenda Brito.
Por isso, os autores sugerem
propostas de alterações na legislação devem considerar os seguintes aspectos:
1. Instituir procedimento
transparente e com ampla consulta para destinação de terras públicas. Isso
aumentaria, por exemplo, a chance de identificar áreas em conflito e com
demandas prioritárias de reconhecimentos territorial ou de conservação
ambiental.
2. Proibir privatização de
áreas predominantemente florestais. A privatização de áreas que possuem, por
exemplo, mais de 80% de sua cobertura florestal, permite que parte dessa
floresta seja desmatada legalmente, contribuindo com o desmatamento.
3. Definir um marco temporal
que limite a data de ocupação de terras públicas passíveis de titulação, para
aquelas leis que não possuem essa previsão. E também inserir nas Constituições
Estaduais um artigo prevendo o impedimento da mudança desse marco temporal
futuramente, reconhecendo de forma explícita para essa finalidade o princípio
da vedação do retrocesso ambiental.
4. Determinar valores de
imóveis compatíveis com o mercado de terras na regularização por venda. Além
disso, repassar a tarefa de cobrar os valores a instituições financeiras, para
que haja efetivamente o pagamento ou a execução das dívidas. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário