Rebanho bovino e alta demanda
por energia nas capitais estão entre as principais fontes de gases de efeito
estufa na região Nordeste, mostra mapeamento municipal inédito do Observatório
do Clima.
A abertura de novas áreas
para a pecuária e o cultivo de soja é um dos principais obstáculos à redução
das emissões de gases de efeito estufa no Nordeste do país. A região emitiu
250,2 milhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e)
em 2018, o correspondente a 13% do total nacional, de acordo com a primeira
edição do SEEG Municípios, uma iniciativa do Observatório do Clima. O cálculo
leva em conta o CO2 e outros gases ligados ao aquecimento global,
como metano (CH4) e óxido nitroso (N2O).
No quadro geral, as emissões
do Nordeste diminuíram se comparadas com o total registrado no ano de 2000,
quando a região emitiu 301,6 milhões de toneladas de CO2e. Contudo,
é possível identificar aumento das emissões ao se analisar as contribuições de
cada setor. Em 2000, a agropecuária foi responsável pela emissão de 59,3
milhões de toneladas de CO2e no Nordeste. Já em 2018, as emissões do
setor atingiram 69,5 milhões de toneladas de CO2e.
Outros setores que liberaram,
no mesmo período, mais gases de efeitos estufa na região foram o de energia (de
30 milhões de toneladas para 70 milhões de toneladas); o de processos
industriais (de 5 milhões de toneladas para 5,4 milhões de toneladas); e o de
resíduos (de 10,5 milhões de toneladas para 22,3 milhões de toneladas). A única
categoria que registrou diminuição das emissões no Nordeste, comparando os anos
de 2000 e 2018, é a de mudanças de uso da terra. A queda foi de 195,6 milhões
de toneladas de CO2e em para 81,9 milhões de toneladas de CO2e.
Em aproximadamente 65,2% dos
1.794 municípios da região, o principal fator das emissões é o setor
agropecuário, especialmente nos Estados do Maranhão e da Bahia. Mudanças de uso
da terra, decorrentes principalmente do desmatamento, são responsáveis pela
maior parte das emissões em 20,3% dos municípios nordestinos.
“Dentro da agropecuária, a
fermentação entérica é o principal emissor em 67,3% dos municípios da região
Nordeste”, informa Renata Potenza, coordenadora de projetos do Imaflora,
organização responsável por compilar as informações sobre o setor. Ela se
refere ao processo de digestão do rebanho bovino, durante o qual os animais
liberam gás metano via eructação – o popular “arroto” do boi.
Açailândia, no extremo oeste
do Maranhão, destaca-se no levantamento. Do total de 2 milhões de toneladas
brutas de CO2e liberadas pelo município em 2018, aproximadamente
86,2% correspondem ao setor agropecuário e a alterações no uso da terra.
Açailândia integra uma região conhecida como “Matopiba” – acrônimo formado
pelas iniciais de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
“Essa região é marcada pela
rápida conversão do Cerrado em áreas de produção agrícola e pecuária, com
ênfase para commodities de exportação, como a soja”, explica Bárbara Zimbres,
pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), uma das
entidades que participaram do levantamento.
“O plantio de soja e outras
culturas agrícolas ganhou força, nos últimos anos, em municípios localizados no
oeste da Bahia”, diz Zimbres. É o caso das cidades baianas de Correntina e São
Desidério, que aparecem entre os 50 maiores produtores agrícolas do país, de
acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Contudo, entre os 15 municípios mais emissores no Nordeste, destacam-se aqueles que têm no setor de energia sua principal fonte de emissões – devido especialmente ao consumo de combustíveis fósseis, como diesel e gasolina, nos transportes. Não surpreende que municípios mais populosos ou próximos de áreas litorâneas despontem nessa lista, como as capitais São Luís (MA), Fortaleza (CE), Salvador (BA), Recife (PE), Aracaju (SE) e João Pessoa (PB). Somadas, as capitais – incluindo Natal (RN), Teresina (PI) e Maceió (AL) – emitiram 22,1 milhões de toneladas brutas de CO2e em 2018.
O campeão de emissões no Nordeste, porém, é São Gonçalo do Amarante, no Ceará. Com uma população de apenas 48 mil habitantes, o município é sede de duas termelétricas fósseis que funcionam a partir da queima de carvão mineral. A cidade cearense emitiu 4,5 milhões de toneladas de CO2e em 2018 – mais que o dobro do que foi emitido entre 2000 e 2011, período anterior à construção das termelétricas.
“Situação parecida ocorre em
São Francisco do Conde, na Bahia”, alerta Felipe Barcellos e Silva, pesquisador
do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). “O município faz parte da
região metropolitana de Salvador e é um dos que mais emitem carbono no
Nordeste.”
A razão, dia Barcellos, é que
a cidade abriga a Usina Termelétrica Celso Furtado, movida a gás natural – um
combustível fóssil – e a Refinaria Landulpho Alves, a primeira refinaria
nacional de petróleo, criada em setembro de 1950. “Assim como queimadas
florestais, refinarias de petróleo têm grande participação na emissão de
poluentes”, comenta Barcellos.
Não só de emissões é feito o
levantamento do Observatório do Clima. As análises também levam em conta ações
de remoção de gases de efeito estufa colocadas em prática nos municípios. “É
possível remover CO2 da atmosfera a partir de alterações de
cobertura e uso da terra”, afirma Zimbres, do Ipam. “Isso pode ser feito por
meio do manejo de áreas protegidas, como terras indígenas, ou de florestas
secundárias, formadas em áreas degradadas”, explica a pesquisadora.
Mesmo municípios com altas
taxas de desmatamento, como Açailândia, Bom Jardim e Barra do Corda – todos no
Maranhão – conseguem remover volumes consideráveis de carbono da atmosfera,
reduzindo as chamadas emissões líquidas. Juntas, essas cidades contabilizaram
uma remoção de 2,1 toneladas de CO2e em 2018. Ao todo, o Nordeste
contribuiu com a remoção de 63,3 milhões de toneladas de CO2e, o
equivalente a 21,7% do total de gases removidos no país em 2018.
O levantamento também mapeou
o impacto do tratamento de resíduos líquidos e sólidos nas emissões. Cidades
grandes e populosas do Nordeste também são aquelas onde o tratamento de
resíduos é uma fonte relevante de gases de efeito estufa – ainda que essa
categoria responda por apenas 4% das emissões brutas do Brasil.
“As capitais e os municípios
brasileiros com mais de 1 milhão de habitantes são responsáveis por cerca de
30% de todas as emissões do setor de resíduos”, ressalta assinala Íris Coluna,
engenheira ambiental do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade. De
acordo com ela, a região Nordeste responde por 24% das emissões desse setor,
ficando atrás apenas do Sudeste.
Fortaleza
(CE), Salvador (BA) e Recife (PE) estão entre os dez municípios brasileiros que
mais emitem gases de efeito estufa pela disposição final de resíduos sólidos em
aterros sanitários – controlados ou lixões. “Cerca de 77% dos municípios do
Nordeste têm como principal fonte de emissão, dentro do setor de resíduos, a
disposição final do lixo”, sublinha Coluna.
Para ela, um dos méritos do
SEEG Municípios é disponibilizar dados locais para que cada cidade possa
elaborar suas próprias estratégias de redução de emissões. “Ter acesso a esse
tipo de informação é importante, porque permite que o município compreenda sua
realidade ambiental e enfrente os problemas de maneira mais efetiva.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário