Data marcou o começo do
registro dos créditos de descarbonização (CBios) no mercado de balcão da Bolsa
brasileira B3, dando o pontapé inicial para o primeiro mercado regulado de carbono
do Brasil. Criação desse ambiente de comercialização (funcionamento do
programa) fechou o tripé da lei que criou o RenovaBio em 2017, que inclui ainda
a estipulação de metas de redução de emissões para distribuidoras e
importadoras de combustíveis fósseis e a certificação pela ANP das produtoras
de biocombustíveis.
“O balanço desse primeiro ano
do RenovaBio é positivo, apesar das dificuldades de colocar de pé um programa
dessa envergadura, que é o maior em descarbonização da matriz de transportes no
mundo”, afirma Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de
Cana-de-Açúcar (Unica). Segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME),
foram emitidos 18,5 milhões de CBios e negociados 14,8 milhões de créditos, o
equivalente a 98% da meta para o ano.
Isso ocorreu num momento
particularmente turbulento, com a pandemia causando uma redução no consumo que
obrigou a um corte nas metas originais. Problemas relacionados à demora na
oferta real dos títulos registrados geraram um estresse entre as partes envolvidas
e os preços deram uma disparada num período, gerando queixas dos
distribuidores. A BrasilCom, entidade que reúne pequenos distribuidores, chegou
a entrar na Justiça contra o que considerou uma negociação desigual.
Gussi reconhece que houve
necessidade de ajustes nos processos de comercialização, mas comemora o fato de
que as queixas não tiveram como alvo a estrutura ou o conceito do programa.
“Nenhuma ação questionou as bases, como o programa de certificação, a
organização da ANP, ou os papéis da Receita Federal ou dos sistemas do Serpro,
por exemplo”, afirma.
Para 2021, a meta de geração
de CBios foi fixada em 24,86 milhões de créditos e quase 50% da comercialização
já havia sido atingida no início de abril.
Gussi conta que está em negociação com a B3 para que se aproximem do modelo de concorrência perfeita no mercado de CBios, ao agregar outros investidores. Como está hoje, o modelo concentra as compras em quatro empresas: BR Distribuidora, Ipiranga, Raízen e Alesat ficam com 68% dos créditos.
Oportunidades
O presidente da Unica vê no
programa uma grande chance de transformar a sustentabilidade em negócio. “Além
de ajudar a reduzir as emissões pela substituição de combustíveis, quando vou
medir a pegada de carbono em cada passo da cadeia (para a certificação)
encontro oportunidades de redução, como trocar os adubos nitrogenados no
plantio ou o uso de diesel no transporte. Essas oportunidades trazem mais
eficiência”, afirma Gussi.
Na outra ponta do mercado de
créditos, Valéria Amoroso Lima, diretora de Downstream do Instituto Brasileiro
de Petróleo (IBP), também elogia o RenovaBio, embora avalie que ele precisa de
alguns ajustes e inovações. “Sabemos que a descarbonização é um caminho sem
volta e que não existe um modelo que seja padrão para todos os países”,
comenta. Ela considera que a matriz de transportes é uma das mais difíceis de
se descarbonizar porque os combustíveis fósseis são os mais eficientes e
baratos há mais de um século. O petróleo, por exemplo, ainda responde por 90%
do consumo total de combustíveis no mundo.
A diretora do IBP diz que o
RenovaBio é uma iniciativa importante que se encaixa em projetos globais de
elevar a oferta de biocombustíveis na economia, mas que precisa inserir
atualizações tecnológicas. “Nosso biodiesel hoje é de base éster, mas há novas
tecnologias mais avançadas, como o biodiesel de hidrogênio. O diesel verde é
uma molécula igual à do diesel fóssil, sem o problema da qualidade. A
regulamentação precisa incluir esse biodiesel avançado”, sugere.
No planejamento global, no entanto, as apostas continuam a recair sobre o etanol de cana e o biodiesel. No último relatório de perspectivas para os próximos 10 anos da OCDE/FAO, a previsão é que os biocombustíveis aumentem sua participação no uso global da cana-de-açúcar para cerca de 25% em 2029, em comparação com 23% estimados em 2020. Esse aumento é atribuído exatamente à expansão planejada do RenovaBio brasileiro. (RL)
Oferta baixa de CBios elevou preço
Nem tudo foram flores no
início das negociações de CBios na B3 em 2020. A Associação das Distribuidoras
de Combustíveis (BrasilCom), que representa mais de 40 distribuidoras
regionais, obteve uma liminar na Justiça Federal em novembro para que suas
associadas cumprissem apenas 50% das metas de compras dos créditos de
descarbonização.
Segundo
Sergio Massillon, diretor institucional da entidade, a BrasilCom queria com a
medida mostrar a preocupação com a efetiva disponibilidade de CBios para compra
e a resultante elevação dos preços de comercialização. “Apesar de os produtores
informarem o cadastro de milhares de certificados, o desequilíbrio existente
entre a obrigação das distribuidoras de adquirir os títulos e a dos emissores
de efetivamente autorizar a sua venda resultou em um aumento excessivo dos
preços”, lembra.
De fato, a indisponibilidade
de CBios durante um período levou o preço do título a mais de R$ 60 em meados
de outubro, ante R$ 19 originais. O preço médio no ano foi de R$ 43.
O Instituto Brasileiro de
Petróleo (IBP), que representa as grandes distribuidoras e que não entrou na
Justiça no ano passado, compartilha dessas preocupações. “Precisamos de
mecanismos para evitar que o preço se descole da realidade”, afirma Valéria
Amoroso Lima, diretora de Downstream do IBP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário