Desconsiderar mudança climática fez Brasil gastar R$ 17 bi a mais com térmicas.
A Conferência das Partes (COP) começa em 31/10/21 em um cenário de escassez e preço alto de energia que ameaça a retomada da economia mundial. No Brasil, a crise energética é agravada por planejamentos que ignoram as mudanças climáticas e o “novo normal” – a redução de chuvas que tem se evidenciado nos últimos anos.
A falta de água custa caro à União, ao setor produtivo e ao consumidor. Um estudo apresentado em mesa redonda promovida pelo iCS (Instituto Clima e Sociedade) estima que o Brasil gastou R$ 17 bilhões a mais do que teria gasto se tivesse agido de forma preventiva, acionado há mais tempo térmicas a gás, mais baratas, para economizar a água das hidrelétricas.
Esse “seguro contra a seca” teria custado R$ 20 bilhões. Como não foi feito, os reservatórios chegaram ao menor nível em 90 anos, e o governo, agora, tem de gastar R$ 37 bilhões para acionar todas as térmicas, inclusive as mais caras, a diesel. Os cálculos são do engenheiro Donato Filho, diretor da Volt Robotics e professor de pós-graduação da USP em Modelagem Computacional e Sistemas Inteligentes. A apresentação do estudo contou com a participação o do matemático Sérgio Margulis e do engenheiro Luiz Eduardo Barata, ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), entre outros especialistas convidados pelo iCS.
O estudo mostra também que a conta poderia ser ainda menor caso o governo tivesse investido antes na ampliação da geração solar e eólica. Essas fontes renováveis teriam evitado o esvaziamento dos reservatórios, cumprindo a mesma função que as térmicas, só que a um custo muito menor e sem aumentar as emissões. Um investimento anual de R$ 10,7 bilhões, metade do valor gasto com as térmicas, seria o melhor “seguro contra a seca” disponível. “Em vez disso, leis e emendas obrigam a contratar térmicas, um malabarismo para passar o custo da energia suja ao consumidor. É uma espiral da morte: aumentamos as emissões de CO2, que aceleram as mudanças climáticas. As térmicas deveriam ser a última opção, mas se tornaram prioridade nas emendas do Congresso à MP de privatização da Eletrobras, com o consumidor sendo forçado a comprá-las a preços altos”, critica Donato.
Sérgio Margulis reforça que o planejamento não pode mais ignorar as mudanças climáticas: “As secas não são mais eventos extraordinários, são para sempre e cada vez mais frequentes e intensas. O setor agrícola também vai ter que se adaptar a mais temperatura e menos chuva, todos temos de conviver com o novo normal.” Margulis, que foi economista do meio ambiente do Banco Mundial em Washington por 22 anos e trabalhou com o tema em mais de 40 países, é autor de “Mudanças climáticas: tudo o que você queria e não queria saber”. Ele apresentou uma série de mapas evidenciando a tendência de redução da chuva em todo o Brasil, com exceção do Sul.
“O
fator fundamental desta grande crise é que o planejamento não considera as
mudanças climáticas. Quem paga é o contribuinte, e isso impacta toda a
economia”, complementa a diretora programática do iCS, Teresa Liporace.
Ela
lembra que, às vésperas da COP, o Brasil dá uma “pedalada” em sua própria
vantagem competitiva, adotando ações poluentes quando deveria mitigar riscos
climáticos. “A quem interessa adotar medidas de curto prazo que vão ter
impactos em longo prazo para todos?” O ex-ministro José Goldemberg, que
presidiu quatro estatais do setor elétrico, comparou a atitude do governo em
não evitar o esvaziamento dos reservatórios à de quem não faz seguro do carro.
“Se você paga o seguro, vê que é muito menos do que o prejuízo de perder o
carro. Não fazer seguro contra a incerteza tão grande de chuvas é um absurdo.”
Ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e ex-secretário-executivo do Ministério das Minas e Energia, Luiz Eduardo Barata lembra que o problema das mudanças climáticas é mundial, mas o Brasil procura agravá-lo ao contratar fontes poluentes em vez de se adequar à realidade. “O problema não é divino, é da natureza. Começa com crise climática, se transfere para a hídrica e, no Brasil, vira crise elétrica. O caminho é quebrar o paradigma e viabilizar a contratação em grande escala das renováveis, mas insistimos em negar o que o mundo nos apresenta”, disse o engenheiro.
O clima está mudando mais rapidamente do que conseguimos imaginar.
Muitos estudos, segundo Barata, demonstram que o Brasil pode recuperar os reservatórios, tirando-os da situação crítica, com energias renováveis. “O esquema que vivemos desde o início do sistema, década de 50, não serve mais, e o uso das renováveis no período seco permitiria manter as hidrelétricas em condições de modular a carga elétrica o ano todo, sem esvaziar os reservatórios”. Donato reitera que o Brasil precisa observar como as mudanças climáticas estão alterando decisões governamentais pelo mundo. “O governo da China, um país comunista, está falando em adotar preço de mercado para a energia, para as pessoas sentirem o que estão gastando. E nós estamos com tarifa fixa”, compara. (ecodebate)
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