China
e Estados Unidos costumam ser o centro das atenções em discussões sobre
mudanças climáticas por serem os dois maiores emissores de gases poluentes. Mas
o Brasil deve ser um dos países mais cobrados na COP26, a conferência das
Nações Unidas sobre clima, por tem um papel fundamental em evitar efeitos
catastróficos das mudanças climáticas.
Isso
não se deve apenas à importância singular da Amazônia no equilíbrio do clima. O
Brasil é, atualmente, o sexto maior emissor de gases do efeito estufa. E um
estudo recente publicado pela Carbon Brief, revista especializada em estudos sobre
mudanças climáticas, mostrou que o Brasil é o quarto maior emissor histórico de
gás carbônico em números absolutos — atrás apenas de EUA, China e Rússia.
"O
Brasil é um dos maiores emissores históricos de gás do efeito estufa, quando se
leva em consideração todo o desmatamento ocorrido em todas as regiões desde a
revolução industrial. Ele tem um papel importante na redução de emissões,
apesar de ainda ser um país em desenvolvimento com desafios para redução de
pobreza", disse à BBC News Brasil Carlos Rittl, pesquisador de políticas
públicas da Rain Forest Foundation, ONG ambiental da Noruega.
As
emissões do Brasil aumentaram no primeiro ano do governo Bolsonaro. Segundo
dados do INPE, analisados pelo Observatório do Clima, em 2019, as emissões de
gás carbônico alcançaram 1,38 milhões de toneladas — o maior volume registrado
em 13 anos, desde 2006.
A
grande maioria das emissões vem do desmatamento, seguida pela poluição
energética.
Sem
Amazônia, metas desandam
Além
do impacto climático por ser um grande emissor de carbono, o Brasil, por causa
da Amazônia, tem uma importância crucial para o sucesso ou fracasso da meta do
Acordo de Paris de manter o aquecimento global em 1,5°C.
Um
aquecimento maior do que esse tornaria diversas áreas do planeta inabitáveis, contribuiria
para eventos climáticos extremos, significaria a extinção de espécies e
ameaçaria o fornecimento de alimentos no mundo, segundo cientistas.
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, explica que algumas áreas de alta absorção de carbono da atmosfera, como a Amazônia e as geleiras do Ártico, podem derrubar por si só as metas de controle climático, se deixarem de existir ou sofrerem muita degradação.
A floresta Amazônica ajuda a equilibrar o clima do planeta, ao capturar e estocar quantidades enormes de dióxido de carbono/CO2, um dos principais gases do efeito estufa. Quando árvores são derrubadas, parte desses gases são liberados para a atmosfera e novas absorções deixam de ocorrer. Também é da Amazônia que vem 70% das chuvas que irrigam as áreas agricultáveis do Centro Oeste, Sul e Sudeste do Brasil, destaca Astrini.
"Existem
hotspots (focos de interesse) de emissões no planeta que, se acionados, colocam
a perder a meta de 1,5°C. São os oceanos, a Groenlândia, o Ártico e a
Amazônia", diz o secretário-executivo do Observatório do Clima.
"A
Amazônia estoca o equivalente a cinco anos das emissões globais. Junta todo o
carbono de cinco anos de emissões do mundo, isso está estocando na Amazônia em
forma de árvore e no solo. Se a gente perde a floresta, a gente perde a corrida
pela manutenção do clima."
Mas
por que a Amazônia estoca tanto carbono?
Por
ser composta em sua maioria por floresta primária, a Amazônia tem uma
capacidade maior de absorção de CO2 que áreas replantadas e
reflorestadas em outras regiões do Brasil e do mundo.
As florestas primárias são aquelas que se encontram em seu estado original — não afetadas, ou afetadas o mínimo possível, pela ação humana. Por serem mais antigas, elas têm mais diversidade de espécies e guardam mais carbono.
Quanto mais antiga a árvore, maior a quantidade de carbono armazenada.
É lá que vivem árvores de centenas ou milhares de anos de idade, que cumprem um papel essencial na batalha contra as mudanças climáticas, porque agem como um enorme armazém de dióxido de carbono.
Uma
pequena parte do CO2 que as árvores absorvem no processo de
fotossíntese é emitida de volta para a atmosfera durante sua respiração. A
outra parte é transformada em carbono e usada na produção dos açúcares que a
planta necessita para seu metabolismo.
A
quantidade de carbono em uma árvore é medida pela espessura do tronco, onde o
gás é armazenado em forma de biomassa. Por isso, quanto mais antiga uma árvore,
mais carbono ela costuma armazenar. Por sua vez, a derrubada de uma árvore
milenar vai provocar uma liberação maior de carbono que a morte de uma árvore
jovem.
Parte da floresta já emite mais carbono que absorve.
Um dos efeitos do desmatamento é liberar o CO2 guardado na floresta de volta na atmosfera, pela queimada ou pela decomposição da madeira cortada — processos que transformam o carbono das árvores novamente em gás.
Por
este motivo, os cientistas temem que a região deixe de ser um armazém de
carbono e se transforme em um importante emissor de CO2, acelerando os efeitos
da mudança climática.
Um
estudo publicado na revista científica Nature revelou que, por causa do aumento
das queimadas e do desmatamento, a floresta amazônica brasileira liberou 20%
mais dióxido de carbono na atmosfera do que absorveu entre 2010 e 2019.
Os
pesquisadores identificaram uma divisão clara no volume de emissões entre a
parte leste, mais desmatada, e a parte oeste da floresta, mais preservada.
"A
parte leste da Amazônia, que está cerca de 30% desmatada, emitiu 10 vezes mais
carbono que a região oeste, que está 11% desmatada", explicad a
pesquisadora-chefe do estudo, Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisa
Espacial (INPE).
"Esse
é um impacto enorme. Estamos emitindo mais CO2 para a atmosfera, o
que está acelerando as mudanças climáticas, mas também promovendo mudanças nas
condições da estação seca, o que deixa as árvores ainda mais vulneráveis e
propensas a produzir mais emissões."
Em
2020, segundo ano de governo Bolsonaro, o desmatamento na região da floresta
foi o maior desde 2008, com uma taxa de área desmatada de 10.851 km2, conforme
dados do INPE. Já o número de focos de incêndio registrados em 2020 em todo o
território nacional foi o mais alto em dez anos.
'Ponto
de não retorno'
O
grande temor dos cientistas é que o desequilíbrio ambiental provocado pelo
desmatamento da Amazônia alcance o chamado "ponto de não retorno"
(tipping point, em inglês), como é chamado o momento em que a degradação, em
conjunto com as mudanças climáticas e a vulnerabilidade a incêndios, mudarão de
maneira irreversível o ecossistema tropical da floresta.
Segundo
o biólogo americano Thomas Lovejoy e o climatologista brasileiro Carlos Nobre,
do Instituto de Estudos Avançados da USP, esse "ponto de não retorno"
será alcançado quando entre 20% e 25% da floresta original forem desmatados.
Atualmente,
pouco mais de 18% de toda a floresta original foi desmatada, de acordo com
dados do projeto de monitoramento Mapbiomas, parceria entre universidades,
ONGs, institutos de todos os territórios amazônicos e o Google.
Segundo
as projeções de Nobre e Lovejoy, se o desmatamento continuar no ritmo atual,
esse "ponto de não retorno" chegará nos próximos 20 a 30 anos.
"Se
chegarmos a esse ponto, aumentará a duração da estação seca e a temperatura da
floresta. A partir daí, as árvores começarão a morrer de maneira acelerada, e
isso criará um ciclo vicioso. O que era floresta tropical ficará parecido com o
cerrado brasileiro, mas como uma espécie de savana pobre, sem a rica
biodiversidade do cerrado", disse Carlos Nobre à BBC News Brasil.
Secas prolongadas e escassez de alimentos
Mudanças climáticas e desmatamento na Amazônia ameaçam colheitas no Sul, Centro Oeste e Sudeste do Brasil.
O
Brasil é um dos países mais vulneráveis à desertificações decorrentes das
mudanças climáticas, segundo cientistas. E o contínuo desmatamento na Amazônia
contribui para reforçar essa tendência, porque o aumento das emissões impacta o
aquecimento da Terra.
O
último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),
divulgado em 09/08/21, aponta que, por causa da mudança do clima, boa parte do
Nordeste e o norte de Minas Gerais já têm enfrentado secas mais intensas e
temperaturas mais altas que as habituais.
Criado
na ONU e integrado por 195 países, entre os quais o Brasil, o IPCC é o
principal órgão global responsável por organizar o conhecimento científico
sobre as mudanças do clima.
"No
cenário atual, você tem dois eventos de seca a cada 10 anos, ou seja uma seca a
cada cinco anos. Num cenário de aumento de 4°C de temperatura,
você vai ter cinco eventos de seca a cada dez anos, ou seja, ano sim, ano não
vai ter seca", exemplifica Marcio Astrini, secretário-executivo do
Observatório do Clima.
Hoje,
segundo o IPCC, o mundo já teve um aumento de 1,1°C na temperatura média em
relação aos padrões pré-industriais. Se em 2030, a Terra deve alcançar um
aumento de 1,5°C, em várias regiões do Brasil o aumento será duas vezes maior,
com temperaturas batendo a faixa dos 40°C em várias partes do Semiárido,
conforme o relatório do IPCC.
Nesse
contexto, mudança climática e desmatamento na Amazônia se retroalimentam,
colocando pressão tanto no Nordeste quanto nas demais regiões do Brasil.
"A
retroalimentação está em que, no aumento da temperatura, a Amazônia começa a
secar. E, ao começar a secar, ela está mais vulnerável ao fogo e ao
desmatamento, e aumenta sua contribuição para o aquecimento do planeta, que
fica ainda mais severo e ajuda a secar a floresta e a aumentar as estações
secas", explica Astrini.
Como
70% das chuvas que irrigam as plantações do Centro-Oeste, Sul e Sudeste
brasileiro vêm das águas evaporadas da Amazônia, a degradação da floresta
também ameaça a agricultura brasileira e o abastecimento de alimentos no mundo,
já que o Brasil é um dos maiores produtores.
"Para deixar mais dramática a situação, o Brasil não tem infraestrutura de irrigação artificial. Só 5% da agricultura tem sistema irrigação. A agricultura brasileira é clima-dependente. Quando muda o clima, muda o regime de chuvas, você começa a perder em tudo: perde economia, fluxo migratório, áreas agricultáveis", destaca Astrini.
Desmatamento na Amazônia em 2020 foi o maior desde 2008, segundo dados do INPE.
"O
Brasil é extremamente frágil para questões de mudanças climáticas. E é um ator
crucial no combate ao aumento da temperatura da Terra", completa
secretário-executivo do Observatório do Clima. (yahoo)
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