Mudanças simples na alimentação
já poderiam contribuir para mitigação das mudanças climáticas.
Esses são alguns dos resultados
do mestrado de Ana Chamma, realizado na Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz (ESALQ) da USP.
Sob orientação de Gerd
Sparovek, professor da ESALQ e coordenador do Geolab, Ana, que é engenheira
sanitarista e ambiental, desenvolveu seu trabalho com o objetivo de apresentar
uma nova abordagem para garantir a segurança alimentar da população brasileira
e, ao mesmo tempo, a sustentabilidade do País.
Outro dado interessante foi que
a dieta da região Centro-Oeste, baseada em carne bovina, causa os maiores
impactos, tanto no uso da terra como no uso da água. Além disso, emite mais
gases de efeito estufa no ambiente.
Já a baseada em peixes e frutos
do mar, consumida em regiões nordestinas, é a que gera os menores danos.
O consumo alimentar tende a
crescer nas próximas décadas, especialmente os de origem animal, ao mesmo tempo
em que as áreas disponíveis ficarão cada vez mais escassas. Ana disse ao Jornal
da USP que as soluções existentes para enfrentar esse problema geralmente estão
focadas na expansão de novas áreas para produção ou no aumento do rendimento de
terras agricultáveis, sem considerar a real demanda por alimentos. “Quando se
pensa em mudanças climáticas, geralmente se olha para o transporte, para a
energia, mas a alimentação também é um ponto que merece a nossa atenção”.
“A inversão de lógica veio da
Ana. Ela entendeu que, com a inversão, os resultados seriam mais facilmente
comunicados e entendidos por não especialistas no assunto. E deu certo, foi uma
grande ideia”, comemora Sparovek.
Pensando nisso, a pesquisadora
propôs uma nova metodologia, denominada “da mesa ao campo”. Ao invés de se
pensar na expansão de ofertas de alimentos, Ana focou em reduzir o impacto
ambiental por meio da demanda alimentar.
Na primeira parte, testou-se a
possibilidade de expandir as áreas para a produção agrícola a partir de uma
dieta urbana brasileira, definida pelos dados contidos na Pesquisa de
Orçamentos Familiares (POF) de 2008/2009.
O uso da terra, as pegadas de
carbono (medida que calcula a emissão de carbono equivalente na atmosfera por
uma pessoa, atividade, evento, empresa, organização ou governo) e hídrica
(indicador do volume de água doce gasto na produção de bens e serviços) foram
analisados em oito cenários, que consideram diferentes tipos de níveis de
produtividade e de perda de alimento.
Para o cenário que representa o
sistema atual, estimou-se que 292 Mha devem ser utilizados no Brasil somente
para atender às necessidades da população. Dados do MapBiomas mostram que, atualmente,
a agropecuária ocupa cerca de 30% do território nacional (algo em torno de 225
Mha), sendo 167 Mha compostos de áreas de pastagem, 64 Mha de áreas agrícolas e
24 Mha de áreas de uso não definido (uma espécie de mosaico de pastagem e
agricultura).
Se considerarmos a projeção de
crescimento do número de habitantes para o ano de 2050, e caso nada se altere,
o uso requerido pela dieta urbana seria de 321 Mha.
Já em situações em que as
medidas de redução de perda de alimentos e ganho de produtividade foram
adotadas, 53 Mt de carbono equivalente e 43 trilhões de litros de água poderiam
ser preservados no Brasil anualmente.
Em outra etapa, a engenheira
investigou de que forma as diferentes dietas brasileiras provocam danos ao
planeta e se uma mudança de hábitos alimentares traz algum efeito positivo.
“Acreditamos que mudanças
simples, como consumir diferentes tipos de proteínas em uma semana, poderiam
minimizar esses danos”, afirma Ana. “Integrar medidas de intensificação na
produtividade agropecuária e redução na perda de alimentos, aliados à
modificação de hábitos alimentares, é uma alternativa para mitigação de
mudanças climáticas”.
Desafios
A Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO) prevê que 9 bilhões de pessoas habitem
a Terra no ano de 2050 , ou seja, teremos ao menos 1 bilhão de pessoas a mais
no planeta necessitando de alimentação daqui a 30 anos.
Garantir alimentos suficientes
para essas pessoas – de forma qualitativa e quantitativa – e que eles sejam
oriundos de sistemas sustentáveis é um dos grandes desafios do século 21. Os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – um apelo da Organização das
Nações Unidas à ação para acabar com a pobreza, proteger o planeta e assegurar
que todas as pessoas tenham paz e prosperidade – por exemplo, são compostos de
17 metas. Uma delas é a promoção do Fome Zero no mundo.
Dados apontam que, no Brasil,
de 1985 a 2018, as áreas destinadas à agricultura aumentaram 2,5%, e as
pastagens cresceram 37%. Já as áreas de vegetação nativa caíram 13%.
Foi pensando em todo esse cenário – e também em apresentar uma solução sustentável para o planeta -, que Ana desenhou o seu estudo. O primeiro capítulo teve como objetivo compreender a real necessidade do uso dos recursos para a produção de alimentos a partir da demanda alimentar da população.
Figura 1. Etapas metodológicas para a quantificação de variáveis ambientais seguindo a abordagem “da mesa ao campo”.
A dieta adotada pela
pesquisadora foi a urbana – por representar a região onde mora a maior parte da
população brasileira – e era composta de cinco refeições diárias (café da
manhã, almoço, lanche da tarde, janta e ceia) baseadas nas quantidades de
alimentos registrados pela POF.
Foram criados oito cenários,
que combinaram produtividades atuais e futuras e níveis de perdas de alimentos
em todo o sistema agroalimentar.
O primeiro deles levou em
consideração a produtividade para os anos de 2017/2018 sem nenhuma perda no
sistema. “É um cenário fictício, mas importante para compreender o efeito das
perdas de alimentos na geração dos impactos ambientais abordados”, explica Ana.
Já os subsequentes foram
simulados utilizando-se a produtividade dos anos 2017/2018 e as perdas em
diferentes níveis (ambiente doméstico, na produção agrícola, na colheita,
armazenamento, processamento e empacotamento, varejo e distribuição).
Segundo Sparovek, o desafio, do
ponto de vista metodológico, foi maior do que normalmente se vê em dissertações
de mestrado. “A combinação de dados que usamos não é fácil de ser feita, exige
muito conhecimento sobre as bases e de operações em banco de dados. Ana
conseguiu fazer isto por ter se dedicado à iniciação científica desde a
graduação e ter acompanhado outros trabalhos do nosso laboratório”, relata o
orientador.
Para este sistema, estimou-se
que 292 Mha devam ser utilizados no Brasil somente para o atendimento das
necessidades da população brasileira. Levando em conta a projeção de
crescimento populacional para o ano de 2050, o uso requerido pela dieta urbana
seria de 321 Mha, caso nada se altere.
Por meio da redução de perdas e
ganho de produtividade, 53 Mt de carbono equivalente poderiam ser reduzidas e
43 trilhões de litros de água preservados. Para os cenários otimizados, caso
houvesse a intensificação da pecuária e/ou redução de perdas de alimentos, a
expansão de áreas não seria necessária para atender às demandas futuras (2050).
“A situação perfeita viria do
aumento de produtividade aliado à diminuição das perdas no sistema”, explica a
pesquisadora.
Dietas por região e campanhas
No meio do caminho, a
engenheira identificou a quantidade de terra necessária para gerar produtos de
origem animal e vegetal. Para a produção animal, seriam necessários cerca de
195 Mha e para a vegetal, 48 Mha. “É uma diferença muito grande”, diz Ana.
“Nesta etapa, conseguimos pistas sobre qual dieta seria mais sustentável.”
O segundo capítulo teve como
objetivo identificar a magnitude dos impactos gerados pelo consumo de
alimentos, tais como o uso da terra, a emissão de gases de efeito estufa e os
recursos hídricos. Além disso, buscou-se compreender se a mudança de hábitos
alimentares poderia ter alguma relevância no controle das mudanças climáticas.
Para essa etapa, a metodologia adotada foi a mesma. O banco de dados foi ampliado e houve a elaboração de 17 dietas, divididas em quatro grandes grupos: regionais, situação domiciliar, classe de renda e modelos. “Todos os cardápios continham o mesmo consumo calórico, mas com a introdução de uma proteína diferente em cada um deles”, explica.
Quatro cenários foram simulados e o efeito de duas campanhas que incentivam a mudança de hábitos alimentares foi analisado.
O Segunda sem carne, realizado
em parceria com a Sociedade Vegetariana Brasileira (SBV), busca informar e
conscientizar a população sobre os impactos do uso de produtos de origem animal
na sociedade, na saúde, nos animais e no planeta, além de incentivar a
substituição de carnes por vegetais ao menos uma vez na semana.
Já a campanha Less is More –
Reducing Meat and Dairy for a healthier life and planet, lançada pelo
Greenpeace, quer reduzir em 50% o consumo de todos os tipos de carne e
derivados em todo o mundo até 2050.
Menos carne vermelha, mais
sustentabilidade
As análises das dietas
regionais mostraram que o cardápio da região Centro-Oeste do País causa os
maiores impactos, tanto no uso da terra quanto na emissão de GEE e no uso da
água, devido ao maior consumo de proteína bovina no cardápio. O consumo exige
uma área 1,4 vezes maior do que as dietas no Norte, Sul e Sudeste e 2,5 vezes
maior do que a da região Nordeste, que apresenta os menores impactos devido ao
consumo de peixe.
Os impactos gerados pelo
consumo alimentar de diferentes grupos de classe de renda e situação
domiciliar, bem como das regiões Norte, Sul e Sudeste, não apresentaram
variação significativa.
Tomando como referência a dieta
da região Centro-Oeste, se o melhor cenário fosse adotado, 54 m2 diários per
capita poderiam ser reduzidos para 29,1, ou seja, 1,8 vezes menos. Como os
impactos nas pegadas hídricas e de carbono dependem do nível de perda de
alimentos no sistema, no cenário em que ocorre a redução de perdas, 0,3 mil
litros de água poderiam ser poupados e 0,5 kg de carbono equivalente por dia,
por cada indivíduo, deixaria de ser emitido.
Dietas alternativas, principalmente as que consomem quantidades pequenas de carnes vermelhas, poderiam, se amplamente adotadas, reduzir a emissão de GEE na agricultura, reduzir a expansão de terra e gerar pegadas hídricas e de carbono muito menores.
O grande consumo de carne
bovina na dieta impacta 18 vezes mais o uso da terra do que uma à base de
plantas. “Me lembro que eu fiz um
paralelo entre os extremos: se toda a população só comesse carne vermelha,
seriam necessários quase 800 milhões de hectares por ano para dar conta dessa
demanda; para a dieta vegana, 50 milhões de hectares seriam suficientes”, conta
Ana.
A pesquisadora ressalta, ainda,
que não precisamos ser tão radicais. “Não queríamos dar soluções totalmente
fora da realidade. Se, durante a semana, consumíssemos proteínas animais
diferentes em cada dia, dois dias de cardápio vegetariano e um dia de vegano,
esse mix traria um resultado muito legal”, diz Ana. “Além disso, ter programas
de conscientização em escolas e outras instituições, por exemplo, ajudaria a
melhorar os resultados”.
Sparovek disse ao Jornal da USP conscientizar a todos que as escolhas das dietas impactam o ambiente de formas diversas é muito mais fácil. “Temas mais abstratos e duros, como emissões de gases de efeito estufa ou biodiversidade, dificultam o entendimento”, garante o professor. “Esse conhecimento pode ajudar as pessoas a entenderem as conexões das suas escolhas, não só em relação às dietas, mas de outras dimensões do seu modo de vida com as questões ambientais”.
“Medidas que diminuam a perda de alimentos também devem estar no radar dos formadores de políticas públicas. No mundo, 1,3 bilhão de toneladas vão para o lixo anualmente. Muita gente não passaria fome”, conclui. (ecodebate)
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