sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Mudança climática já afeta produção agrícola em 28% do Centro-Oeste

As alterações climáticas têm implicações graves para a agricultura e a segurança alimentar.

Número pode chegar a 50% na próxima década e a 70% em trinta anos; pesquisa comprova queda de produtividade e levanta discussão sobre o limite climático da agricultura no Brasil.

Um estudo publicado na revista científica Nature Climate Change, endossa a urgência de temas discutidos no maior evento sobre clima do mundo, a COP26, e aponta para o limite climático da agricultura no Brasil. Cientistas do Brasil e dos Estados revelam que efeitos das mudanças climáticas já afetam a produção agrícola no país – um dos maiores produtores de alimentos do mundo.

Mudanças no regime de chuvas e no aumento da temperatura, que já são observados hoje, tendem a se agravar ainda mais nos próximos anos, e os impactos serão sentidos principalmente no Cerrado brasileiro.

No Centro-Oeste, 28% das áreas agrícolas produtoras de milho e soja saíram do ideal climático, revela a pesquisa. Essas condições adversas já diminuíram a produtividade da soja e da safrinha do milho no Matopiba e em Mato Grosso, e perdas na produção deixaram áreas agrícolas sem plantar a segunda safra, principalmente a partir de 2012.

Se não houver investimento em adaptação, alerta o estudo, a porcentagem de agricultura fora do ideal climático na região central do Brasil pode chegar a 50% na próxima década e a 70% em trinta anos.

Os cientistas analisaram a relação entre produtividade e condições climáticas em 679 municípios de Mato Grosso e do Matopiba. Somados, eles respondem por 50% da produção agrícola brasileira e ocupam quase 2 milhões de quilômetros quadrados. Se fossem um país, os estados de Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Piauí e Tocantins estariam à frente da Argentina como o terceiro maior produtor de soja do mundo.

Plantações como essas dependem da estabilidade climática, mas a expansão agrícola, com desmatamento associado, muda o cenário, o que pode levar à queda de produtividade e à diminuição do número de safras, além de agravar o aquecimento global.

“A vegetação nativa funciona como uma usina natural que regula o microclima local. Se a gente suprime essa vegetação, a área da lavoura fica mais seca e isso atrapalha o ciclo de crescimento de plantas como a soja e o milho, impactando a produtividade da safra”, explica pesquisadora que liderou o estudo Ludmila Rattis, do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e do Woodwell Climate Research Center. “Quem corta a vegetação natural está plantando a seca”.

Perdas na produção

Quase 90% da agricultura no Brasil depende da chuva, o que torna a instabilidade climática um risco econômico e social para a cadeia de produção agrícola, tanto para exportação, quanto para consumo interno. Se nos primeiros estágios de desenvolvimento das mudas o clima fica instável, e não chove na hora esperada, por exemplo, ou a temperatura sobe muito, tem-se um cenário propício para a queda na produção das safras – mesmo em anos de seca menos intensa.

“O Brasil teria produzido muito mais grãos e expandido a agricultura mais rápido se não fosse pela intensificação de eventos climáticos extremos na região. A agricultura que substitui florestas está precisando como nunca das chuvas geradas pelas florestas”, diz Paulo Brando, um dos autores do artigo, pesquisador do IPAM e da Universidade da Califórnia em Irvine.

Na safra de soja sem irrigação, a perda calculada foi de até 5 quilos por hectare no Matopiba e 26 kg/ha em Mato Grosso. Para quem depende de irrigação, a perda é maior: são menos 111 kg/ha em Mato Grosso e 114 kg/ha no Matopiba. Já na safrinha de milho sem irrigação há uma perda de até 1.353 kg/ha no Matopiba e 892 kg/ha em Mato Grosso. Onde há irrigação, a perda é de 24 kg/ha no Matopiba e de 665 kg/ha em Mato Grosso.

Em anos de El Niño, a queda na produtividade das safras é ainda maior devido ao agravamento do fenômeno pelo efeito estufa. A perda na safra da soja pode ser até três vezes maiores e, na safra do milho, até nove vezes maiores.

Pesquisadores alertam para a necessidade de não apenas plantar outros tipos de sementes, mas de plantar diferente. Além disso, tecnologia e novas práticas agrícolas não serão suficientes sem que haja investimento em restauração de ecossistemas e manutenção da vegetação ainda existente.

“Adaptar cultivares ao novo clima é um desafio parecido com melhorar baterias de celular: há um limite genético para a planta, assim como há um limite físico para a bateria. Devemos investir em novas sementes e maquinários, mas buscar o equilíbrio climático deve ser prioridade”, afirma Rattis. “O sistema natural está muito próximo de sua capacidade máxima de resposta.”

Nas últimas décadas a expansão agrícola ocorreu para áreas mais quentes, o que forçou o limite de adaptação das plantas. “A agricultura no Brasil está pensada para o clima que tínhamos nas décadas de 1970 e 1980, quando o país começou a investir na adaptação de sementes. O clima já não é mais o mesmo e existe um limite de adaptação das plantas, criando um desafio gigantesco para o setor agrícola brasileiro”, comenta Brando.

Entre os parâmetros analisados para chegar aos resultados estão tendências de expansão da agricultura, áreas com um ou mais cultivos por safra, quantidade de areia no solo e adequabilidade climática ligada à produtividade de áreas plantadas, comparando dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) da produtividade de lavouras – em uma série histórica de 1976 a 2020 para a soja e de 2003 a 2020 para o milho – com as condições climáticas mensais do mesmo período nos municípios estudados. (ecodebate)

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