O artigo é de Michael Löwy,
diretor de pesquisa em sociologia no Centre nationale de la recherche
scientifique (CNRS), publicado por A Terra é Redonda, 29-04-2023.
O autor destas notas não se
julga um novo Moisés e não considera ter recebido este Ecodecálogo de Jeová.
Trata-se simplesmente de uma tentativa de responder, com um toque de ironia, em
duas páginas breves, à pergunta que muitos se fazem atualmente: o que fazer? O
que fazer diante da crise ecológica e da catástrofe climática?
1- Levarás a sério a crise
ecológica. Não se trata apenas de um problema entre muitos outros, é a questão
política, econômica, social e moral mais importante do século XXI. É uma
questão de vida ou de morte. Nossa casa comum arde em fogo. Não há tempo a
perder. Tu tens outras preocupações? Estás preocupado, com toda razão, com o
preço da gasolina e do gás e te preocupas injustamente com o grande número de
árabes, negros, ciganos, judeus, mexicanos e gays em teu país? Tens que
modificar tuas inquietações. A crise climática é mais grave. Muito mais grave?
Infinitamente pior. Trata-se da tua sobrevivência e/ou da de teus filhos e
netos.
2- Não adorarás os ídolos da
religião capitalista: “Economia de mercado”, “Energias fósseis”, “Crescimento
do PIB”, “Organização Mundial do Comércio”, “Fundo Monetário Internacional”,
“Competitividade”, “Pagamento da dívida”, etc. Estes são falsos deuses, ávidos
por sacrifícios humanos e responsáveis pelo aquecimento global.
3- Agirás diariamente de
acordo com os princípios ecológicos. Recusarás viagens de avião nas distâncias
cobertas por ferrovias. Reduzirás drasticamente teu consumo de carne. Evitarás
as armadilhas do consumismo. Terás consciência da interdependência de todos os
seres vivos e agirás com prudência e respeito pela natureza. Mas rejeitarás as
ilusões do “beija-florismo”: a crença de que a mudança ecológica resultará da
soma de pequenas ações individuais.
4- Apoiarás ações coletivas, por exemplo, qualquer luta ecológica concreta, em teu país e no mundo. Consoante o caso, optarás por manifestações de rua, atos de desobediência civil, ZADs [Zonas a Defender], sabotagem de oleodutos. Participarás ou apoiarás movimentos, ONGs, etc. que lutem pelas causas ecológicas, privilegiando as mais radicais.
5- Nunca oporás o social e o ecológico. Tentarás, por todos os meios, favorecer a convergência entre lutas sociais e ecológicas. Agirás para garantir empregos alternativos aos trabalhadores das empresas poluentes, que devem fechar. Tentarás aproximar sindicatos e movimentos ecológicos.
6- Serás solidário, militante
e/ou financeiramente, com os refugiados do clima e as vítimas de catástrofes
ecológicas. Exigirás que as fronteiras de teu país lhes sejam abertas e que os
países ricos do Norte indenizem os países pobres do Sul pelos danos causados
pelas mudanças climáticas.
7- Lutarás sem trégua contra
os políticos ecocidas e/ou negacionistas do clima, os Donald Trump, Jair
Bolsonaro, Scott Morrison e cia. Todos os meios são bons para desalojá-los,
trocá-los, neutralizá-los.
8- Rejeitarás o teu apoio
àqueles que invocam o nome da ecologia em vão. Ou seja, os políticos que fazem
belos discursos, mas não agem contra as emissões e os combustíveis fósseis. Ou
que propõem falsas soluções como os “direitos de emissão”, os “mecanismos de
compensação” e outras mistificações do capitalismo verde e do greenwashing.
9- Combaterás, por todos os meios,
as empresas da oligarquia fóssil, ou seja, o enorme complexo
econômico-financeiro-político-militar ligado às energias fósseis: petróleo,
carvão, gás. Lutarás por sua expropriação e pela criação de um serviço público
de energia, resolutamente orientado para as energias renováveis (solar, eólica,
hídrica, etc.) e capaz de oferecer serviços gratuitos às camadas populares.
10- Sabendo que o problema é sistêmico e que, consequentemente, nenhuma solução verdadeira será possível no marco do capitalismo, participarás, de uma forma ou de outra, dos partidos ou movimentos que propõem alternativas anticapitalistas: ecossocialismo, ecologia social, decrescimento, etc.
Em e-mail enviado ao Instituto Humanitas Unisinos (IHU), Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor, comenta:
Este texto fundamental do franco-brasileiro Michael Lövy, professor na Sorbone, sociólogo, grande conhecedor do Brasil e que une sociologia com ecologia, além de, sendo judeu, comparecer como um especialista em teologia da libertação latino-americana. Inteligência brilhante e rigor científico são marcas de sua vasta produção, em grande parte publicada no Brasil. Temos que divulgar este decálogo, pois não encobre os problemas, desmascara as armadilhas do sistema dominante e nos faz uma séria advertência: se não mudarmos, podemos desaparecer da face da Terra. Mas suas indicações vão ao sentido de o que devemos fazer já agora para salvar a vida do nosso planeta. LBoff. (ecodebate)
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