“Em vez de dominar a natureza
em benefício da população, talvez devêssemos garantir o decrescimento
populacional para possibilitar a sobrevivência do meio ambiente” - David
Attenborough (1926 - )
Existe uma relação
determinística entre o crescimento do volume da produção de bens e serviços, o
aumento das emissões de gases de efeito estufa e a elevação da temperatura
média global.
Ou dito de outra forma, o
crescimento demoeconômico aumenta as emissões de CO2 que acelera a
crise climática e gera recordes de calor e eventos meteorológicos extremos.
O gráfico abaixo – com dados do Energy Institute e da Divisão de População da ONU – mostra que enquanto a população mundial era de 3,3 bilhões de habitantes em 1965 e passou para 8 bilhões em 2022, as emissões globais de CO2 do setor de energia passaram de 11,2 bilhões de toneladas para 34,4 bilhões de toneladas no mesmo período. Houve uma queda das emissões durante a pandemia da covid-19 (que gerou uma recessão global), mas o ritmo de crescimento foi retomado e o montante de emissões de 2022 já superou o montante de 2019.
Até o século XX, a maior parte das emissões estavam concentradas na Europa Ocidental e nos Estados Unidos da América (EUA). Mas este cenário mudou no século XXI, com as emissões dos países em desenvolvimento crescendo em um ritmo muito mais rápido.
Atualmente, as emissões da
China praticamente empatam com as emissões de toda a Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), enquanto as emissões da Índia
estão a ponto de ultrapassar as emissões conjuntas dos 27 países da União
Europeia.
O fato é que existe uma forte
correlação entre o crescimento populacional global e o aumento das emissões de
CO2. O gráfico abaixo mostra como os dois crescimentos estão
relacionados. A reta de tendência linear entre as duas variáveis indica que
97,23% da variabilidade das emissões globais está diretamente associada ao
avanço do montante populacional, considerando o período 1965 a 2022.
No artigo “O papel da
população e da economia nas emissões de CO2 em Luxemburgo e
Camarões” (Alves, 31/05/2023) mostrei que a despeito de Luxemburgo ter uma
emissão per capita muito maior do que Camarões, as emissões totais do país
pobre já são maiores do que no país rico.
Em 1950, Luxemburgo emitia 2 milhões de toneladas de carbono e Camarões emitia apenas 0,04 milhões de toneladas. Em 2021, Luxemburgo emitiu 2,28 milhões de toneladas de carbono e Camarões emitiu 2,54 milhões de toneladas. Ou seja, é preciso considerar o padrão de consumo, mas também o tamanho da população.
Como mostrei no artigo “Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico” (Alves, 2022), o crescimento da população e da economia aumenta o consumo e a queima de combustíveis fósseis, elevando as emissões de CO2 – o que expande a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera – escalando a temperatura da superfície do Planeta. Evidentemente, o aquecimento global é um fenômeno que ocorre no longo prazo, porém, já é perfeitamente perceptível no presente.
O mês de julho cravou a maior temperatura já registrada na Terra, em torno de 17º C, como mostra o gráfico abaixo do observatório europeu Copernicus. Nota-se que as temperaturas para o mês de julho estavam sistematicamente abaixo de 16ºC antes do século XXI. Mas nos últimos 20 anos, a temperatura subiu cerca de 1ºC.
Tudo indica que o ano de 2023 será o mais quente já registrado, pois as temperaturas já bateram recordes em junho e julho, como mostra o gráfico abaixo. Os restantes meses do segundo semestre devem apresentar altas temperaturas em decorrência do efeito do El Niño.
O aquecimento global é uma ameaça existencial à vida na Terra e já provoca grandes prejuízos para a economia e o meio ambiente. Nos três primeiros meses de 2023, as perdas provocadas por desastres naturais chegaram a US$ 63 bilhões ao redor do mundo, bem acima da mediana de US$ 38 bilhões de todo o século 21 para o mesmo período, segundo novo relatório sobre catástrofes globais produzido pela Aon, uma das maiores gestoras de risco do mundo.
As ondas letais de calor têm
sido dramáticas no hemisfério norte nos últimos meses, provocando incêndios,
eventos climáticos extremos, enchentes e mortes. Em junho, fortes chuvas
atingem 7 províncias no sul da China e provocaram as maiores enchentes do país,
impactando quase 500 mil pessoas. Em agosto, O tufão Doksuri varreu partes da
China com chuvas fortes que causaram danos consideráveis, deixando pelo menos
62 mortos. Pequim registrou as chuvas mais fortes dos últimos 140 anos.
Mas o que mais assustou o
mundo na semana passada foram os incêndios e as tempestades de fogo que tomaram
conta da ilha havaiana de Maui. Foram os incêndios florestais mais mortais e
destrutivos dos Estados Unidos em um século, pelo menos 80 mortes foram
confirmadas com um número incerto de pessoas feridas.
Grande parte da cidade
histórica, que foi capital do reino havaiano, acabou destruída pelo fogo e
muitas pessoas tiveram de pular no mar para escapar do fogo e foram resgatadas
pela guarda costeira. A perda de vidas e de dois séculos de construções
históricas abalaram os residentes de Maui, que não esperavam o cenário
apocalíptico das chamas consumindo um núcleo urbano rico e próspero.
Já existem muitos sinais de que a civilização humana está trilhando um caminho insustentável e muito perigoso. Evitar a ultrapassagem de 1,5ºC em relação ao período pré-industrial parece uma tarefa impossível. Mas ainda dá tempo para interromper o aquecimento antes do limiar de 2ºC.
Para tanto, a governança global precisa abandonar a esfera dos discursos e colocar em prática as ações necessárias para possibilitar o decrescimento demoeconômico, reduzir as emissões de CO2 e diminuir a Pegada Ecológica global. (ecodebate)
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