Oito gráficos que mostram a situação alarmante da crise ambiental
e climática.
“Este mundo curioso que nós habitamos é mais maravilhoso do que conveniente, mais bonito do que útil, mais para ser admirado e apreciado do que usados”. - Henry Thoreau (1817-1862).
A humanidade ultrapassou a capacidade de carga da Terra e a sobrecarga antrópica tem provocado um grande desequilíbrio ambiental e climático no Planeta.
Nos últimos 250 anos (1772-2022), a economia global cresceu 156
vezes, a população mundial cresceu 9,1 vezes e a renda per capita cresceu 17
vezes. Este crescimento demoeconômico foi maior do que o ocorrido em todo o
período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens. Mas
todo o crescimento e enriquecimento humano ocorreram à custa do encolhimento e
empobrecimento do meio ambiente e do surgimento de uma crise ecológica sem
precedentes.
O gráfico abaixo, dividido em dois painéis, mostra a relação entre
o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do mundo e o aumento da
temperatura global. A rápida elevação do PIB global, especialmente, nos últimos
70 anos está muito associada com o aumento da temperatura global.
No ano de 2020 houve uma recessão da economia internacional, mas
os dados para 2022 mostraram uma recuperação do PIB para os níveis
pré-pandemia. A Guerra da Rússia contra a Ucrânia desacelerou o ritmo do
crescimento do PIB global, mas a relação entre incremento da economia e aumento
da temperatura já retomou as tendências históricas e deve, infelizmente,
permanecer intocável e ameaçadora.
O gráfico do painel da direita mostra que a reta de tendência linear entre as duas variáveis, indicando que 86% da variabilidade temperatura global está associada diretamente ao crescimento do PIB mundial, ao longo dos anos de 1880 e 2022. Portanto, o crescimento demoeconômico tem provocado o aquecimento da temperatura da Terra e as ondas letais de calor e fogo são como uma nova pandemia que deve se espalhar no século XXI (Alves, 2022).
O aumento das emissões de CO2 aumenta o efeito estufa e coloca o aquecimento global em terreno desconhecido. Na última era glacial a concentração de CO2 na atmosfera estava abaixo de 200 partes por milhão. Nos últimos 800 mil anos, a concentração de CO2 ficou sistematicamente abaixo de 280 ppm, conforme mostra o gráfico abaixo da NOAA.
Em 1950 chegou a 300 ppm e, na época da primeira grande
conferência sobre o meio ambiente, a Conferência de Estocolmo, em 1972, a
concentração de CO2 na atmosfera já havia passado para 327 ppm. Em
1987 a concentração chegou a 350 ppm. Este é o nível máximo recomendado pela
ciência para evitar um possível aquecimento global catastrófico.
Porém, a máquina econômica de emissão não sofreu interrupção. Em 2015, quando houve o Acordo de Paris, a concentração de CO2 já havia ultrapassado 400 ppm e, a despeito de todas as metas de redução, a concentração de CO2 chegou a 424 ppm em maio de 2023.
O dramático é que o efeito estufa não está diminuindo, mas está se agravando. Artigo de Gavin L. Foster e colegas, publicado na Nature Communications (04/04/2016) mostra que o mundo caminha para um aquecimento potencial sem precedentes em milhões de anos.
Os atuais níveis de dióxido de carbono são inéditos na história
humana e estão no caminho inexorável para subir às alturas. Se as emissões de
carbono continuarem em sua trajetória atual, a atmosfera poderia atingir um
estado não visto em 50 milhões de anos.
Naquela época, as temperaturas globais eram até 10°C mais quentes
e os oceanos eram dramaticamente mais altos do que hoje. A pesquisa que
originou o artigo compilou 1.500 estimativas de dióxido de carbono para criar
uma visão que se estende por 420 milhões de anos, conforme mostra o gráfico
abaixo.
O aumento da concentração de CO2 na atmosfera
contribuiu para o fato de os últimos 9 anos (2014 a 2022) terem sido os mais
quentes já registrados no Holoceno. A Organização Meteorológica Mundial (OMM)
divulgou um relatório, em maio de 2023, confirmando que há uma probabilidade de
66% de a média anual de aquecimento ultrapassar o limite de 1,5°C entre 2023 e
2027.
Mas ninguém esperava que o mês de julho de 2023 fosse o mês mais quente dos últimos 120 mil anos. Ninguém esperava também que as ondas letais de calor e fogo fossem tão fortes no verão de 2023 no Hemisfério Norte. Tudo isto confirmando, antecipadamente, o que disse o Secretário-geral da ONU, António Guterres: “Estamos na autoestrada rumo ao inferno climático e com o pé no acelerador”.
De fato, se os recordes de temperatura em 2023 têm assustado os cientistas do clima e a comunidade internacional, sendo que os registros de julho aumentaram em muito o temor de um descontrole climático. O gráfico abaixo, da página online Climate Reanalyzer, da Universidade de Maine, nos Estados Unidos, apresenta as curvas médias da temperatura global para cada dia do ano, desde 1979. Nota-se que a temperatura global média jamais havia excedido a marca de 17ºC e bateu o recorde de temperatura da era observacional por 36 dias seguidos.
Outro fato preocupante que tem acontecido é o excepcional aumento da temperatura das águas do Atlântico Norte. O gráfico abaixo, também da página online Climate Reanalyzer, mostra que as temperaturas das águas marinhas do Atlântico Norte chegaram pela primeira vez à casa dos 25ºC na virada de julho para agosto/2023.
A temperatura da água marinha na ponta da Flórida atingiu os níveis das banheiras de hidromassagem, ultrapassando 37,8°C por 2 dias seguidos, o que os meteorologistas dizem que pode ser a água do mar mais quente já medida.
Adicionalmente, o aumento da temperatura dos oceanos, além de acelerar o processo de degelo, pode afetar a circulação oceânica e atmosférica, o que teria impactos significativos no clima global. Um estudo recente publicado na revista Nature (Ditlevsen & Ditlevsen, 25/07/2023) descobriu que a Corrente Meridional do Atlântico (AMOC na sigla em inglês) pode entrar em colapso em meados deste século, ou até mesmo em 2025.
Os autores usaram medidas indiretas para estimar os riscos parada
AMOC e chegaram a conclusões perturbadoras. Para funcionar, a AMOC depende de
dois fatores principais: as diferenças de temperatura e de salinidade entre as
massas de água.
De maneira geral, massas de água mais quentes e com menos sal
tendem a ser menos densas e a ficar por cima, enquanto a água mais fria e com
mais salinidade tende a afundar.
Com um derretimento maior das geleiras do planeta a tendência é
que ocorra um volume cada vez mais intenso de água doce no oceano, o que altera
sua salinidade. E é justamente por causa da importância do equilíbrio entre a
temperatura e a salinidade da água que a AMOC pode acabar ficando
desequilibrada por conta da aceleração do aquecimento global que, por sua vez,
é provocado pelo aumento da Sobrecarga da Terra. A interrupção da AMOC causaria
um grande desastre climático.
A perplexidade ocorre também devido ao montante da cobertura de
gelo marinho na Antártida que está muito abaixo do normal para o inverno
meridional, desde o começo das observações por satélites em 1979. A situação já
estava preocupante no primeiro trimestre de 2023. Mas o que estava ruim no
verão, piorou no inverno.
Cientistas do NSIDC (Centro Nacional de Gelo e Neve dos Estados
Unidos) destacaram que o gelo marinho na Antártica atingiu uma extensão de
15,01 milhões de km2, em 12/08/2023, estabelecendo o novo recorde
mínimo da série para esta época do ano, mais de 2,5 milhões de km2
abaixo da extensão média do gelo da Antártida do período 1981 a 2010. O gráfico
abaixo mostra as anomalias do gelo do mar antártico e confirma uma triste
realidade: nunca houve um ano tão atípico quanto 2023.
A Antártida é um regulador importante do clima global. O
derretimento do gelo marinho pode ter consequências significativas, afetando
habitats de muitas espécies, incluindo baleias, pinguins e focas, além de gerar
mudanças na salinidade dos oceanos que afetariam toda a vida marinha.
Além de aumentar o nível dos mares, o derretimento do gelo pode afetar a circulação oceânica e atmosférica, o que teria impactos significativos no clima global. O aquecimento global aumenta o degelo da Antártida e, devido ao efeito de retroalimentação, a menor cobertura de gelo eleva as temperaturas médias do Planeta.
Em decorrência do crescimento demoeconômico insustentável, deterministicamente, há o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE), o que provoca o aumento da concentração de GEE na atmosfera, o que aumenta a temperatura do Planeta, o que leva ao aumento do degelo dos polos, dos glaciares e da Groenlândia, o que acelera a elevação do nível dos oceanos.
Artigo de Graham Readfearn, no jornal The Guardian (29/07/2023)
mostra que os cientistas estão alarmados com a baixa formação de gelo no
inverno da Antártida em 2023 e a possibilidade de colapso funcional do sistema.
Com certeza os modelos de previsão do aumento do nível dos oceanos terão que
ser revistos para cima.
O gráfico abaixo mostra que o nível dos oceanos já aumentou mais de 10 centímetros nos últimos 30 anos. Mas o mais preocupante é que a elevação era de 2,3 milímetros por ano entre 1993 e 2002, passou para 3,3 milímetros anuais entre 2003 e 2012 e atingiu 4,6 milímetros entre 2013 e 2022, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Ou seja, o rimo de aumento do nível dos mares dobrou em curto espaço de tempo e deve ser acelerar ainda mais quando a temperatura global ultrapassar a marca de 1,5ºC. A maior parte das cidades litorâneas está ameaçada pelo avanço das águas salgadas.
Se o crescimento econômico dos últimos 250 anos está causando uma grande crise climática, provoca também uma crise ambiental e uma grande redução da biodiversidade. O Relatório Planeta Vivo 2022, do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), mostra que o avanço do processo de crescimento contínuo da produção e consumo de bens e serviços ao bel-prazer da humanidade tem provocado uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e gerado um ecocídio da vida selvagem que sempre existiu no planeta muito antes dos seres humanos.
A superexploração da Terra está transformando o Antropoceno em
Piroceno, com a emergência climática se manifestando nas multiplicações de
queimadas e fogos que destroem o meio ambiente e mata a fauna nativa.
Para entender a crise da biodiversidade vale a pena ver a Aula 2, do curso AM088, do IFGW da Unicamp, do professor Mathias Pires, ocorrida no primeiro semestre de 2021. No mesmo curso tive a oportunidade de dar a aula “Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta” (Alves, 11/04/2021). Ambas estão disponíveis na web.
Um relatório preparado pela Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), apresentado para mais de 130 delegações governamentais, mostrou que as atividades humanas ameaçam mais espécies atualmente do que nunca. Uma em cada quatro espécies está em risco de extinção.
A conclusão foi baseada no fato de que em torno de 25% das
espécies de plantas e de animais estão vulneráveis. Isso significa que em torno
de 1 milhão de espécies já enfrentam risco de extinção, muitas delas em
décadas, a não ser que ações sejam tomadas para reduzir a intensidade de
impulsionadores de perdas à biodiversidade.
O relatório também examinou cinco fatores impulsionadores de
mudanças “sem precedentes” na biodiversidade e em ecossistemas ao longo dos
últimos 50 anos. São eles: mudanças no uso da terra e do mar; exploração direta
de organismos; mudança climática, poluição e invasão de espécies estrangeiras.
Ou seja, enquanto a economia cresce, a humanidade enriquece e a
natureza empobrece. A exploração da natureza e a domesticação do mundo natural
já passou dos limites. A humanidade está promovendo um ecocídio em larga escala
que pode se transformar em suicídio.
A economia tradicional tende a ver a natureza apenas como um bem
econômico a serviço do bem-estar da humanidade e como uma mercadoria que faz
circular a economia pagando salários, lucros e juros. A tão decantada
racionalidade do Homo economicus virou um problema de insensibilidade natural e
uma prática especista, com sérios danos à biodiversidade.
O artigo de Timothy e colegas “Quantifying the human cost of global warming”, publicado na revista Nature Sustainability (22/05/2023), avaliou o impacto climático sobre os seres humanos se o mundo continuar na trajetória projetada e aquecer 2,7°C até o final do século, em comparação com as temperaturas pré-industriais.
Se o ritmo atual do aquecimento global não for controlado, isso empurrará bilhões de pessoas para fora do “nicho climático” (as temperaturas em que os humanos podem florescer) e os exporá a condições perigosamente quentes. Considerando o aquecimento global esperado e o crescimento populacional, o estudo indicou que até 2030 cerca de dois bilhões de pessoas estarão fora do nicho climático, enfrentando temperaturas médias de 29ºC ou mais, com um aumento para cerca de 3,7 bilhões vivendo fora do nicho até 2090.
Portanto, existe uma necessidade de aprofundar as metas de
mitigação do Acordo de Paris e acelerar a diminuição do uso de combustíveis fósseis.
A época da grande aceleração do crescimento demoeconômico já ficou para trás e
o desafio atual é evitar o aprofundamento da crise climática e a grande
extinção da biodiversidade, que representa uma ameaça existencial à
continuidade da civilização humana.
A expansão antrópica está se transformando em extinção da vida na
Terra. O atual quinquênio é decisivo, pois nos próximos 5 anos o mundo vai
estourar o “orçamento de carbono” e as consequências serão graves para todas as
formas de vida da Terra.
A guerra contra a natureza é uma guerra contra os próprios
guerreiros. Quase metade da população mundial estará em situação de alto risco
até o final do século XXI. Portanto, as gerações jovens de hoje vão pagar um
alto preço no futuro devido à inação e à incapacidade coletiva de mudar o
padrão de produção e consumo e interromper o continuado crescimento
demoeconômico desregrado.
Se os seres humanos destruírem a ECOlogia, destruirão também a
ECOnomia. É impossível para a civilização humana continuar prosperando com a
natureza definhando. O aumento das emissões de gases de efeito estufa leva ao
aquecimento global que torna amplas áreas da Terra inóspitas e inabitáveis.
A crise climática e a destruição da biodiversidade são os dois principais vetores que representam uma ameaça existencial ao futuro da humanidade.
Os recordes de temperatura de junho, julho e agosto de 2023 são apenas um aviso para cenários muito piores que virão no futuro se não houve um processo de decrescimento demoeconômico e de redução da Pegada Ecológica ao longo do século XXI. (ecodebate)
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